O ex-Presidente do Centro de Treinamento de Missionários d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias em Provo, Utah, que também serviu como Presidente de Missão, Presidente de Estaca, Bispo, e mais recentemente como professor na Universidade de Brigham Young, Joseph L Bishop, foi acusado repetidas vezes por pelo menos duas jovens a múltiplos líderes da Igreja SUD durante décadas.
Em nenhuma instância, nenhum líder tomou qualquer atitude administrativa, eclesiástica, ou policial contra Bishop.

Presidente Dallin Harris Oaks, Primeiro Conselheiro da Primeira Presidência e Presidente do Quórum dos Doze Apóstolos da Igreja SUD sob a adminitração do Profeta Presidente Russell Nelson (à direita)
A primeira vítima a vir a público (doravante vítima #1) é a jovem missionária que secretamente gravou uma confissão de Bishop, cuja gravação vazou na internet há uma semana. A segunda vítima (doravante vítima #2) foi anunciada publicamente pela própria Igreja SUD, que admitiu ter recebido suas acusações de abuso sexual em 1984 e novamente em 2010. A Igreja publicou tal admissão apenas na sexta-feira, após uma semana de discussão pública sobre a primeira vítima e repetidas tentativas por parte da Igreja em silencia-la e, falhando isso, descreditá-la.
Em novembro de 2017 a vítima #1 abordou a polícia da BYU com a intenção de denunciar uma tentativa de estupro 33 anos antes. Porém, antes de apresentar sua denúncia à polícia, ela conseguiu agendar uma entrevista com Bishop para o começo de dezembro, sob a guisa de entrevistar ex-presidentes de missão. Durante a entrevista, que ela secretamente gravou, Bishop admite o encontro no quarto secreto no porão do CTM (embora nega lembranças da tentativa de estupro) e ainda admite abusar sexualmente de múltiplas outras jovens, desculpando-se repetidamente, e chamando a si mesmo de “hipócrita”, “viciado em sexo”, e “predador”.
O áudio dessa entrevista foi entregue à polícia (você pode ouvir o áudio em sua íntegra aqui). Três dias depois eles entrevistaram Bishop que, diferentemente da entrevista gravada pela vítima, parecia lembrar de mais detalhes. Bishop ainda negou à polícia a tentativa de estupro, mas recontou como ele a induziu a despir-se para ele. Quando perguntado o motivo das discrepâncias entre sua narrativa e a dela, Bishop, hoje com 85 anos de idade, simplesmente respondeu que “ou [eu] não me lembro direito, ou ela está exagerando sua história”.
Leia mais detalhes sobre essa entrevista e o caso aqui.
A vítima havia denunciado o abuso para o seu Bispo em 1987 após retornar de sua missão, mas o Bispo recontou ao jornal The Salt Lake Tribune que não acreditou nela e não levou a questão adiante simplesmente por não crer que fosse possível para um líder naquela posição cometer tamanho crime:
“Eu senti que as acusações não tinham mérito. Eram tão extremas e sem lógica interna. É preciso muita avaliação para um homem ser aprovado para uma posição como Presidente do CTM, o que torna a estória dela difícil de acreditar.”
Ela também teria tentado acusa-lo a seus líderes eclesiásticos em 1998 e novamente em 2010, porém sem conseguir qualquer atitude deles. O que significa, contudo, que os líderes eclesiásticos de Bishop receberam em 2010 acusação de abuso sexual de duas mulheres distintas sem tomar quaisquer providências!
A única providência que os líderes da Igreja tomaram em 2010 foi notificar a polícia que a vítima #1 havia “ameaçado a vida” de Bishop e não, de acordo com relatório policial, da tentativa de estupro. A polícia ainda explicou à vítima que não teria jurisdição sobre o crime por questões geográficas.
Em 2012, Bishop publicou um livro que a Igreja SUD vendia até a semana passada em sua livraria. O livro continha um endosso do Setenta Autoridade Geral Robert E Wells, para quem Bishop teria confessado seus crimes sexuais enquanto Presidente de Missão na Argentina (1979-1982, antes de servir como Presidente do CTM).
Em 2016, a vítima #1 tentou novamente denunciar seu estuprador a seu Presidente de Estaca, e novamente este não tomou nenhuma providência.

Joseph L. Bishop em 1972 (Foto: Arquivo do The Salt Lake Tribune)
Em janeiro de 2018, o advogado da vítima #1 contactou a Igreja formalmente com a evidência do áudio da gravação secreta onde Bishop confessa a múltiplos casos de abuso sexual durante sua carreira eclesiástica. E qual foi a atitude da liderança da Igreja? Abrir uma investigação formal? Contactar o Bispo e o Presidente de Estaca do acusado para iniciar uma ação administrativa (ou “tribunal do amor”)? Não. A Igreja SUD entra em contato com legisladores de Utah em fevereiro de 2018 e intensamente os pressiona para urgentemente criminalizar tais gravações secretas, o que tornaria esta gravação como inadmissível como prova material em processos judiciais.
Há exatamente uma semana, o áudio desta gravação vazou na internet e todas as acusações da vítima #1 vieram a público. As primeiras reações da Igreja foram de remover de seu site ambos os livros (este e este) de Bishop que estavam à venda até a véspera, e emitir uma nota pública oficial, recontando de como haviam recebido denúncias formais em 2010 e 2016 deste caso específico, mas que não teriam encontrado nenhuma evidência para ação eclesiástica, e ainda questionando a honestidade da vítima.
A resposta oficial da Igreja SUD foi severamente criticada por mulheres mórmons por culpar a vítima, desonestamente distorcendo os fatos para reduzir sua credibilidade enquanto mantém uma cultura propícia para mais abusos. Escreve eloquentemente uma delas:
“Estou enojada – enojada – com a resposta oficial da Igreja Mórmon à fita divulgada ontem sobre a agressão sexual de uma jovem missionária no CTM por Joseph L. Bishop, que estava servindo como presidente do CTM na época.
E[sta resposta e]stá cheia de subterfúgios e acusações de vítimas. Isso é desonesto. É maligno. E é precisamente a razão pela qual essas coisas acontecem: instituições poderosas protegem os seus próprios às custas das vítimas. Mesmo quando há provas – mesmo quando há uma fita de áudio de um homem em sua própria voz admitindo molestar as missionárias, reconhecendo a existência de uma sala de sexo secreto no porão do CTM, sem mostrar qualquer surpresa com acusações de agressão sexual, e sendo incapaz de reconhecer definitivamente a identidade da mulher em pé a sua frente, porque ele continua a confundindo com outras mulheres.
(…)
Primeiro, se você [Igreja] só vai disciplinar os abusadores que cumprem o ônus da prova exigido por lei, você acaba dando uma luz verde aos predadores, que confiam no fato de que a agressão sexual é notoriamente difícil de provar além de uma dúvida razoável, e que a grande maioria das agressões sexuais não é denunciada, para agirem. Este NÃO é o padrão de evidência exigido em uma situação como essa e a noção de que seria é totalmente absurda. Seu trabalho é proteger o seu povo, não processar crimes. Pare de se esconder atrás de advogados e investigações policiais e faça o seu dever como líderes religiosos, pelo amor de Deus.
Em segundo lugar, a traição no coração desta questão não é a traição desse homem aos seus preciosos padrões de pureza, que são francamente irrelevantes. É a sua traição das pessoas que confiam em você. Seu fracasso em proteger aqueles que lhe dão seus corpos, vidas e almas. Sua disposição para colocar as pessoas sem treinamento pastoral, verificação de antecedentes ou qualquer tipo de verificação, em posições de alta liderança, enquanto extraem alianças de obediência a esses mesmos líderes, sob pena de separação eterna da família. Sua insistência em mandar os jovens para quartos a portas fechadas para lhes fazer perguntas sexuais detalhadas, de modo que quando este homem predador estava em um quarto com essa jovem, ela tinha sido condicionada a aceitar esse tipo de conversa – uma situação que ele explorou para compartilhar detalhes de sua vida sexual, a fim de excitar e prepará-la, de acordo com sua própria admissão.
(…)
Além disso, a tentativa transparente de lançar aspersões na vítima neste caso é chocante. Certificando-se de notar com ironia que seu serviço missionário foi “breve”. Identificando-a claramente como “ex-membro da Igreja”. Essas são palavras-código claras destinadas a sinalizar aos membros que ela não é confiável. Claro que seu serviço missionário foi breve, ela foi sexualmente agredida pelo presidente do CTM na sala de sexo secreto do presidente do CTM! Claro que ela é um ex-membro da igreja, ela foi sexualmente agredida pelo presidente da CTM na sala de sexo secreto do presidente do CTM!”
A vítima #1 cita uma outra vítima contemporânea sua, sobre quem Bishop confessa na gravação. O seu advogado ainda menciona a existência de uma outra vítima que poderá vir a público brevemente. Bishop ainda menciona, sem específicos, outras vítimas de quando era Bispo e Presidente de Missão, sobre quem ele havia confessado para o Setenta Autoridade Geral Robert Wells.
Cultura de Estupro Mórmon
Esse caso sequer seria único ou inusitado dentro da cultura mórmon, onde mulheres vítimas de abuso sexual ou violência sexual são ignoradas ou descreditadas em favor de homens “portadores do sacerdócio”.
Eis uma lista pública com mais de 400 casos (e milhares de vítimas) oficialmente documentados de abuso sexual, abuso sexual infantil, violência sexual, e estupros cometidos por membros da Igreja SUD entre os anos de 1959 e 2017, invariavalmente acobertados por líderes eclesiásticos da Igreja.
De acordo com a então diretora da força tarefa contra abuso sexual do Condado de Weber (Utah) Marilyn Sandburg:
“A maioria desses casos de abuso foram levados ao judiciário por indivíduos que não eram os líderes religiosos, apesar de que em muitos desses casos, o abuso havia sido inicialmente denunciado aos membros do clero muito antes de ser denunciados às autoridades… Em um caso de incesto específico no qual eu trabalhei, o abuso havia sido denunciado a 6 Bispos diferentes, e apenas 1 deles fez a denúncia às autoridades. O abuso continuou por um período de 11 anos.”
Por décadas, a Igreja manteve uma política de punir alunas de sua universidade que denunciavam sofrer estupros ou violência sexual, até o ano retrasado quando decidiu rescindir tal política misógina, e apenas após meses de severa repercussão negativa na mídia norte-americana. Naturalmente, tal política coibia vítimas de denunciar abusadores e estupradores, criando uma atmosfera propícia para violências sexuais nas faculdades da Igreja por décadas.
Ameríndios da tribo Navajo estão processando a Igreja SUD alegando que eles sofreram abusos sexuais e estupros durante a infância enquanto sob a tutela de famílias de mórmons, acusando a Igreja não apenas de saber dos crimes cometidos , como de retornar as crianças para os lares onde os abusos sexuais havia sido cometido, mas também de acobertá-los e proteger os culpados sob a guisa de não embaraçar a Igreja, instruindo líderes locais e membros a não cooperarem com oficiais da lei ou denunciarem os crimes.
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Triste. Muito pior que o descaso dos Mórmons, é a inércia do Estado? Porque a polícia não prendeu Bishop ainda? Porque ela não prendeu os líderes da Igreja que denunciaram o Bishop para a polícia?
A resposta é sempre a mesma, porque ele é branco, hetero e rico! Se fosse negro, gay e pobre, já tinha sido excomungado e preso lá em 2010!
O pior é ver os membros cegos defendendo com unhas e dentes essas coisas como se fosse normal, afinal isso também acontece em outras igrejas, esse povo precisa de psiquiatra.