Em Roma, numa famosa praça liricamente chamada “campo de flores”, encontra-se uma estátua muito especial. Roma é cheia de estátuas, mas esta é singular em seu significado.

Estátua de Giordano Bruno no Campo de’ Fiori, em Roma
A estátua é do filósofo e teólogo Giordano Bruno, e foi erguida no exato local onde Bruno foi queimado vivo há 416 anos.
Martirizado 230 anos antes do surgimento do mormonismo, ainda assim Bruno é uma figura fundamental para ele.
Nascido Filippo Bruno em 1548 na cidade de Nola, adotou o nome Giordano aos 17 anos quando ingressou na Ordem Dominicana em Nápoles, em honra a seu professor de metafísica Giordano Crispo. Ordenado sacerdote e frade aos 24 anos, Bruno era um estudante e acadêmico reconhecido por seus pares, inclusive merecendo uma audiência com o Papo Pio V para demonstrar-lhe alguns de seus conhecimentos sobre técnicas mnemônicas.
Contudo, Bruno começou a sofrer perseguições dentro do monastério. Ele foi repetidas vezes pego e repreendido por ler e estudar livros proibidos sobre filosofia, teologia, e história. Após ser pego mencionando sua crença pessoal no arianismo (que postula que Deus Pai e Jesus Cristo são personagens distintos, ao invés de manifestações diferentes de um mesmo personagem triuno), Bruno foi denunciado para a Congregação de Doutrina da Fé. Temendo por sua vida, abandonou o monastério após 11 anos e passou a vagar pela Europa, lecionando e escrevendo em Paris, Oxford, Wittenberg, Praga, Frankfurt, etc.
Capturado em Veneza, após ser convidado para lecionar lá e enganado com promessas de proteção, Bruno foi imprisionado por 7 anos pela Igreja por heresia, ou apostasia. Sob pressão, Bruno abjurou suas publicações e crenças pessoais, implorando por perdão da Igreja e aceitando os dogmas católicos, exceto sua crença no universo pluralista: De acordo com Bruno, a Terra não era o centro do Universo que girava em seu redor, mas sim que ela girava ao redor do Sol, centro do nosso Sistema Solar. Ademais, as estrelas no céu seriam sóis distantes, ao redor dos quais giravam planetas como a Terra, possivelmente habitados em si. Nenhum desses sistemas solares representariam um centro universal, sendo este infinito e amórfico.
Apegar-se a esta única crença filosófica e pessoal, apesar de renunciar o resto e abraçar todo dogma institucional, foi-lhe suficiente para ser condenado. Em 20 de janeiro de 1600 lhe foi lida sua condenação, ao que famosamento retrucou em latim: Maiori forsan cum timore sententiam in me fertis quam ego accipiam (“Vocês pronunciam essa sentença contra mim com maior medo do que eu a recebo”), sugerindo que a mera leitura de suas crenças causavam-lhe temor de considerá-las. Consequentemente, Bruno foi amordaçado para que não pudesse falar durante a sua execução em 17 de fevereiro.
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A Congregação de Doutrina da Fé, também conhecida como Santo Ofício ou Santa Inquisição, foi fundada pelo Papa Paulo III em 1542 para defender a fé e as doutrinas cristãs, e proteger os fieis de heresias. Autorizada com o poder sobre vida e morte de hereges, ou apóstatas, por séculos, ela é hoje a congregação mais antiga em existência na Cúria Católica. Na Igreja SUD, existe o análogo Comitê para Fortalecer os Membros da Igreja.
Assim como o Comitê para Fortalecer os Membros da Igreja SUD, a atual Congregação de Doutrina da Fé limita-se a censurar livros ou acadêmicos, silenciar membros da Igreja e até excomungá-los (como o frade brasileiro Leonardo Boff), sem a violência física do passado.
Houve uma época quando a Igreja SUD ameaçara a vida daqueles que seriam considerados hereges, ou apóstatas. Joseph Smith expulsou de Far West, Missouri, sob ameaças de morte, membros que se opunham a ele, como Oliver Cowdery, David Whitmer, e Lyman Johnson. Brigham Young organizou a famosa “brigada das facas e assovios” para intimidar e expulsar seus opositores em Nauvoo, Illinois. Contudo, hoje em dia a Igreja SUD mantém apenas pressão psicológica e institucional, sem violência.
Quantos Giordanos Brunos existem no mormonismo? Quantas pessoas são silenciadas por acreditarem algo que não seja “aceito” pela instituição? Quantas pessoas são penalizadas, expulsas, e relegadas ao ostracismo por ler literatura “banida” pela Igreja? Apenas no passado recente, Kate Kelly foi excomungada por advogar direitos iguais para mulheres, John Dehlin foi excomungado por advogar direitos iguais para homossexuais, Alan Waterman foi excomungado por acreditar que o mormonismo original de Joseph Smith é diferente e mais puro que o pregado hoje, e assim por diante. Douglas Wallace e Byron Merchant foram excomungados em 1976 e 1977 por criticar a proibição de ordenação de negros ao sacerdócio, e Grant Syphers teve sua recomendação ao templo suspensa pelo mesmo motivo.
Membros da Igreja SUD são ensinados a evitar até familiares que pensam ou creem diferentemente. Populares entre membros nas mídias sociais são os memes “duvide suas dúvidas” e os bordões “leiam apenas sites oficiais da Igreja”.
Ler é proibido pela Igreja SUD?
Pensar é proibido pela Igreja SUD?
Parafraseando a contra-acusação de Bruno a seus acusadores, a Igreja SUD tem medo que seus membros leiam ou estudem fatos ou ideias novas e diferentes?
Na base da estátua dedicada a Giordano Bruno, uma inscrição aponta para a ironia de sua execução, por crenças que hoje são amplamente aceitas como corretas – mesmo pela Igreja que o assassinou.
“A Bruno – o século predito por ele – aqui onde o fogo ardeu”
Referências
Bushman, Richard L, Joseph Smith: Rough Stone Rolling, Alfred A. Knopf, 2005
McIntyre, J Lewis, Giordano Bruno, Kessinger Publishing, 1997
Quinn, D Michael, The Mormon Hierarchy: Origins of Power, Signature Books, 1999
Whiting, Linda S, David W. Patten: Apostle and Martyr, Cedar Fort, 2003
Não tenho dúvidas de que ler e pensar fora dos manuais e discursos engessados (mas sutis em suas declarações desumanas, veladas) é considerado não só heresia, mas passível de sentença de indignidade entre mórmons em geral (mesmo aqueles que sequer saibam o que é filosofia, história, ou mesmo ler).
Bem diferente das pregações, e mais, das atitudes do próprio Cristo.
Nós, mórmons, amamos menosprezar outras igrejas (mesmo que veladamente ou em piadas internas, não públicas), mas seguimos a passos largos os mesmos erros daquelas. E sequer cogitamos seguir alguns de seus bons exemplos, por nos julgarmos superiores e ‘verdade completa ou plenitude revelada’ sobre os demais.
Não estaria a Igreja, na figura de seus ‘anciões’ líderes, alinhada com o pensamento deste Padre aqui?
[Ele parece ser referência nacional entre católicos mais conservadores. Já li alguns de seus textos, e muitos até são bem coerentes, mas não há dúvidas de que é conservador (não que isso seja um palavrão ou ofensa) em essência da palavra].
https://padrepauloricardo.org/aulas/teologia-da-libertacao-e-sua-influencia-na-igreja
Seria essa a ideia que tentam combater, ou só uma roupagem para coibir a ‘libertação’ de seus fiéis (e consequentemente a ‘perda’ de poder sobre eles)?