A maioria dos Mórmons é ignorante de sua própria história.
E isso não é mera coincidência.
Um exemplo muito simples oferece uma perfeita ilustração disso.
Essa semana, nós publicamos uma citação do falecido Apóstolo Boyd Packer onde ele repudia a profissão de historiador por valorizar demais a “verdade”. Muitos membros da Igreja SUD nos escreveram murmurando e choramingando reclamando que a citação estaria “fora de contexto” e “distorcida”.
Os poucos Mórmons que não são ignorantes de sua própria história reconhecem, rapidamente, que essa posição de Packer é inteiramente consistente com toda a sua obra apostólica. Packer, inclusive, escreveu e publicou um artigo em 1981 na revista BYU Studies delineando seus argumentos e defendendo justamente tal posição:
O artigo de Packer é entitulado “O manto é muito, muito maior
que o intelecto”, e deste o título já se pode perceber que Packer argumentará que a estrutura hierárquica da Igreja (representada pelo proverbial “manto” de autoridade conferida a Joseph Smith e passada adiante) é mais relevante que os conceitos iluministas de racionalismo, lógica ou ciência (representado pelo “intelecto” humano):
“Há uma tentação para o escritor ou o professor de História da Igreja de querer contar tudo, seja dignificante ou edificante para a fé ou não. Algumas coisas que são verdadeiras não são muito úteis.”
Essa é a postulação pragmática de Packer sobre historiografia. Ser verdade é irrelavante, desde que seja útil! Útil para quê? Para promover fé.
“Historiadores parecem ter grande orgulho em publicar algo novo, especialmente se ilustra uma fraqueza ou um erro de uma figura histórica proeminente.”
Essa é a distorção básica de Packer sobre historiografia. Sim, historiadores (como todos cientistas e pesquisadores) almejam fazer novas descobertas. Esse é todo o conceito básico por trás da disciplina (e todas disciplinas acadêmicas). Packer distorce a profissão ao presumir, erroneamente, que historiadores procuram o negativo. Historiadores procuram apenas, e se acham o negativo, é porque ele existia e ocorreu, e culpar quem procura não altera o fato histórico.
“O escritor ou o professor que tem uma lealdade exagerada à teoria de que tudo deve ser dito estabelece a fundação para seu próprio julgamento.”
Essa é a ameaça que Packer faz a todos os membros da Igreja que seguem a profissão de historiadores. Aqueles que acreditam em buscar todas as verdades históricas e em transparência acadêmica serão punidos.
“Importa muito, não só o que nos é dito, mas quando nos é dito. Tenham cuidado para edificar a fé em vez de destruí-la.”
Novamente, história deve ser subornidade a manter a fé.
“Alguns historiadores escrevem e falam como se os únicos a le-los ou ouvi-lo são historiadores experientes e maduros. Escrevem e falam para um público muito restrito. Infelizmente, muitas das coisas que eles contam uns aos outros não são edificantes, vão muito além da audiência-alvo, e destrói a fé.”
Packer presume ou que Mórmons sejam estúpidos e incapazes de compreender o que historiadores escrevem, ou que as verdades historiográficas não são conduzíveis a fé e as crenças estabelecidas.
“O que aquele historiador fez com a reputação do Presidente da Igreja não valeu a pena. Ele parecia determinado a convencer a todos que o profeta era um homem. Todos nós já sabíamos disso. Os profetas e todos os apóstolos foram homens. Teria sido muito mais vantajoso para ele nos convencer de que o homem era um profeta, um fato tão verdadeiro como o fato de que ele era um homem.
Ele tirou algo da memória de um profeta. Ele
destruiu fé.”
Novamente, as únicas verdades históricas que devem ser publicadas e discutidas são as que avançam a narrativa da fé.
“O historiador ou estudioso que se deleita em apontar as fraquezas e fragilidades dos líderes presentes ou passados destrói a fé. Um destruidor da fé, particularmente um dentro da igreja, e mais particulamente aquele que é empregado especificamente para manter a fé, coloca-se em grande perigo espiritual. Ele está servindo o mestre errado e, a menos que ele se arrependa, ele não estará entre os fiéis na eternidades.”
Além de ameaçar historiadores novamente, Packer confessa que o propósito do Sistema Educacional da Igreja não é educar, mas indoutrinar na fé.
“Aquele que opta por seguir os princípios de sua profissão, independentemente de como eles possam ferir a Igreja ou destruir a fé daqueles que não estão pronto para a história avançada está pessoalmente em perigo espiritual. Se é um membro da igreja, está quebrando os convênios e deverá prestar contas. Depois que todos os amanhãs da mortalidade haverem terminados, ele não vai ficar onde ele poderia ter ficado.”
Packer reforça o seu ponto principal: Historiadores devem defender a Igreja e a fé a qualquer custo, ou irão para o proverbial inferno.
“Eu acho que vocês podem entender o ponto onde eu estou tocando. Aqueles de vocês que são empregados pela Igreja têm uma responsabilidade especial para edificar a fé e não destruí-la. Se você não fazer isso, mas de fato acomodar o inimigo que é o destruidor da fé, você se torna, nesse sentido, um traidor à causa a qual fez convênios para proteger. Aqueles que cuidadosamente purgam seu trabalho de qualquer fé religiosa em nome da liberdade acadêmica ou suposta honestidade não devem esperar ser acomodados em suas pesquisas ou a ser pago pelo Igreja para fazê-lo.”
Se você trabalha no Sistema Educacional da Igreja, incluindo nas suas várias faculdades e universidades (e.g., BYU, LDSBC, colégios no México e no Pacífico, etc.), liberdade acadêmica e honestidade não serão aceitas pelo seu empregador (i.e., a Igreja SUD).
O artigo no BYU Studies pode ser encontrado clicando aqui. Leia-o antes de murmurar e choramingar reclamar que as citações acima estão fora de contexto. [1][2][3]
Mórmons cantam um hino que exalta o conceito da verdade absoluta.
“A verdade o que é? Jóia de valor. Que riquezas celestes traduz… A verdade o que é? É o supremo dom. Que é dado ao mortal desejar; Procurai no abismo, na treva e na luz, nas montanhas e vales o seu claro som, e grandeza ireis contemplar!”
A verdade, jóia de valor, riqueza celeste, supremo dom, é que o recém-falecido Apóstolo Boyd K. Packer simplesmente não acreditava nela. Packer acreditava apenas nas “verdades” que exaltam, edificam, e passam uma imagem boa, bonita, e higienizada.
Talvez o conceito de honestidade intelectual ou transparência acadêmica seja abstrato demais para algumas pessoas. Uma analogia mais prática poderia melhor ilustrar o conceito. Sabe aquelas pessoas que parecem ter vidas perfeitas nas mídias sociais?
E você? Acredita no conceito de verdade absoluta? Ou apenas na “verdade” que fica bonita nas mídias sociais?
NOTAS
[1] Alguns leitores desinformados ou desacostumados com hábitos de leitura reclamaram que a citação não estava acompanhada de “fonte”. Apesar da nota-de-rodapé e apesar do link para o artigo em sua íntegra de onde a citação foi tirada. Nossas desculpas pela orientação explícita acima, que parece insultantemente óbvia, mas parece que para muitas pessoas ela ainda é necessária. Uma dica para esses leitores: Links levam às fontes, ou artigos que contém essas fontes; Números levam às notas-de-rodapé que citam as fontes publicadas.
[2] Alguns leitores desinformados ou desacostumados com hábitos de leitura reclamaram que a fonte de onde a citação originara de uma publicação “anti-mórmon”. Nós já publicamos sobre a nescidade e preguiça intelectual do argumento “anti-mórmon”, mas nesse caso específico ele é triplamente ignorante e estulto: 1) Toda e qualquer fonte tem seu viés inerente, e nenhum acadêmico competente (ou leitor inteligente) ignora uma fonte de antemão por causa de seu conhecido viés. Fontes internas (e.g., publicações da Igreja) têm o óbvio viés de sempre defender a própria reputação, e nem por isso podem ser ignoradas. Membros da Igreja SUD não ignoram livros sobre história da Igreja SUD porque eles terão o viés de só falar bem da Igreja; 2) Se o livro citado é uma publicação “anti-mórmon”, então esqueceram de avisar três de seus co-autores, o historiador e apologista SUD Richard Bushman, autor da biografia de Joseph Smith recomendada pela própria Igreja SUD, e os famosos e prolíferos (e fanáticos) apologistas SUD Louis Midgley e Edward Ashment; 3) Michael Quinn, o autor desse capítulo e fonte pessoal dessa citação, não apenas nunca foi um “anti-mórmon”, mas é um ferrenho defensor da fé e religião Mórmon, muitas vezes criticado (até hoje) entre acadêmicos e críticos por ser “crente” demais. Amigo e confidente pessoal de Spencer Kimball, ele foi o historiador SUD mais celebrado na década de 1980 e professor da BYU, perseguido na década de 1990 e excomungado a mando de Packer et al. junto com outros intelectuais SUD apenas após a publicação desse livro. Como se três motivos não fossem suficiente, esse artigo acima publicado pelo próprio Boyd K. Packer, em uma revista da Igreja SUD, elaborando exatamente o mesmo pensamento expresso na citação de Quinn, deveria ser a prova máxima, nesse caso, e o exemplo primo, no sentido geral, do hebetismo desse tipo de raciocínio.
[3] Alguns leitores desinformados ou desacostumados com hábitos de leitura não entendem o conceito de citação. As citações publicadas em artigos são editadas para brevidade com o propósito de focar-se no assunto em pauta. As fontes das citações são fornecidas para que o leitor possa ir até a fonte e lê-lo em sua totalidade. Isso é prática comum em todos os tipos de publicações. Uma dica para esses leitores: Não murmure e choramingue reclame que a citação está “fora de contexto” ou “distorcida” sem antes ler o texto original. Depois que você leu o texto original, e depois que percebeu que a citação não está “fora de contexto” ou “distorcida” (como fora o caso naquele artigo, e como é o caso neste, também), reflita no assunto em pauta. Se, por acaso, você ainda acredita que a citação esteja “fora de contexto” e “distorcida”, delineie especificamente os motivos pelos quais, baseado no texto original, você ainda crê nisso. Não murmure e choramingue apenas, mas argumente sua opinião racionalmente com fatos concretos e argumentos elaborados.
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Não me surpreende que Boyd K. Packer tenha sido a origem do que lemos no post acima. Aprendemos em Ciência Política, desde Maquiavel, que todas as organizações humanas possuem uma “eminência parda”, cuja função, entre várias outras, é a de operar como um escudo, defendendo-as até naquelas circunstâncias em que estiverem erradas, poupando assim os titulares de desgaste. Posso estar errado, mas com seu passamento, percebo empiricamente, dada a visibilidade, que essa função poderá ser transmitida a Dieter F. Uchtdorf. É ele que vem tomando a frente em questões polêmicas envolvendo a Igreja, deixando as amenidades e, claro, as obviedades, para Thomas S. Monson. É interessante, mas ao aprofundarmos a análise do exercício do poder em nossa Igreja sob uma perspectiva acadêmica, vemos como tudo se parece com o que temos aqui fora. E acho que se enquadra nessa linha o caso entre o nosso protagonista e os historiadores, isto é, promover a ideia (e talvez muito mais que uma ideia, uma ideologia!) de que a verdade se sujeita ao poder. Em História Comparada poderíamos encontrar magníficos exemplos de como isso também era e é feito pelo KGB soviético e pela CIA estadunidense, segundo lemos em Hobsbawm. O objetivo é sempre o de preservar (e manter!) o poder, mesmo que para tanto seja necessário mentir descaradamente. Se transferirmos nossa discussão para a Filosofia, talvez possamos nos escorar no chamado relativismo filosófico, através do qual é possível sustentar uma verdade apenas enquanto ela não é desafiada ou desmentida, conforme encontramos em Weber, Foucault e Nietzche, entre vários outros. Pois a verdade em Packer (vamos colocar assim…) é tão absoluta, mas tão absoluta, que não apenas não dialoga, mas se desconecta da própria realidade fática. A Ciência Política provavelmente explicará esse fenômeno a partir de Maquiavel… Vejamos o que vem por aí, talvez com Uchtdorf.
Eu acredito que a verdade absoluta emana de Deus aperfeiçoador de criador da fé, pensava que a verdade emanava de Deus para a igreja, mas depois de tantos erros históricos e observar chamados e decisões equivocadas de lideres, que muitas vezes são até absurdas, depois de vinte anos de atuação fervorosa e diligente em programas da igreja, por empirismo lógico, cada vez mais percebo que muitas decisões administrativas e muitas vezes doutrinárias emanam da vontade do homem empossado em respectivos cargos.
Por isso que o Senhor declarou o que na verdade e a sua doutrina: Doutrina e Convênios 10:67
67 “Eis que esta é a minha doutrina: Aquele que se arrepende e vem a mim, esse é a minha igreja” De acordo com o Senhor a sua verdadeira Igreja sao nada mais nada menos que ” as pessoas que se arrependem e vem a mim” Muito simples, nesse caso qualquer pessoa em qualquer parte do mundo que deseje seguir a Deus de acordo com seu conhecimento e conciencia, que se arrependa de seus pecados com sinceridade, essa pessoa passa a pertencer a verdadeira Igreja de Cristo. A instituicao existe, ou pelo menos deveria existir para ajudar as pessoas vir a Cristo fora isso a instituicao nao tem valor nenhum e a menos que ela esteja fundada sobre esse alicerce ela nao pode ser considerada a Igreja de Cristo. O seu comentario faz muito sentido, a verdade emana de Deus para aqueles que estao dispostos a receber, independente se eles pertencam ou nao a qualquer instituicao, se aqueles que tem os titulos nao estao dispostos a receberem a verdade, o Senhor simplesmente vai esperar ate que eles ou outros estejam dispostos a receberem,enquanto isso eles seguiram o braco da carne e ensinamentos dos homens, foi sempre assim por toda a historia da humanidade e nao seria diferente em nossa epoca.