Feliz Aniversário, Manifesto

Wilford Woodruff (centro) e seus conselheiros George Q. Cannon e Joseph F. Smith.

“Reuni-me com 3 dos Doze & meus Conselheiros a respeito de um Assunto importante”, escreveu Wilford Woodruff em seu diário, em 24 de setembro de 1890¹. O assunto tratado era nada mais, nada menos do que viria a ser o maior divisor de águas da história mórmon: o Manifesto que colocou um fim à prática oficial do casamento plural pela Igreja sud.

Na mesma data, o então Presidente da Igreja teria dito a Joseph Henry Dean “somos como homens se afogando, agarrando qualquer madeira flutuando que ofereça algum alívio! Todo inferno parece estar se revoltando contra nós e concentrado na nossa destruição!”². No desespero gerado pelo conflito entre a crença na necessidade de viver o casamento celestial plural e a perseguição por parte do governo federal norte-americano, o Manifesto parece ter sido a última madeira a que se agarraram os líderes sud.

Com o documento redigido e assinado por ele mesmo, Woodruff o enviou à imprensa e também às autoridades governamentais em Washington, antes de submeter o Manifesto à votação na conferência geral. Mesmo entre autoridades gerais, a informação sobre o Manifesto chegou através da imprensa. O setenta B. H. Roberts escreveu de sua experiência junto a quatro membros do Quórum dos Doze: “ele [élder Taylor] me chamou e mostrou o jornal contendo o documento [o Manifesto], cujas manchetes eu li com assombro”³.

Na Conferência Geral seguinte, em 6 de outubro de 1890, o Manifesto foi então apresentado oficialmente aos membros. Embora leia-se na Declaração Oficial 01 incorporada ao livro de Doutrina e Convênios que “O Voto para apoiar a moção foi unânime”, alguns relatos no mínimo relativizam a ideia de unanimidade. Se é que não houve votos em contrário, pelo menos não foram todos que ergueram a mão em apoio. B. H. Roberts fala da sua reação durante a conferência:

O assunto continuou a me perturbar até a chegada da conferência. Ir. Woodruff havia assinado o documento sozinho e concluí que ele havia decidido carregar a responsabilidade sozinho e comecei a reconciliar o Manifesto com base nisso. Mas durante a conferência vi que movimentos estavam sendo feitos para que todo o povo o apoiasse[,] um procedimento que vi com alarme. Quando a crise veio eu me senti com o coração arrasado mas permaneci em silêncio. Pareceu-me o pior momento da minha vida, meu braço era como chumbo quando o apoio foi proposto; eu não podia votar a favor e não votei.

Num primeiro momento, selamentos plurais realizados nas colônias mórmons do México por patriarcas ou apóstolos tiraram da Primeira Presidência e dos olhos do público a prática sagrada, ao mesmo tempo em que obedeciam à nova diretriz de não “celebrar casamentos proibidos pelas leis do país”, ou seja, dos Estados Unidos. É necessário lembrar que tanto John Taylor quanto o próprio Wilford Woodruff haviam recebido na década anterior revelações que reafirmavam a necessidade de viver o casamento plural. Ao longo das primeiras décadas do séc. XX, no entanto, o Manifesto passou gradualmente a significar a total proibição e interrupção do casamento plural.

O Manifesto certamente atingiu os objetivos de garantir a existência física e legal nos EUA da maior organização que reivindica o legado espiritual do Profeta Joseph Smith, ainda que A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias tivesse sido legalmente dissolvida e depois do Manifesto reconstruída como “A Corporação do Presidente de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”.

A ambiguidade por parte da hierarquia e consequente insegurança entre muitos membros da Igreja SUD sobre o real significado do Manifesto e o mal-estar sentido com a mudança radical, como no relato de Roberts, porém, teria uma vida longa e daria origem ainda a outros dois “Manifestos”: em 1904, durante a presidência de Joseph F. Smith, e em 1933, durante a presidência de Heber J. Grant.

Apesar do percurso tumultuado e camaleônico, hoje grandemente esquecido ou ignorado pelos sud, nosso aniversariante de 122 anos abriu gradualmente uma nova era para o mormonismo, com uma nova identidade para os santos dos últimos dias. Um divisor da história, ele também gradualmente dividiria um povo, ao excluir a partir da década de 1930 novos polígamos, dando origem ao movimento fundamentalista. Pragmatismo político e reivindicações de revelação divina foram unidas pelo Manifesto de forma única, marcando para sempre o universo do mormonismo.


Atualização em 24/09/2014: a afirmação de que o voto de apoio ao Manifesto foi unânime não faz mais parte da nova edição em inglês da Declaração Oficial 1.

Atualização em 06/10/2015: nova edição de Doutrina e Convênios em português, reflete a mudança feita em inglês.


 

Referências

¹ Kenney, ed. Wilford Woodruff’s Journal, 24 Sept. 1890, 9:112.

² Joseph Henry Dean Diaries, 24 Sept. 1890, LDS Archives. Citado por Hardy, B. Carmon. Doing the works of Abraham, p. 342.

³ B. H. Roberts Diary, sem data, Special Collection, University of Utah. Citado por Walker, Ronald W. B. H. Roberts and the Woodruff Manifesto. BYU Studies 22, no 03, p. 02.

6 comentários sobre “Feliz Aniversário, Manifesto

  1. – tópico interessante,como eu já comentei aqui a Igreja ainda jovem caminha aos passos de um bebê,aprendendo.Como aconteceu fatos no LM,o Pres. Woodruff tem a difícil tarefa de decidir as pressas para o bem da Igreja,não sabemos o objetivo de ter durado tanto tempo mas ficou claro que aconteceria se continuasse a prática.Não sei mas garanto os que eram contra o Manifesto perderam a visão de seu propósito….acredito que o tópico dever ter mais referências e materiais,pq é complicado e para trazer mais clareza para não errarmos no nosso ponto de vista final.

    • Com certeza, o manifesto deve ter “tirado o chão” de muitas famílias. Elas devem ter sofrido muito. Apesar de crer que as provações são parte da vida, não creio que a Poligamia tenha sido realmente “inspiração ou revelação” , ela parece-me mais o resultado de uma mente carnal.

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