Numa época em que a frequência tradicional a igrejas diminuiu e a filiação religiosa de mais rápido crescimento na América são os “não” — aqueles que não reivindicam afiliação com uma fé organizada —, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias continuou a se expandir.

Missionários SUD em Fiji (Foto cortesia d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Esse crescimento na Igreja SUD, comumente chamada de Mórmon, é em grande parte resultado do número crescente de congregações predominantemente brancas, bem como de um grande número de novos conversos latinos. Em outros lugares, as taxas de conversão mórmon diminuíram visivelmente.
Da minha perspectiva como estudioso da história religiosa e política americana, essas duas correntes para o crescimento significam uma tensão crucial no coração da experiência mórmon: a comunidade mórmon está lutando para manter sua identidade cultural, ao mesmo tempo que abraça múltiplas origens raciais, étnicas e nacionais.
Diversidade do Passado Mórmon
Diversidade cultural tem sido há muito parte da experiência americana. No início da década de 1850, Brigham Young, o segundo presidente d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, descobriu que um número crescente de conversos à fé SUD, principalmente imigrantes europeus, estava tendo dificuldade em aprender a língua inglesa.
Era um dilema indicativo de uma era de globalização. Da população total de Utah em 1880, cerca de 60% vinham de famílias imigrantes. A pergunta diante de Young era como poderia o povo mórmon manter a solidariedade cultural à medida que se tornavam mais diversificados.
A solução de Young era reformar a linguagem escrita, de modo a facilitar o caminho da assimilação. Em 1854, ele anunciou que os líderes da igreja “formaram um novo Alfabeto”, que eles acreditavam “seria altamente benéfico” para os conversos estrangeiros.
O esquema fonético resultante de 38 caracteres, que eles chamaram de Alfabeto Deseret, foi uma tentativa de acomodar o alcance europeu da fé. Mas houve custos substanciais para a tradução e reimpressão dos textos necessários. Além disso, o idioma nunca foi completamente abraçado fora da liderança da Igreja. Eventualmente, o alfabeto foi descartado dentro de uma década.
No entanto, continua a ser um testemunho da visão inclusiva do mormonismo do século 19. Young e outros líderes genuinamente procuraram assimilar conversos estrangeiros. E os mórmons não estavam sozinhos durante este período: seu crescimento expansivo ocorreu à mesma época do maior período de imigração nos Estados Unidos, entre 1870 e 1910.
Diversidade na Igreja Mórmon
Porém, como em muitas religiões, o segundo século do mormonismo inverteu muitos dos impulsos mais radicais do primeiro.
Pouco depois de 1900, a prática de coligar conversos a “Sião”— membros da fé deveriam se mudar para Utah—, foi descartada em favor da construção de “siãos” individuais em todo o mundo. Em outras palavras, ao invés de imigrar para Utah, os membros da fé foram encorajados a permanecer na suas terra natais.
Essa nova perspectiva de uma fé globalizada é evidente hoje. Dos 15,6 milhões de membros em 2016, apenas 6,5 milhões residem nos Estados Unidos. Os materiais da Igreja são publicados em 188 idiomas. A liderança e os membros orgulham-se de fazerem parte de um evangelho mundial que transcende países, continentes e hemisférios.
Em teoria, e às vezes na prática, isso pode parecer uma extensão da visão inclusiva anterior. Utah não é mais o mesmo “caldeirão de culturas”, mas comunidades mórmons diferentes são encontradas em todo o hemisfério.
Campanha “Eu sou mórmon” (diverso)
Atualmente, no entanto, tanto a Igreja SUD quanto os Estados Unidos têm dificuldades com diversidade. Pesquisa demonstra que um comprometimento com o excepcionalismo americano ainda domina muito da cultura mórmon. Continua a existir uma tensão persistente entre ser uma fé global e uma instituição americana.

Outdoor da campanha “Eu sou mórmon” nos EUA.
Por um lado, houve sinais de uma imagem mais diversificada e inclusiva da Igreja SUD. A partir de 2011, a equipe de Assuntos Públicos da Igreja SUD realizou uma campanha “Eu sou mórmon” destacando a heterogeneidade racial e cultural. Há mais de um milhão de mórmons no México e no Brasil. Em abril passado, o Apóstolo SUD Jeffrey R. Holland advertiu em uma poderosa mensagem que “quando desprezamos nossa singularidade ou tentamos nos conformar com estereótipos fictícios (…) perdemos a riqueza de tom e timbre que Deus pretendia quando criou um mundo de diversidade”.
A Igreja Mórmon mantém uma posição progressiva sobre imigração que às vezes surpreende não-membros. Ela apoiou o “Utah Compact” em 2010, instando políticos a adotarem uma abordagem mais caritativa das leis de imigração.
A Igreja tem periodicamente apelado por políticas que reconheçam a humanidade dos imigrantes, denunciem a separação das famílias e proporcionem um caminho para a residência permanente (embora não por cidadania ou anistia).
Desconforto Com a Assimilação
Contudo, ansiedades persistem, tanto a nível cultural como institucional: enquanto os níveis regionais de governança da Igreja tornaram-se muito mais diversos, os dois maiores quóruns da liderança da Igreja permaneceram completamente brancos e esmagadoramente americanos. Apenas um dos 15 membros desses conselhos governantes nasceu fora dos Estados Unidos.
E apesar do apoio a leis progressivas de imigração, continua a haver relutância em relação à assimilação racial. Os imigrantes latino-americanos nos EUA são tipicamente segregados em congregações de língua espanhola, que muitas vezes criam comunidades dentro das comunidades.
Além disso, a fé tem uma longa história de rejeitar relações inter-raciais. Em certos momentos, alguns de seus líderes inclusive flertaram com teorias da eugenia, ou a crença de que poderiam ajudar a cultivar uma raça pura. Há apenas quatro anos, um manual informava jovens que a Igreja “recomenda que as pessoas se casem com os que são da mesma raça”. Em geral, a instituição mórmon refletiu sua maquiagem demográfica americana: branca , de classe média e conservadora.
Partes do discurso SUD ainda previram a discussão destes dias sobre imigração global e medos de transformação étnica. Em um discurso de 2005 para membros em geral, L. Tom Perry, então membro do Quórum dos Apóstolos, advertiu que “muitos estão semeando sementes de um fruto que não alimentará uma alma eterna”. Sua referência a “sementes” era mais do que uma referência figurativa ao futuro crescimento espiritual.
Perry relatou uma conversa recente que teve com um viajante europeu não identificado em um trem. “O que acontecerá em seu país?”, Perry perguntou, dado que “a diminuição da população e o influxo de um número crescente de imigrantes acabará por torná-lo uma minoria em sua própria terra”. Quando seu interlocutor respondeu: “com grande orgulho nacional, que “isso nunca acontecerá”, Perry continuou a insistir no problema. “Como você pode apoiar essa posição com a imigração que excede a taxa de natalidade do seu país?” O europeu não ofereceu uma resposta satisfatória, e Perry deixou o relato em uma nota ameaçadora.
Essa foi, obviamente, uma conversa que reflete um padrão cultural mais amplo de preocupações raciais. Tais se tornaram persistentes na retórica política americana, mórmon ou não. Há algum tempo, o deputado de Iowa, Steve King, católico, advertiu de forma semelhante que o aumento da imigração resultaria em uma cultura ocidental perdida. “Não podemos restaurar nossa civilização com os bebês de outro”, ele publicou no Twitter em meados de março. Ele apenas se retratou parcialmente no dia seguinte, explicando que “gostaria de ver uma América que é tão homogênea que nos parecemos muito uns com os outros”.
As palavras de King e Perry incorporam um nacionalismo étnico persistente que prioriza a unidade racial e adverte sobre a diversidade cultural. Essas ansiedades transcendem fronteiras denominacionais.
Presságios Para o Futuro
A Era Trump tem testemunhado um aumento e validação desta retórica nativista — que privilegia um grupo específico sobre outros. A instituição SUD foi lenta — e eventualmente morna — em sua resposta às ações executivas originais de Trump restringindo refugiados e a imigração de países muçulmanos.
Uma declaração emitida pela Igreja disse: “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias está preocupada com o bem-estar temporal e espiritual de todos os filhos de Deus em toda a terra”. E, simplesmente, acrescentou uma nota dizendo “com especial preocupação para com aqueles que estão fugindo da violência física, da guerra e da perseguição religiosa “. Esta não foi uma condenação direta.
Dadas as políticas propostas por Trump, há muitas batalhas potenciais à frente. Existem noções concorrentes de como uma sociedade — religiosa, cultural ou política — deve ser construída: uma comunidade pode ser construída sobre a diversidade ou deve ser homogênea? Uma identidade nacional baseada na semelhança racial é uma opção válida em uma era global? Essas perguntas continuarão a impulsionar tanto a Igreja Mórmon quanto a nação americana em que ela opera.
A retórica e ações executivas de Donald Trump podem fornecer um modelo, mas o Alfabeto Deseret de Brigham Young poderá oferecer outro.
Benjamin Park é Professor Assistente de História, na Sam Houston State University.
Artigo original publicado aqui. Reproduzido com permissão.
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