Eldred G. Smith, 105 anos

Aprendemos do ensinamento do Presidente Young que era necessário manter uma organização completa da Igreja o tempo inteiro até onde fosse possível. Pelo menos os três [da] primeira Presidência, quórum dos Doze, Setentas, e Patriarca sobre toda a Igreja etc. de modo que o diabo não pudesse tirar vantagem de nós. –
Diário de Wilford Woodruff, 27 de dezembro de 1847.


Na semana passada, Eldred G. Smith completou 105 anos de vida. Ainda que seu nome seja hoje completamente desconhecido da maioria dos membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, sua importância e a do ofício que ocupou são enormes na história mórmon. Eldred G. Smith foi o último homem chamado como Patriarca da Igreja, servindo de 1946 a 1979.

Instituído em 1833 com a ordenação de Joseph Smith Sr., o ofício de Patriarca foi o único ofício hereditário na hierarquia da Igreja, sendo seu ocupante apoiado juntamente com apóstolos e membros da Primeira Presidência como um profeta, vidente e revelador. A história de tal ofício, porém, nunca foi livre de conflitos, havendo em vários momentos certa incerteza por parte das outras autoridades gerais quanto às suas funções, jurisdição e posição dentro da hierarquia do sacerdócio. Os episódios envolvendo o chamado de Eldred G. Smith como Patriarca e sua posterior “aposentadoria” e a extinção, na prática, do ofício de Patriarca ilustram a parte final desse impasse entre a autoridade patriarcal e a autoridade apostólica. Para entendê-lo melhor, talvez seja útil voltar nossa atenção aos dias de Heber J. Grant.

Joseph F.Smith ao lado do patriarca John Smith, aproximadamente 1895

Quando um membro do Quórum dos 12, Heber J. Grant viu a polêmica tomar conta do seu quórum quando Joseph F. Smith pediu para ser ordenado como novo presidente da Igreja por seu meio-irmão, o Patriarca John Smith. O primeiro discurso de conferência de Joseph F. Smith, em 1901, não foi menos controverso a Grant e os demais apóstolos, quando afirmou que o correto era que o Patriarca fosse apoiado em primeiro lugar, antes do próprio presidente da Igreja, dada a sequência de ofícios em D&C 124. Talvez o maior entusiasta da Palavra de Sabedoria em toda a história, Grant também não nutria grande respeito por John Smith que, tal como boa parte das autoridades gerais de sua geração, ainda fazia uso de álcool e tabaco. O sucessor de John Smith no ofício patriarcal, seu filho, Hyrum G. Smith, tampouco foi de total agrado a Grant, devido às suas tentativas de magnificar seu chamado, ordenando e instruindo patriarcas de estaca. Heber J. Grant discordava até mesmo da prerrogativa do Patriarca escolher seu sucessor.

Essas duas percepções – do Patriarca como um potencial rival dos 12 e da suposta indignidade do Patriarca John Smith e também de seus descendentes – influenciariam o rumo de Heber J. Grant na presidência da Igreja, bem como a vida do futuro Patriarca Eldred G. Smith.

Após a morte de Hyrum G. Smith, em 1932, ao invés de honrar tradição e revelação e chamar seu filho mais velho – Eldred G. Smith, então com 25 anos de idade -, o presidente Grant resolveu deixar o ofício de Patriarca vazio (No que se refere à idade, vale lembrar que o próprio Heber J. Grant havia sido ordenado apóstolo aos 26.) Eldred era bem instruído, havia servido como missionário na Alemanha, guardava a Palavra de Sabedoria e contava com o apoio do Quórum dos 12. Mesmo assim, a ausência de um novo Patriarca duraria 10 anos.

Em 1942, após mudar algumas atribuições e o próprio nome do ofício (chamado até então de “Patriarca Presidente”), Heber J. Grant escolhe um membro da família Smith que não descendia de John Smith, Joseph F. Smith II. No entanto, o Patriarca escolhido por Grant seria desobrigado quatro anos depois, já sob a presidência de George Albert Smith, após ser descoberto seu comportamento homossexual.

Leia sobre o chamado e a desobrigação de Eldred G. Smith na segunda parte deste tópico.

Para as raízes da polêmica em torno do ofício de Patriarca, à época de Joseph e Hyrum Smith, leia o artigo Hyrum, o profeta rejeitado.

16 comentários sobre “Eldred G. Smith, 105 anos

  1. Como filho de um patriarca ordenado e atuante e escriba do mesmo, creio ser esse um dos mais fenomenais e explicativos artigos a respeito deste ofício relegado da modernidade mórmon conforme prescrita pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Como defensor do patriarcalismo mórmon clássico, creio que se faz necessário discutir a respeito, até pelo próprio fato de que se a igreja tem alterado as funções de seus setentas com o passar dos anos, porquê não pdoeria alterar as funções dos patriarcas sem, contudo, excluí-los da representatividade junto às autoridades gerais? Creio que nisto se saiu muito melhor a Comunidade de Cristo, que alterou até mesmo o título do Patriarca Presidente (já que seu sacerdócio agora admite mulheres), porém, sem extinguir a linhagem histórica prescrita. Acho que isso poderia dar uma frutífera discussão, resultando, quem sabe, numa improvável ordenação de novos patriarcas gerais quando do lamentável passamento do Élder Eldred Smith, o que, levando em consideração sua idade, pode estar próximo de ocorrer.

    • Olá, Diego,

      sua observação sobre o contraste entre a alteração de responsabilidades dos setenta e a aposentadoria do ofício de Patriarca Presidente (ou Patriarca da Igreja) é interessante. De fato vários ofícios tiveram uma certa reformulação ao lado da história, incluindo o ofício de apóstolo, originalmente pensado especialmente em termos de um conselho missionário viajante.

      Eu desconheço como o ofício de Patriarca foi elaborado na Igreja reorganizada e atual Comunidade de Cristo. Como o ofício é chamado agora? Ficaria grato se você pudesse nos dar alguma informação sobre esse ofício entre nossos “primos”.

      Não vislumbro uma retomada do ofício de Patriarca Presidente pela Igreja sud. Tecnicamente, ele está vago desde 1979, ainda que seu último ocupante esteja vivo e ativo. O ofício teve um desaparecimento gradual e de forma que sua falta não foi sentida pela imensa maioria dos membros. Imagino que até mesmo a maioria dos patriarcas de estaca desconheça a nossa história nesse aspecto.

      Abraço!

      • Olá, Antônio!!! Bem, tudo o que sei é que a Comunidade de Cristo alterou a nomenclatura do chamado para “Evangelista Presidente”, tirando o “estigma” de chamado masculino do cargo, já que eles admitem, desde os anos 1980, mulheres no sacerdócio (a primeira conselheira na primeira presidência deles é uma mulher, atualmente, além de “apóstolas” também existirem). Além disso, cabe ressaltar que lá eles também não seguem mais uma linhagem específica para esses chamados, de modo que a responsabilidade não recai mais sobre a família Smith, como fizeram também com sua presidência (profeta-presidente) em 1990 +/-.
        Além disso, o chamado de evangelista, que tem a responsabildiade de conferir bênçãos evangélicas, admite mais de uma bênção na vida de um indivíduo, podendo essas bênçãos ser de natureza pessoal de primeira vez (como as nossas bênçãos patriarcais) ou ainda outras bênçãos pessoais em momentos importantes da vida, bênçãos familiares e bênçãos congregacionais (para toda uma congregação – que acredito não se chamar ala, já que essa nomenclatura surge somente em Utah). Bem, creio ser isso.

    • Diego,

      Muito boas as suas colocações sobre a Comunidade de Cristo. Concordo com você que eles evoluíram o cargo de uma maneira mais positiva que a AIJCSUD.

      O que não podemos nos esquecer é que, historicamente, como os Presidentes da RSUD eram descendentes de Joseph Smith, nunca houve a tensão hierárquica entre o Patriarca-Geral e os Apóstolos. Young, Taylor, e muitos de seus sucessores simplesmente sentiam suas autoridades ameaçadas pelo carisma do sobrenome Smith e da teorica posição de equivalência entre o ofício de Patriarca-Geral e a Primeira Presidência.

      Além disso, os RSUD aprenderam a lidar melhor com a partilha de poder, passando a incluir as mulheres nos anos 1980 (ao mesmo tempo que a SUD lutava brigas políticas para *evitar* maiores proteções legais às mulheres), e recentemente, os gays e lésbicas. Até a transição do Presidente alterou-se com razoável tranquilidade, primeiro para fora da clã Smith, e depois para incluir aposentadoria de um presidente idoso demais para realizar suas funções.

      (A propósito, a designação “ward” (“ala”) começou em Nauvoo, e é derivada dos caucus políticos de Illinois. Como você disse, a CdC usa o termo mais religioso e menos político de “congregação”.)

      • “como os Presidentes da RSUD eram descendentes de Joseph Smith, nunca houve a tensão hierárquica entre o Patriarca-Geral e os Apóstolos.”

        Importante colocação. Faz todo sentido. Lembrando também que os apóstolos sud que sempre “socorreram” ofício de Patriarca Presidente eram Smiths.

        Ironicamente, Heber J. Grant seria – pelo selamento de sua mãe – filho de Joseph Smith no novo e eterno convênio. Mas estabeleceu uma das maiores reformulações do ofício no séc. XX.

      • Ótimas colocações… e bom saber que o termo ala não surge em Utah… aliás, faz todo sentido surgir em Illinois, onde os membros da Igreja SUD e sua liderança estiveram muito mais próximos do poder (poderíamos discutir a influência do poder temporal dos líderes da Igreja em outros artigos, em especial a influência “militaresca” sobre o profeta com coisas como a Milícia de Nauvoo e mesmo os Danitas… coisas para os próximos momentos).

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