Um ex-funcionário do Centro de Treinamento de Missionários d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias em Provo, Utah, confirmou publicamente um bizarro e singular detalhe da acusação de tentativa de estupro levantada por uma ex-missionária ao ex-presidente deste CTM.

Joseph L. Bishop em 1972 (Foto: Arquivo do The Salt Lake Tribune)
O funcionário, que pediu para manter sua identidade anônima, descreveu o infame quartinho no porão do CTM aonde o presidente Joseph L Bishop teria levado a missionária para abusar sexualmente dela. Assim como a vítima vem afirmando há décadas, o tal quartinho era preparado com uma cama, televisão, e um gravador de videocassete (do tipo VHS).
Tais detalhes ressaltam a veracidade do testemunho acusatório da vítima, que vazou ao público há uma semana. O funcionário, que providenciou documentação provando ter sido contrato pela BYU na época, e como era comum, emprestado para trabalhar no CTM, afirma não conhecer a vítima pessoalmente, mas surpreendeu-se quando a inusitada e detalhada descrição do “quartinho secreto do sexo” do Presidente do CTM veio a público por seu riqueza em detalhes e verossimilhança. O funcionário ainda descreve como o quartinho se localizava em uma região remota do porão, levando a túneis de acesso, linhas elétricas, e encanamento, ao qual o acesso era restrito e bloqueado por múltiplas portas fechadas e trancadas a chaves.
O quartinho, também fechado a chaves, não possui outro acesso que não a porta, sendo desprovido de janelas. Supostamente, ter-se-ia afirmado a funcionários do CTM que o quartinho era:
“usado pelo Presidente do CTM como um lugar onde ele pudesse tirar sonecas durante o dia e também orar e assistir vídeos do [Côro do Tabernáculo Mórmon] para relaxar.”
Ademais, testifica o ex-funcionário:
“Baseado apenas na natureza do porão, seria chocante para qualquer um levar uma missionária lá para baixo naquele porão por qualquer motivo. Estava sempre muito sujo, empoeirado, com água escorrendo pelas paredes. Era um lugar escuro e fedorento e úmido. É por isso que o pequeno quarto totalmente construído lá em baixo parecia tão estranho. Ele tinha assoalhos agradáveis, paredes, tetos mas sem janelas. Parecia quase como qualquer outra sala de treinamento no CTM, com exceção da cama, é claro. Era realmente muito estranho e totalmente fora do lugar.
Não há nenhuma razão possível que ela poderia saber que a sala existia, e não há razão para alguém ter ficado sozinho naquela sala com ela.”
Consistente com as respostas oficiais da Igreja (tentando descreditar a vítima e esconder a história do público e da lei), o porta-voz da Igreja Eric Hawkins, admite a existência do quartinho mas tenta minimizar o testemunho da vítima:
“Sim, Joseph Bishop tinha um escritório secundário no porão do CTM. As pessoas que entrevistamos e que estavam familiarizadas com o escritório relatam que não continha uma cama.”
Entenda melhor o caso
O ex-Presidente do Centro de Treinamento Missionário d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias Joseph L. Bishop confessou para a polícia ter levado uma missionária para um quarto no porão do CTM em 1984 e induzido-a a mostrar-lhe os seios, de acordo com o relatório publicado ontem pela polícia da Brigham Young University.
Em novembro de 2017 a vítima abordou a polícia da BYU com a intenção de denunciar uma tentativa de estupro que teria ocorrido naquele quarto 33 anos antes. Porém, antes de apresentar sua denúncia à polícia, a vítima conseguiu agendar uma entrevista com Bishop para o começo de dezembro, sob a guisa de entrevistar ex-presidentes de missão. Durante a entrevista, que ela secretamente gravou, Bishop admite o encontro no quarto (embora nega lembranças da tentativa de estupro) e ainda admite abusar sexualmente de múltiplas outras jovens, desculpando-se repetidamente, e chamando a si mesmo de “hipócrita”, “viciado em sexo”, e “predador”.
O áudio dessa entrevista foi entregue à polícia (você pode ouvir o áudio em sua íntegra aqui). Três dias depois eles entrevistaram Bishop que, diferentemente da entrevista gravada pela vítima, parecia lembrar de mais detalhes. Bishop ainda negou à polícia a tentativa de estupro, mas recontou como ele a induziu a despir-se para ele. Quando perguntado o motivo das discrepâncias entre sua narrativa e a dela, Bishop, hoje com 85 anos de idade, simplesmente respondeu que “ou [eu] não me lembro direito, ou ela está exagerando sua história”.
A vítima havia denunciado o abuso para o seu Bispo em 1987 após retornar de sua missão, mas o Bispo recontou ao jornal The Salt Lake Tribune que não acreditou nela e não levou a questão adiante simplesmente por não crer que fosse possível para um líder naquela posição cometer tamanho crime:
“Eu senti que as acusações não tinham mérito. Eram tão extremas e sem lógica interna. É preciso muita avaliação para um homem ser aprovado para uma posição como Presidente do CTM, o que torna a estória dela difícil de acreditar.”
Leia mais detalhes sobre essa entrevista e o caso aqui.
Cultura de Estupro Mórmon
Esse caso sequer seria único ou inusitado dentro da cultura mórmon.
Eis uma lista pública com mais de 400 casos (e milhares de vítimas) oficialmente documentados de abuso sexual, abuso sexual infantil, violência sexual, e estupros cometidos por membros da Igreja SUD entre os anos de 1959 e 2017, invariavalmente acobertados por líderes eclesiásticos da Igreja.
De acordo com a então diretora da força tarefa contra abuso sexual do Condado de Weber (Utah) Marilyn Sandburg:
“A maioria desses casos de abuso foram levados ao judiciário por indivíduos que não eram os líderes religiosos, apesar de que em muitos desses casos, o abuso havia sido inicialmente denunciado aos membros do clero muito antes de ser denunciados às autoridades… Em um caso de incesto específico no qual eu trabalhei, o abuso havia sido denunciado a 6 Bispos diferentes, e apenas 1 deles fez a denúncia às autoridades. O abuso continuou por um período de 11 anos.”
Por décadas, a Igreja manteve uma política de punir alunas de sua universidade que denunciavam sofrer estupros ou violência sexual, até o ano retrasado quando decidiu rescindir tal política misógina, e apenas após meses de severa repercussão negativa na mídia norte-americana. Naturalmente, tal política coibia vítimas de denunciar abusadores e estupradores, criando uma atmosfera propícia para violências sexuais nas faculdades da Igreja por décadas.
Ameríndios da tribo Navajo estão processando a Igreja SUD alegando que eles sofreram abusos sexuais e estupros durante a infância enquanto sob a tutela de famílias de mórmons, acusando a Igreja não apenas de saber dos crimes cometidos , como de retornar as crianças para os lares onde os abusos sexuais havia sido cometido, mas também de acobertá-los e proteger os culpados sob a guisa de não embaraçar a Igreja, instruindo líderes locais e membros a não cooperarem com oficiais da lei ou denunciarem os crimes.
Leia também
Fui Estuprada e a Igreja Mórmon Mandou Arrepender-me
Ex-Líder SUD Preso Por Estupros, Pedofilia
Prêmio Pulitzer à Cobertura de Estupros em Escola Mórmon
Juíz Autoriza Intimação de Profeta Mórmon em Caso de Abuso Sexual
Vítimas de Estupro: Mudanças nas Regras da Igreja SUD
Apóstolo Richard Scott: Vítimas de Abuso Podem Ter Culpa
Igreja Mórmon Critica Jornalistas Cobrindo Vítimas de Estupros em Suas Escolas
Vozes Mórmons. Não estou querendo defender a ninguém e sim entender porque somente agora a vítima se manifestou. Ou eu entendi errado?
Poderia me explicar isso que não entendi bem?
Achamos que esse artigo poderá lhe explicar melhor.
Exato! A existência da cama no quarto é o fato mais relevante de toda essa história. Mais relevante que a gravação em si.
A verdade é mais importante do que preservar a privacidade das vítimas.
Parabéns ABEM por apurar os fatos de forma tão brilhante!