… o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído; e esse reino não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá todos esses reinos e será estabelecido para sempre.
– Daniel 2
Quando Joseph Smith nasceu, em 1805, os Estados Unidos eram um jovem país em formação, havendo conquistado sua independência há apenas 22 anos. Durante as três primeiras décadas do século 19, os movimentos por independência se espalharam por todo continente americano. Haiti (1804), Paraguai (1811), Argentina (1816), Chile (1818), Colômbia (1819), México (1821), Equador (1822), Brasil (1822), Peru (1824), Bolívia (1825), Uruguai (1828), entre outros, libertaram-se de metrópoles europeias naqueles anos. Para os membros da jovem Igreja de Cristo, surgida em 1830, os movimentos revolucionários por independência e república confirmavam as profecias do Livro de Mórmon e a sua própria missão de estabelecer Sião nas Américas.
Como parte do processo de independência nacional estavam as reorganizações internas e a secessão. No Brasil Colonial, por exemplo, a mais famosa revolta contra o domínio português pretendia a independência de Minas Gerais e movimentos semelhantes também aconteceram na Bahia e em Pernambuco.
Após a proclamação da independência brasileira, surgiram a Confederação do Equador (1824), a Federação dos Guanais (1832) e a República Farroupilha (1836-1845). Já nos Estados Unidos e México, surgiram as repúblicas da Fredônia (1827), de Rio Grande (1840), da Califórnia (1846) e dos Texas (1836-1846). As fronteiras no Novo Mundo eram redesenhadas, e esse fato alentaria mais tarde o sonho mórmon de estabelecer uma nação independente.
Cinco meses após a organização oficial de sua igreja no leste americano, Joseph Smith recebeu uma revelação ordenando que os santos fossem reunidos em um só local. A mesma revelação ainda alertava sobre julgamentos e destruições:
E vós sois chamados para efetuardes a reunião de meus eleitos; pois meus eleitos ouvem minha voz e não endurecem o coração. Portanto o Pai decretou que serão reunidos em um mesmo local na face desta terra, a fim de preparar-lhes o coração e para que estejam prontos em todas as coisas para o dia em que tribulações e desolações forem enviadas sobre os iníquos. (Doutrina e Convênio 29:07-08)
O conceito e a prática de uma coligação literal, geográfica, foram sendo ampliados durante a vida de Joseph Smith, chegando ao seu ápice na crescente e complexa Nauvoo, cidade fundada e governada pelos santos. Não por coincidência, doutrinas e cerimônias estabelecidas em Nauvoo – como a adoção e o casamento celestial – promoviam a formação de laços familiares e a construção de uma identidade tribal única.
Unindo o espiritual e o temporal, o Reino de Deus para os santos dos últimos dias não se restringia à religião, mas também abarcava a economia e a política. Um dos fatos mais importantes e menos compreendidos da história mórmon foi a busca de autonomia nacional, a qual resultou no êxodo para as Montanhas Rochosas. O mito da migração mórmon para oeste como contado pela moderna Igreja sud simplesmente descarta o elemento de fuga para fora dos Estados Unidos.
Animados pelos movimentos revolucionários que tomavam conta das Américas e em busca de um refúgio onde estabeleceriam seus ideias teodemocráticos, livres de perseguições, mórmons nutriam sentimentos conflitantes sobre os Estados Unidos: por um lado, eram uma terra de liberdade, onde a restauração do evangelho pudera acontecer; por outro, eram uma nação corrompida que impedia o pleno desenvolvimento da obra divina. Da mesma forma que a religião ancestral havia sido corrompida pela apostasia, a carta magna norte-americana havia sido abandonada em favor de princípios menos nobres.
A visão milenarista de Joseph Smith incluía um processo purificador e destrutivo da sua terra natal, como declarava já em 1833:
E agora estou preparado para dizer pela autoridade de Jesus Cristo que não passarão muitos anos antes que os Estados Unidos tenham tal cena de derramamento de sangue sem paralelo na história de nossa nação; pestilência, granizo, fome e terremotos varrerão os iníquos desta geração da face da terra, para abrir e preparar o caminho para o retorno das tribos perdidas do país do norte. (Joseph Smith, Documentary History of the Church 1:315)
Para mórmons do séc. 19, a Segunda Vinda e o Milênio não dependiam apenas do trabalho de seres celestiais, mas exigiam o trabalho de mãos mortais. Uma das ações mais importantes dos últimos meses de vida de Joseph Smith foi a organização de um grupo de homens que formariam o núcleo inicial do governo teocrático na Terra. Como um “alicerce que revolucionar[ia] o mundo inteiro“, o Conselho dos 50 foi organizado por Joseph Smith Smith em 1844.
Simultaneamente, o Conselho dos 50 trabalhava em duas vias opostas: estabelecer o Reino de forma autônoma, livre da autoridade norte-americana, ou incorporar os EUA ao Reino, assumindo sua instância máxima de governo. O Conselho encabeçou tanto sua campanha à presidência dos EUA, quanto o planejamento de uma migração em massa para um novo local de coligação.
As duas opções foram tratadas com grande seriedade e empenho. Sob o comando do Conselho dos 50, os apóstolos encabeçaram o maior contingente missionário das primeiras seis décadas da história do mormonismo para realizar a campanha presidencial de Joseph Smith. Enquanto isso, buscavam um novo local de coligação no oeste da América do Norte. Nem Joseph Smith, nem o Conselho que o havia ungido como Profeta, Rei e Sacerdote, porém, contavam com sua morte abrupta aos 39 anos.
Com o assassinato de Joseph e Hyrum em 1844, o êxodo foi a única opção restante. Embora o Profeta e o Patriarca não tivessem obedecido a última revelação que os ordenava fugir com para as Montanhas Rochosas, os santos se viram forçados a assim fazer. A utopia do Reino só poderia florescer em outro solo, distante dos gentios.
Orson Pratt, em dezembro de 1845, anunciava no jornal Times and Seasons a migração mórmon e condenava os Estados Unidos:
É com a maior alegria que abandono esta República; e todos os Santos têm razões abundantes para se regozijarem que serão considerados dignos de serem expulsos como exilados desta nação iníqua (…). Se nosso pai celestial nos preservar, e livrar-nos das mãos dos Cristãos sedentos de sangue nestes Estados Unidos, e não permitir que mais nenhum de nós seja martirizado para gratificar a sagrada piedade, eu, de minha parte, serei muito grato. (Times and Seasons 6: 1042-43).
A nação que rejeitava os santos seria rejeitada por Deus. Um mês depois do editorial de Orson Pratt, Brigham Young falou a um grupo reunido no templo de Nauvoo sobre o êxodo a acontecer e o que desejava que acontecesse ao país que havia assassinado seus dois maiores líderes:
E iremos a uma terra onde não haja velhos colonizadores para brigar conosco, onde possamos dizer que nós matamos as cobras e fizemos as estradas, e deixaremos esta nação iníqua para si mesma, pois rejeitaram o evangelho, e espero e oro que os iníquos matem uns aos outros e nos livrem do trabalho de fazê-lo. (…)
Se Joseph tivesse vivido, não estaríamos aqui a esta hora. Estaríamos em algum outro país. (…) (02 de janeiro de 1846. An intimate chronicle: the diaries of William Clayton, p. 251. Salt Lake: Signature, 1995)

Charge antimórmon mostra o Tio Sam prestes a desembainhar sua espada frente ao animalesco mórmon que o desafia e pisa a constituição. “Shall Not That Sword Be Drawn?”, The Daily Graphic 32.3288 (25 de outubro de 1883): 843
O Reino de Deus, a partir de 1847, transplantou a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias para a região do Vale do Lago Salgado, a qual pertencia legalmente ao México. Mórmons nascidos nos EUA e em países da Europa ocidental agora contavam com o isolamento mais que necessário para que o Reino fosse construído no território de Deseret. Mas a Babilônia norte-americana se expandia e reencontrou novamente os santos. Com o tratado de Guadalupe Hidalgo no ano seguinte, os santos, contra sua vontade, estavam novamente em solo norte-americano. Mas nem por isso os sonhos de autonomia nacional mórmon morreriam – ao menos não tão cedo. Pelas próximas quatro décadas, aconteceria a guerra fria entre Deseret e o governo federal dos EUA.
Ótimo trabalho, Antônio.
Obrigado por disponibilizar este estudo pontual e que tanto me impolga.
Gostei…muito bom,a verdadeira história da Igreja,tem que ser postada ensinada e comentada,porquem sabe,é claro.Obrigada.
Antônio, parabéns pelo artigo.
Quando eu li o parágrafo que diz: “A visão milenarista de Joseph Smith incluía um processo purificador e destrutivo da sua terra natal, como declarava já em 1833” lembrei-me de uma declaração feita pelo Elder Wilford Woodruff, em discurso proferido numa conferência em Logan, Utah, no dia 22 de agosto de 1863 (apenas 30 anos depois de Joseph ter feito a profecia registrada em Joseph Smith, Documentary History of the Church 1:315). Essa declaração em muito se assemelha com a de Smith, isto é, de que os Estados Unidos seria acometido por destruições diversas. No entanto, apesar de Woodruff não se referir a todo o território dos Estados Unidos, o fato de ele ter profetizado calamidades que sobreviria sobre cidades importantes desse país, já é digno de nota. Vejamos a Declaração:
“‘Agora, meus jovens amigos, gostaria de que lembrásseis destas cenas que estais presenciando durante a visita do Presidente Young e das Autoridades Gerais. Sim, jovens amigos, entesourai os ensinamentos e dizeres destes profetas como jóias preciosas enquanto eles estão vivos, e não espereis até que estejam mortos. Um pouco tempo mais e o Presidente Young e seus irmãos, os profetas e apóstolos, e os Irmos Benson e Maughan, estarão no mundo espiritual. Jamais deveis esquecer esta visita que fizeram. Tornar-vos-eis homens e mulheres, pais e mães; sim, dia virá em que, depois que vossos pais e estes profetas e apóstolos houverem falecido, tereis o privilégio de entrar nas torres de um glorioso templo construído em nome do Altíssimo (apontando na direção de um promontório situado pouco acima do vale), a leste do lugar de onde nos encontramos; e quando estiverdes nas torres do templo e vossos olhos vislumbrarem este glorioso vale repleto de cidades e povoados, habitados por dezenas de milhares de santos dos últimos dias, então vos lembrareis desta visita do Presidente Young e de sua comitiva. Direis nessa ocasião: Isto aconteceu na época dos Presidentes Benson e Maughan; isso ocorreu antes de Nova York ser destruída por um terremoto, antes de Boston ser varrida pelo mar, de ser engolfada pelo oceano que transbordou além dos limites, isso foi antes de Albany ser destruída pelo fogo; sim, então recordareis as cenas que hoje presenciastes. Gravai-as bem e não as esqueçais .’ O Presidente Young falou a seguir e disse: ‘O que o Irmão Woodruff declarou é uma revelação, e será cumprida.” (Em Lundwall, Temples of the Most High, pp. 97-98.)(Doutrina e Convênio: Manual do aluno. P. 185)