Igreja Mórmon vs. Justiça Inglesa

A Igreja Mórmon* continua sua saga com conflitos legais na Grã-Bretanha.

Keep Calm and Carry On?

Keep Calm and Carry On?

Além do Profeta Mórmon Thomas Monson receber, recentemente, uma intimação para depor (em menos de 10 dias) num inquérito criminoso por uma juíza inglesa, a Igreja acaba de receber um julgamento desfavorável a um processo de apelação a uma decisão judicial de 2005 do governo bretão contra a Igreja.

Qual a possibilidade deste julgamento desfavorável influenciar o que inquérito esta prestes a começar? E seria possível que este influenciasse as estratégias legais do exército de advogados da Igreja se preparando para defender Thomas Monson? Caso seja relevante, como?

Em 2005, o governo inglês determinou que o Templo de Preston não poderia ser isento de IPTU (impostos territoriais) porque a Igreja é uma organização religiosa registrada legalmente como uma corporação privada. Ademais, diferente das capelas SUD que são abertas ao público, os Templos SUD são fechados ao público (e à parcela não-dizimista dos membros) e não podem ser descritos como “locais de adoração pública”.

Como era de se esperar, a Igreja não aceitou tal decisão e apelou legalmente. Como era de seu direito. A Igreja argumentou que estava sofrendo discriminação (e perseguição) religiosa, e lançou apelos judiciais à Suprema Corte Inglesa. Quando esta julgou a defesa Mórmon como improcedente, apelou-se à Corte Européia de Direitos Humanos em Estrasburgo, França. A Corte de Estrasburgo acabou de concordar com a Suprema Corte Inglesa e julgou, em unanimidade, a queixa de discriminação (e perseguição) religiosa como “improcedente” e “sem fundamentos”.

A decisão apresenta argumentos legais muito relevantes ao caso criminal por fraude contra Thomas Monson.

Em primeiro lugar, é importante notar que a Igreja é constantemente julgada e avaliada como entidade corporativa. A Igreja, nos EUA e na GB, assim escolheu se estruturar legalmente de modo a ser financeiramente mais enxuta. Contudo, a justiça inglesa (e, aparentemente, também a européia) entende tal estruturação legal expõe a Igreja a escrutínio judicial adicional além daquele dedicado exclusivamente a entidades religiosas. Sendo assim, a Igreja no Reino Unido não é apenas uma igreja, mas sim uma corporação aos olhos da lei.

Esta observação é relevante porque Phillips, em seu processo criminoso contra Monson, alega que a Corporação Única se beneficia monetariamente da ingenuidade e ignorância de seus membros. Em outras palavras, trata-se de uma corporação “abusando” de seus “consumidores”, e não uma igreja ou religião “abusando” de seus “fiéis”.

Em segundo lugar, as justiças inglesas e européias não enxergam como violação de direitos humanos ou de direitos religiosos as consequências judiciais (e tributárias) de regras estabelecidas internamente. Em outras palavras, se a Igreja decide obstruir acesso ao público (e a muitos membros) ao Templo e agir “em segredo”, ela perde o direito de isenção fiscal religiosa (neste parâmetro específico).

Esta observação é relevante porque Phillips, em seu processo criminoso contra Monson, alega que a Corporação Única fomenta ingenuidade e ignorância de seus membros, da qual se beneficia, através da manutenção de “segredos” sobre fatos conhecidos (e.g., pelo braço educacional da Corporação, como a BYU) de seu passado histórico e outros conceitos científicos básicos.

Finalmente, a justiça inglesa demonstra claramente que o critério mais relevante é o interesse público. A justiça interpreta que a lei de arrecadação de impostos estava sendo abusada pela Igreja porque ela não oferecia, em troca pelo subsídio governamental (oferecido por meio da isenção fiscal), um serviço ou bem público em retorno.

Esta observação é relevante porque Phillips, em seu processo criminoso contra Monson, alega que a Corporação Única se beneficia financeiramente através da manutenção de “segredos” sobre fatos conhecidos e através da isenção fiscal sobre tais contribuições. Como funciona isso? Porque a Grã-Bretanha goza de uma religião estatal, ela (por motivos de igualdade legal) oferece em torno de 25% às igrejas que recebem contribuições declaradas. Em outras palavras, para cada 100 libras doadas à Igreja SUD, o governo bretão paga mais 25 libras à Igreja SUD. Com dinheiro dos cofres públicos, é dever do Estado inspecionar como tais contribuições são coletadas. A própria Igreja SUD oferece impressos a seus membros e ajuda online para buscarem tal benefício do governo para ela.

Certamente, os advogados da Igreja imaginam defender Monson da queixa-crime de fraude (é importante notar que o processo não é cível, e portanto não busca restituições monetárias) com base nas proteções constitucionais aos direitos de crença e religião. Independentemente da absurdidade científica e racional das crenças em Adão e Eva no Jardim do Édem há 6.000 anos, ou dos ameríndios serem descendentes de algumas famílias israelenses há 2.614 anos, é direito inegável de qualquer pessoa ou grupo de pessoas crer nelas. Contudo, resta saber se a justiça inglesa aceitará tal caso como sendo sobre crenças religiosas ou se ela a enxergará do prisma do litigante: a de uma corporação que recebe subsídio estatal por doações adquiridas em consequência da prática de manter segredos comprováveis do seu público-alvo.

O consolo, hoje, para a Igreja é que ela manterá aproximadamente 80% em descontos no IPTU oferecidos para organizações de “caridade”. Apenas o tempo dirá se haverá consolo para a Igreja no inquérito que esta programado para se iniciar em 10 dias.

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Em outras notícias, e falando em “caridade”, um painel investigativo das Organizações das Nações Unidas levantou, entre outras coisas, os custos em doações humanitárias globais da Igreja SUD para o ano de 2013: USD 84 milhões.

Este valor é, certamente, muito melhor que a média anual entre 1985 e 2010 (USD 46 milhões), mas que não deixa de representar apenas 1% da renda anual estimada de dízimos e muito, muito, muito menos que 1% de toda renda anual estimada dos investimentos corporativos da Igreja.

Não obstante, estas contribuições caridosas — e a publicidade subsequente — são notórias, e certamente facilitam uma aceitação e penetração global. A argumentação legal nos processos supra-citados, mesmo em julgamento contrário a Igreja, sempre levou em consideração tais doações de caridade. A caridade pode até falhar 99% das vezes, mas 1% basta para colher dividendos políticos e legais.

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* A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias baseada em Salt Lake City, Utah, apesar de uma das muitas igrejas Mórmons, é a maior e mais famosa destas e, portanto, facilmente assim epinomada.

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31 comentários sobre “Igreja Mórmon vs. Justiça Inglesa

    • Eu também me vejo impedido de compartilhar meus pensamentos sobre o texto e seus autores (sim, porque nem tudo é como se pinta aqui) devido à repressão e ao autoritarismo de seus autores. Eles aceitam todas as ideias, desde que sejam apenas as que condizem com seus pensamentos a respeito. Falta de respeito e demonstração desnecessária de superioridade.

      • O curioso, Clóvis, é que uma análise de todos os comentários já submetidos a este site (e nós armazenamos todos os comentários submetidos) encontra, antes deste presente comentário, exatamente ZERO comentários submetidos no seu nome ou pelo seu email ou pelo seu endereço IP. Como você poderia ser submetido “à repressão e ao autoritarismo” se você nunca comentou nada?

        Ademais, uma leitura simples e cursória em qualquer artigo, inclusive neste artigo presente, encontra vários comentários discordando dos respectivos artigos. Como você poderia queixar-se de que as únicas idéias aceitas são “as que condizem com [nossos] pensamentos” respectivamente se isso é visivelmente inverdadeiro?

        Você esta convidado a compartilhar seus pensamentos sobre o que quiser. Lembre-se, contudo, que este site não é a sua casa (nem a proverbial casa da mãe Joana). Nós pedimos um mínimo de educação (i.e., não defender preconceitos ou gratuitamente ofender terceiros) e coerência (i.e., manter-se aos assuntos em questão e não fazer spam) e deixamos estas regras claras com a nossa Política de Comentários.

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  1. É de direito apelarem para não pagarem os impostos, porém, a justiça inglesa e européia já sinalizaram que não é bem assim. Se não se enquadram nos parâmetros que garantem os privilégios da isenção, só cabe acatar a decisão. Quem sabe criar regras que limitam a participação dos interessados conforme a capacidade de colaboração financeira, também deve saber acatar uma decisão da justiça. Quase fundi meus neurônios pensando nesse texto, e mais ainda no fragmento do “abuso” de seus fiéis ingênuos e ignorantes. Sempre pensei: “Poxa, ninguém é “obrigado” a pagar o dízimo.” No entanto, da forma que colocaste, Marcello, acabei relacionando com uma espécie de aliciamento, que no final o aliciador se defende dizendo que não forçou ninguém a nada…

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