Por Que Religião é Mais do Que Crença — Uma Defesa do Mormonismo Cultural

Matthew Bowman

Há muitos termos para se referir a pessoas que frequentam as reuniões d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias mas dizem nāo acreditar em todos seus ensinamentos. “Mórmon cultural” é um deles. “Hipócrita” é outro. Em ambos os casos, porém, a suposição é que participar sem crer requer adendos. Ou, em outras palavras, supõe-se que crer seja a verdadeira essência do que significa ser religioso.

De certa forma, os membros da Igreja foram ensinados essa lição pela Suprema Corte dos EUA. Em 1879, o tribunal proferiu uma decisão no caso George Reynolds. Ele era secretário de Brigham Young e o homem que os líderes da Igreja escolheram para ser o caso teste para ver se o tribunal concordaria que a Primeira Emenda protegia a prática da poligamia.

A Suprema Corte disse que ela não protegia. “Os poderes legislativos do governo atingem apenas ações, e não opiniões”, decidiram os ministros. Reynolds era livre para acreditar em poligamia, mas o governo poderia fazer leis restringindo sua capacidade de praticá-la.

Reynolds ficou seriamente desapontado, mas talvez tivesse sentido qual seria a decisão. Os Estados Unidos eram dominados pelo protestantismo, e os primeiros protestantes romperam com a Igreja Católica Romana porque achavam que o catolicismo romano dava atenção demais ao ritual religioso e não à crença.

Os protestantes achavam que a religião verdadeira era o que você acreditava. O que você faz deve britar da crença, e não o contrário. Se você faz algo religioso, como se batizar, deveria ser porque você já acreditava nelas. Ser batizado como forma de ganhar fé parecia-lhes um absurdo.

Não deveria ter sido surpresa que a Suprema Corte tenha usado o caso para pressionar a igreja sediada em Utah a ser mais protestante, para esconder suas práticas escandalosas da realidade vivida na segurança das mentes de homens como George Reynolds.

O mais interessante foi o sucesso dessa campanha dentro da igreja.

Hoje, santos dos últimos dias dão muito peso à crença. Em parte, isso se deve a eventos como o caso Reynolds, que ensinou aos membros como poderiam ganhar o respeito dos protestantes americanos. Mas em parte isso foi fácil, porque a primeira geração de membros eram também protestantes, que falavam sobre se filiar à igreja de maneira protestante. Eles falavam sobre serem persuadidos ou convertidos ou acharem a fé razoável.

É uma peculiaridade estranha da história que muitos crentes devotos e ex-praticantes estejam firmemente convencidos de que a crença sincera é o alicerce para qualquer participação na Igreja. Gordon Monson afirmou isso em uma coluna recente no Salt Lake Tribune. Membros empilham intensificadores sobre intensificadores enquanto declaram quão profunda, completa e firmemente sabem que sua religião é verdadeira. Aqueles que duvidam lutam para saber se devem praticar a fé, e alguns que deixaram a igreja lhes dizem que não devem. Como diz o clichê: “Se você não acredita, por que não vai embora?”.

A resposta para isso é fácil: essas pessoas não saem da igreja porque religião não é apenas o que você acredita.

Existem muitas religiões ao redor do mundo que dão pouco ou nenhum peso ao que se acredita. Pesquisas mostram regularmente que poucos japoneses dizem “acreditar” em qualquer tradição religiosa. Apenas 6% dos japoneses dizem que Deus ou um ser divino é importante em sua vida. E, no entanto, a grande maioria dos japoneses diz que pratica xintoísmo ou budismo, e a participação em ritos religiosos é bastante comum. Em suma, ser religioso no Japão tem a ver com comportamento, com o que você faz, mais do que com o que você acredita.

Europeus originalmente usavam a palavra “religião” para descrever não apenas as histórias que contavam sobre o universo, mas também as coisas que faziam em resposta a essas histórias. “Religião” há muito significa não apenas teologia, mas também rituais, comunidades e código moral. E como qualquer um que tenha tentado ensinar sabe, os humanos aprendem não apenas através da informação, mas também através da ação, arte e atividade.

Realizamos cerimônias de formatura e festas de aniversário porque não somos cérebros em garrafas. Somos corpos que querem se esticar e mover sob o sol. Receber um diploma pelo correio dificilmente significa tanto quanto atravessar um palco de toga entre centenas de pessoas para celebrá-lo. Aprendemos através do movimento e da comunidade tanto quanto através das palavras. Crescemos não apenas repetindo slogans, mas também nos levantando, caminhando até outra pessoa, apertando as mãos, abraçando, olhando nos olhos um do outro.

Nós humanos somos criaturas carnais e encarnadas, feitas de emoção e fome tanto quanto somos mentes que sabem ou acreditam. As religiões são bem-sucedidas porque as pessoas descobrem que elas as alimentam outros modos maneiras além do meramente intelectual. E as religiões florescem quando reconhecem que atendem às necessidades comunitárias, emocionais e físicas – e marcam todas elas como legítimas.

Portanto, podemos chamar as pessoas que não acreditam e, no entanto, frequentam as reuniões da Igreja de mórmons culturais ou de hipócritas. Mas sugiro que essas pessoas sejam simplesmente mórmons – ou, se preferir, membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.


Matthew Bowman é Professor Associado de Religião e História, e diretor da cátedra Howard W. Hunter de Estudos Mórmons na Claremont Graduate University. Ele é coeditor deThe Mormon People: The Making of an American Faith e autor deChristian: The Politics of a Word in America.”

Artigo originalmente publicado aqui. Reproduzido com permissão do autor.

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