Papiro copta faz referência à esposa de Jesus Cristo
Uma historiadora da Universidade de Harvard, especializada em cristianismo primitivo, identificou um pequeno fragmento de papiro em que Jesus Cristo é citado falando de sua esposa. A Dra. Karen L. King e sua equipe trabalharam sobre o pequeno fragmento de apenas oito linhas, partindo da ideia de que poderia ser uma fraude. Mas a conclusão unânime foi de que não era. O fragmento de “O Evangelho da Esposa de Jesus”, como foi nomeado o texto, é um documento autêntico em um dialeto do copta, idioma egípcio escrito com caracteres gregos, provavelmente do séc. IV. O recorte do fragmento faz com que nenhuma frase esteja completa. Mas em meio à narrativa de um debate entre Cristo e seus discípulos, é possível ler “Jesus disse a eles: ‘Minha esposa…'”. Essa é a primeira alusão na primeira pessoa ao matrimônio de Cristo em um evangelho apócrifo. Logo abaixo, lê-se “e ela será capaz de ser minha discípula”.
Ao contrário do que foi dito ontem no telejornal de maior audiência no Brasil, a Dra. King declarou em entrevista ao New York Times que não considera o papiro como um prova de que Jesus tenha sido casado. Como historiadora (e não teóloga) analisando um texto (e não o homem histórico do qual ele fala), ela considera o texto como uma evidência de que existia entre os cristãos dos primeiros séculos a crença de que Cristo havia se casado. Essa é uma diferença importante, em termos acadêmicos, especialmente tendo em mente a possível datação do documento e o fato de que nesse mesmo período um autor cristão faz a afirmação de que Jesus não era casado.
De acordo com a pesquisadora, o próprio estado precário do fragmento pode ter sido resultado dos acirrados debates em torno da vida pessoal de Cristo e suas implicações para os cristãos:
É possível que a referência explícita ao estado civil de Jesus (…) tenha sido jogada numa pilha de lixo não (apenas?) porque o papiro em si estivesse gasto ou estragado, mas porque as ideias que continha iam tão fortemente contra as correntes ascéticas para onde corriam as práticas e entendimentos cristãos do casamento e intercurso sexual? Talvez. Nunca saberemos com certeza. (“Jesus said to them, ‘My wife…“, penúltima página)
Aqui o passado parece falar ao presente, uma vez que o universo religioso hoje também debate questões relacionadas a casamento, gênero e sexualidade. E até mesmo a cultura popular reflete e promove esse debate. O Código Da Vinci causou polêmica em anos recentes ao falar de Jesus Cristo ter sido casado e deixado descendentes. Tal debate poderá ser reaceso com a tradução do novo papiro copta? A referência errada no Jornal Nacional já nos indica o potencial de excitar a imaginação de muitos.
Para os santos dos últimos dias, esse debate tem uma enorme relevância, dado o fato de que Joseph Smith foi um proponente da ideia de Cristo ser casado, além da história mórmon nos mostrar o papel mais ativo que mulheres já tiveram no passado, impondo as mãos sobre doentes ou falando em línguas. Será que a pesquisa acadêmica nos ajudará a apreciar melhor ensinamentos já varridos para baixo do tapete?
Não estou certo sobre as possíveis repercussões dessa recente descoberta no mundo mórmon. Ou mesmo para o cristianismo em geral. Talvez não haja nenhuma mudança de percepção. Afinal, há um grande vácuo entre o que transcorre no mundo acadêmico e o que se ensina nas igrejas. Mas torço para que pesquisas como a da Dra. King possam, ao menos, nos traçar um retrato ainda mais claro do rico e tumultuado cristianismo dos primeiros séculos.
Ademais, Leonel, ao contrário do que comentou, Cristo não estabeleceu o modelo de casamento descrito em Gênises, Ele incentivou o casamento (seja monogâmico ou poligâmico), tanto na teoria (ensinamentos) quanto na prática (exemplo)!!! Como citei em alguns comentários atrás, o Livro de Gênises fala também do casamento de Adão e Eva no Jardim do Éden, mas não cita que Eva era apenas uma de suas esposas…
Acredito que tanto Adão quanto Cristo viviam o casamento celestial!!!
O papiro mostra duas crenças que eram compartilhadas por (alguns) cristãos dos primeiros séculos – a de que Cristo era casado e a de que sua esposa (ou outra mulher mencionada no texto) tinha um status especial na igreja (o que não era óbvio para os demais discípulos e precisava ser explicado a eles pelo próprio Jesus).
Como o debate aqui nos comentários se voltou mais para a historicidade do casamento de Cristo e a crença mórmon original a esse respeito, gostaria de ouvir como os leitores lidam com a segunda crença evocada no papiro
Menos de dois milênios de cristianismo viram uma mudança no papel da mulher na igreja cristã. Menos de dois séculos de mormonismo também viram uma mudança enorme no papel da mulher na igreja sud.
“Que dizeis vós?”