O Sacerdócio, por Hugh Nibley

hughnibleyHugh Nibley (1910-2005)

O sacerdócio deixa de ser eficaz quando exercido “em qualquer grau de iniqüidade” (D&C 131:37), mas ele opera pelo espírito e o espírito não é enganado, mas é extremamente sensível ao menor sinal de fraude, fingimento, auto-justificação, ambição, crueldade, etc.. “Quando nos propomos… a exercer controle ou domínio ou coação sobre a alma dos filhos dos homens, em qualquer grau de iniqüidade, eis que os céus se afastam; o Espírito do Senhor se magoa e quando se magoa, amém para o sacerdócio ou autoridade desse homem” (D&C 121:37). Mas e o domínio justo do sacerdócio? Este pode ser facilmente reconhecido, pois opera apenas por “persuasão, com longanimidade, com brandura e mansidão e com amor não fingido; com bondade e conhecimento puro, que grandemente expandirão a alma, sem hipocrisia e sem dolo… com as entranhas cheias de caridade a todos os homens” (D&C 121:41-45). Mesmo nas eternidades o poder do sacerdócio flui “sem ser compelido… eternamente” (D&C 121:46).

Quem pode negar tal poder a outro? Nenhum homem. Quem pode conferi-lo a outro? Nenhum homem. Gostamos de pensar que a Igreja se divide entre aqueles que o tem e aqueles que não o tem; mas é a mais pura tolice achar que podemos dizer quem o tem e quem não o tem. Apenas Deus sabe quem é justo e até que ponto justo; no entanto, “os direitos do sacerdócio são inseparavelmente ligados com os poderes do céu” e estes “não podem ser controlados ou exercidos a não ser de acordo com os princípios de retidão” (D&C 121:35). O resultado é que se há alguém que realmente porta o sacerdócio, ninguém está em posição de dizer quem é – apenas pelo poder de comandar os espíritos e elementos tal dom é aparente. Mas no que se refere a comandar ou dirigir outras pessoas, cada homem deve decidir por si mesmo.

O Senhor nos deu uma dica valiosa, entretanto: a certeza de que dentre aqueles que “portam” o sacerdócio, quase nenhum realmente o possui. Que os direitos do sacerdócio “nos podem ser conferidos, é verdade”, fazendo de nós formalmente portadores do sacerdócio, mas “quando nos propomos… a exercer controle ou domínio ou coação sobre a alma dos filhos dos homens, em qualquer grau de iniqüidade”, o sacerdócio é vão. E isto é assim em “quase todos” os casos na Igreja: “aprendemos, por tristes experiências, que é da natureza e índole de quase todos os homens, tão logo suponham ter adquirido um pouco de autoridade, começam a exercer imediatamente domínio injusto. Portanto muitos são chamados, mas poucos escolhidos” (D&C 121:39-40).

O que se deve fazer para ser escolhido?

Primeiro, não se deve colocar seu coração nas coisas deste mundo (D&C 121:35) – isto basta para o sacerdócio como algo para se exibir; de forma que não se aspire às honras dos homens; isto basta para o sacerdócio como algo de prestígio. Não se pode exercer qualquer poder do sacerdócio em qualquer grau de iniqüidade – isto é em total reconhecimento do fato de que “é a natureza de quase todos os homens” fazer exatamente isso assim que pensam ter poder e autoridade.

Aqui sobram algumas poucas pessoas humildes, despretensiosas e espirituais como os únicos portadores de um sacerdócio válido. São os “poucos humildes seguidores de Cristo” que são a força da Igreja ao longo da história do Livro de Mórmon.

Que ironia. No que se refere ao mundo inteiro, o sacerdócio é algo de valor, o qual é cruel de ser restringido a alguém, pois incrementa o status e dignidade de uma pessoa entre os seus, seja dentro ou fora da Igreja. E, no entanto, o que torna esse sacerdócio completamente nulo e vão é tratá-lo como algo a ser aspirado entre os seus. O sacerdócio é basicamente um arranjo entre o indivíduo portador do sacerdócio e seus irmãos nos mundos eternos, tão pessoal e privado quanto qualquer coisa pode ser.

Podemos ainda reconhecer que o que quer que digamos ou façamos em retidão pode ser mal interpretado. A única maneira de deixar as coisas mais fáceis para nós é seguir o caminho do mundo. Seria difícil negar que a paz e a prosperidade da Igreja em anos recentes têm sido grandemente o fruto da disposição de seguir o caminho que mundo segue.

Onde toda a verdade é incluída em um grande todo, levantar uma questão é levantar muitas outras, e qualquer assunto relevante ao evangelho inevitavelmente leva à discussão da coisa inteira.

Mas o sacerdócio não é tudo? Não nesta terra. Nesta terra ele não é nada, e assim que tentamos usá-lo para qualquer tipo de status, poder, domínio ou autoridade, ele automaticamente é cancelado.

Para repetir, como tendemos a fazer por falta de inteligência, para aqueles que portam o sacerdócio nesta terra, ele é, segundo o profeta Joseph Smith, “um fardo oneroso” e não um prêmio. Ninguém pode dar ordens a outro pelo sacerdócio.  Ninguém pode usá-lo para adquirir prestígio, fama ou riqueza.  Longe de impressionar os semelhantes, ele é tratado com desdém por eles. No momento em que se tenta obter honra, glória ou exercer domínio pelo sacerdócio, “amém ao sacerdócio desse homem” – ele automaticamente se torna vão e nulo. Que proveito ele tem então? Sobre quem ele exerce domínio? Sobre os espíritos e sobre os elementos – não sobre o próximo, que em nenhuma circunstância pode ser privado do seu completo livre arbítrio.

Ainda que alguns possam duvidar, não encontro motivo para me vangloriar do meu sacerdócio – nada é mais fácil do que conferi-lo a mim, mas isso é só o início; pois para que seja um poder real, requer um grau de concentração, dedicação e auto-disciplina que poucos jamais alcançam. E para os demais, o sacerdócio não é uma bênção, mas um risco terrível. O sacerdócio não é a insígnia de uma patente para ser usado como uma pena no chapéu.

Nós realmente acreditamos na Primeira Visão? Milhares de Santos dos Últimos Dias atestam isso a cada domingo de jejum; mas quando o melhor, mais completo e antigo relato da Primeira Visão, ditado a Frederick G. Williams pelo Profeta, aos 26 anos, foi descoberto e publicado em 1968, não causou o menor interesse na Igreja. Aparentemente é o suficiente saber que Deus falou novamente desde os céus – não interessa o que Ele disse.

A lição mais útil é o silêncio do céu sobre este assunto particular à luz de nossa própria e terrível ignorância. Há uma ligação entre os dois.  Onde as pessoas não buscam sabedoria e conhecimento, Deus não os dará a elas, de forma que permanecem em ignorância e sem pedir ajuda do alto.

Nada agrada mais a Deus do que seus filhos buscando “mais luz e conhecimento” – foi por isso que Adão, Abraão, Enoque, Moisés e Joseph Smith foram agraciados com as mais ricas bênçãos. Nada o desagrada mais do que “buscarem poder e autoridade e riquezas” (3 Néfi 6:15). Ao longo dos anos, os Santos dos Últimos Dias têm consistentemente buscado não aquele, mas estes últimos. É correto e apropriado que possamos ficar de molho por um tempo.

“Busquei as bênçãos dos pais… desejando também ser possuidor de grande conhecimento e ser maior seguidor da retidão e possuir maior conhecimento” (Abraão 1:2).

Duas vezes ele repete: ele quer conhecimento.

Até o final, mesmo depois de ter aprendido todas as doutrinas de salvação, Adão ainda “busca mais luz e conhecimento” e por tal conhecimento nós devemos buscar eternamente. Mas o que ouvimos? Um ex-reitor da BYU anunciou pomposamente numa convenção de educadores que na BYU não estamos buscando a verdade, porque temos a verdade! É assim que estamos hoje. É comum na BYU os alunos protestarem quando lhe é ensinado algo que não conheciam antes: “Por que murmurais por receberdes mais palavras minhas? … E porque disse uma palavra não deveis supor que não possa dizer outras; pois meu trabalho ainda não está terminado nem estará até o fim do homem nem desde aí para sempre” (2 Néfi 29:8-9).

O fato é que os Santos dos Últimos Dias “não procuram conhecimento nem compreendem grande conhecimento, quando lhe é dado com clareza, sim, tão claramente quanto o podem ser as palavras” (2 Néfi 32:7). Simplesmente não estão interessados.

Como sabemos pouco. Como queremos saber pouco. A informação está lá, muito mais abundante do que nos dispomos a entender, caso a busquemos. Esperar por uma revelação sobre o assunto é tolice enquanto não esgotarmos todos os recursos já colocados à nossa disposição.

O forte preconceito foi há muito estendido aos índios por mórmons em altas posições, ainda que os mórmons sejam os únicos no mundo a acreditar que os índios são nada menos que do puro sangue de Israel.

Tais atitudes são fortalecidas pelo esnobismo da classe média americana; os mórmons gostam de se ver como WASPs – no entanto, foram os americanos cristãos, protestantes, brancos, rurais, que o Senhor com seus próprios lábios desaprovou, falando ao jovem profeta, como hipócritas; disse Ele: “estão todos errados.. seus credos são uma abominação à sua vista… esses mestres são todos corruptos: eles se aproximam de mim com seus lábios, mas seus corações estão longe de mim, tendo aparência de religiosidade, mas negam o seu poder” (Joseph Smith- História 1:19).

Há aqueles na Igreja que identificariam Sião com “Executive Residence, o condomínio exclusivo para as pessoas certas”.

É necessário repetir: sobre quem o sacerdócio exerce poder? Sobre os espíritos e sobre os elementos – nunca sobre o próximo, cujo livre arbítrio é absoluto e inalienável.

Cristo ordenava os espíritos e eles o obedeciam; ele ordenava os elementos e eles o obedeciam. Mas ele não comandava homens e repreendeu os apóstolos em Cafarnaum por sugerirem isso: “quantas vezes tentei reuni-los… e não o fizeram”.

O que é então o sacerdócio sobre esta terra? Foi Brigham Young e os Doze que escreveram no Times and Seasons em 1839, chamando o sacerdócio de um “dever oneroso”, um fardo a ser carregado”. Muito poucos homens, inclusive na igreja, estão realmente qualificados. Em termos de prestígio, status, poder, influência, prazer, privilégio, “poder e autoridade e riquezas” (3 Néfi 6:37), o sacerdócio não tem absolutamente nada a oferecer. O mundo ri dele, os Santos dos Últimos Dias dele abusam ou o ignoram, e aqueles que o tomam seriamente o fazem com “temor e tremor”.

Tradução de Antônio Trevisan Teixeira

Fonte: Sunstone, dezembro de 1990, pp. 10-11.

17 comentários sobre “O Sacerdócio, por Hugh Nibley

  1. O que posso dizer? Tais palavras de Hugh Nibley descrevem de maneira precisa e autêntica como o Sacerdócio tem sido tratado na IJCSUD e em geral por nós os portadores de tal Sacerdócio.

    Antônio, “Sunstone” é uma revista (publicação) da Igreja?

    Um abraço.

  2. Excelente reflexão de Nibley!!!

    Reforço o interesse do Jamil pra conhecer que publicação se trata a “Sunstone”…

    No texto também diz: “Nós realmente acreditamos na Primeira Visão? Milhares de Santos dos Últimos Dias atestam isso a cada domingo de jejum; mas quando o melhor, mais completo e antigo relato da Primeira Visão, ditado a Frederick G. Williams pelo Profeta, aos 26 anos, foi descoberto e publicado em 1968, não causou o menor interesse na Igreja. Aparentemente é o suficiente saber que Deus falou novamente desde os céus – não interessa o que Ele disse.”
    O que diz o antigo relato da Primeira Visão, ditado a Frederick G. Williams pelo Profeta, descoberto em 1968?

    abs

    • David,

      alguns aspectos que poderia destacar desse relato de 1832:Joseph Smith fala de um período de busca espiritual entre os 12 e 15 anos de idade; sente pesar e tensão pelos pecados do mundo e os seus próprios; há a menção de sua leituras das escrituras, mas não da passagem de Tiago; ao orar, vê descer sobre ele um “pilar de fogo”; descreve apenas um personagem (Cristo), que afirma “Joseph, meu filho, teus pecados te são perdoados”.

      Um abraço!

      • Diante de tantos relatos sobre a primeira visão, é possível dizer qual seria o mais correto?

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