Ordenação às Mulheres

mulheresCresce, aos poucos, na Igreja SUD uma conscientização coletiva de que mulheres SUD não vêm sendo tratadas ou consideradas com a mesma igualdade de respeito e oportunidade que os homens SUD. Tais reflexões não são novas ou originais, mas o que mais impressiona no presente momento é a penetração social desta ideia. Além de uma crescente mobilização entre mulheres SUD, parece haver uma recíproca preocupação entre a liderança (exclusivamente masculina) SUD.

Não obstante o progresso visto nos últimos anos, há mulheres na Igreja que finalmente estão reinvindicando equalidade total através de um (gigante) passo simbólico: ordenação de mulheres ao Sacerdócio.

Antecedentes

A proposição não é inédita. Na igreja Cristã no primeiro século E.C. era comum ver mulheres em posições de liderança eclesiástica. Junias, esposa de Andrônico, servia como Apóstola. Phoebe servia como Diácona na cidade de Cenchreae. Priscila, esposa de Áquila, era Missionária (συνεργός) com os demais Apóstolos e líder da uma congregação (o equivalente a “presidente de ramo”) na “Ásia” (Turquia). Entre outras mulheres que igualmente serviam como líderes de congregações estavam LídiaEvódia, Síntique, Ninfas, Cloé, e as 4 filhas de Felipe.

Mesmo na tradição Mórmon, há exemplos de ordenação de mulheres. Quando Joseph Smith decidiu incorporar a já organizada (independentemente por um grupo de mulheres) Sociedade de Socorro sob a direção da Igreja, prometeu que iria conferir “poder e autoridade e as chaves do Sacerdócio” à organização de mulheres. Infelizmente, essa abertura foi abortada quando Emma Smith tentou usar a Sociedade de Socorro para coibir os casamentos plurais secretos de Smith e a Sociedade foi desorganizada, até que Brigham Young a reorganizou anos depois. Sob a direção de Eliza Snow, uma das esposas plurais de Young, a organização de mulheres passou a gozar novamente de maiores liberdades, exercendo o seu Sacerdócio para curar, profetizar e realizar outras ordenanças, além de incentivar estudos e carreiras (e até o sufrágio) para mulheres. Infelizmente, essa abertura também foi abortada na virada do século XIX para o XX em concomitância com o fim gradual da poligamia e uma transição de um modelo patriarcal aberto (i.e., poligamia) para um mais velado (i.e., submissividade feminina). O uso do Sacerdócio feminino foi “desencorajado” e a Sociedade de Socorro perdeu sua independência financeira e editorial.

Outra igreja Mórmon, contudo, optou por encerrar esta forma de discriminação baseada em gênero e canonizou na Doutrina e Convênios uma revelação recebida em 1984 pelo bisneto de Joseph Smith, Wallace B. Smith. Desde 1985, mulheres na Comunidade de Cristo são ordenadas ao Sacerdócio normalmente, servindo em diversas posições de liderança, inclusive no Conselho dos Doze Apóstolos e na Primeira Presidência.

Com uma rica tradição de inclusividade às mulheres, tanto nos primórdios Cristãos, como na própria história Mórmon, por que a Igreja SUD insiste em segregar as mulheres para uma condição de status secundário? Esta é uma das perguntas levantadas por muitas mulheres SUD.

Atualidade

Dois artigos recentes no The New York Times descrevem tanto as mudanças recentes dentro da Igreja SUD como a militância de mulheres SUD para serem incluídas dentro da Igreja como “iguais”.

Nos útimos 18 meses, a Igreja reduziu a discrepância de idades entre homens e mulheres para serviço missionário (de 19 e 21 anos, respectivamente, para 18 e 19 anos) e passou a autorizar alguns cargos de lideranças para mulheres missionárias. Além disso, um membro da Primeira Presidência chegou a admitir que a Igreja havia errado no passado justamente enquanto mulheres SUD do movimento ‘Ordain Women’ (n.t., Ordene as Mulheres) tentavam entrar na Reunião do Sacerdócio da Conferência Geral (e protestavam sua exclusão).

Estes passos podem ser vistos como progresso inquestionável. Há duas décadas a Igreja caçava e excomungava mulheres que publicavam artigos acadêmicos sobre Mãe Celestial ou ordenação às mulheres. Hoje protestam e abrem petições online sem serem perseguidas. Há duas décadas, mulheres eram permitidas como missionárias, mas não encorajadas. Hoje são incentivadas a servirem, mais jovens até. Há duas décadas, mulheres eram incentivadas pelo Presidente da Igreja a não trabalharem e não terem carreiras e a serem donas-de-casa integralmente. Oras, há um ano uma mulher até ofereceu uma oração em plena Conferência Geral. A primeira em quase 200 anos. Pasmem! Certamente, houve muito progresso.

Mas não é suficiente ainda, dizem as irmãs da Igreja.

Estas destemidas irmãs da Igreja acreditam que ainda há muito sexismo na abordagem da educação sexual e moral das crianças e adolescentes SUD. Elas se opõe publicamente a uma Autoridade Geral que sobe ao púlpito em Conferência Geral para exortar as mulheres SUD a encontrarem seus propósitos de vida em serviços domésticos. Milhares delas, inclusive, solicitam medidas específicas e práticas às Autoridades Gerais para mitigarem a discrepância no tratamento entre mulheres e homens, como permitir que mulheres abençoem seus filhos, sirvam de testemunhas em ordenanças, possam se selar a seus segundos maridos (após divórcios ou viuvez), ou sejam incluídas nos conselhos de liderança em estacas e nos conselhos gerais.

No frigir dos ovos, tudo repousa na questão de tratar mulheres de maneira egalitária aos homens. Ordenando mulheres ao Sacerdócio, abrem-se as portas para que sirvam em posições de liderança administrativa e institucional. Com as perspectivas femininas sendo levadas em consideração em pé de igualdade com as perspectivas masculinas (que, atualmente, são as únicas), todos os dilemas e desafios vivenciados (e ignorados) por mulheres SUD poderão ser estudadas e consideradas com pertinência e relevância. As mulheres Apóstolas, as mulheres Setenta, as mulheres Bispas e Presidentes de Estaca terão conhecimento pessoal das entrevistas inapropriadas ou do foco exagerado e distorcido em vestimentas, e poderão levantar estas questões nos comitês relevantes. Ademais, a simples visão de mulheres no púlpito, ao leme, e em comando traria às crianças e meninas e adolescentes SUD lições incalculáveis sobre auto-estima feminina, a importância das mulheres na sociedade e na Igreja, e de tratar todas as pessoas, independente de gênero, como iguais perante Deus e os seres humanos.

Experiência Pessoal

Crescendo na Igreja, portando um pênis na Primária e o Sacerdócio na adolescência, eu nunca tinha me dado conta que houvesse diferenças no tratamento entre mulheres e homens. Como membro da classe privilegiada, eu simplesmente achava “natural” que houvesse tais diferenças e ignorava as (poucas) vozes que sugeriam o contrário.

Ela não pode ser considerada menos missionária do que qualquer menino de gravata!

Ela não pode ser considerada menos missionária do que qualquer menino de gravata!

Até a minha missão. Como missionário, eu tive a primeira experiência que me fez realmente considerar a posição feminina.

Na época eu estava servindo como líder de zona, e como tal, era responsável por todos os missionários no meu país. Com a distância da ca

sa da missão, a mim ficava delegado as decisões de autorizações de viagens. Uma das missionárias, Jenny Bartholomew, me ligou no Domingo à noite para passar as estatísticas da semana em sua cidade e aproveitou para me pedir permissão para uma viagem no seu dia de folga.

Eu respondi:

— Ok. Você acha que vocês conseguem voltar antes do anoitecer?

— Eu acho que sim. Mas pode ser que não consigamos.

— Certo. Eu me sentiria mais confortável se vocês fossem com os missionários, então.

— O QUÊ???

— Eu disse que eu me sentiria mais confortável se vocês fossem com os OUTROS missionários. Para segurança.

— Ah, tá! Eu vou falar com eles, então.

Eu adorava a Sister Bartholomew. Ela era muito esforçada, muito trabalhadora, muito mais inteligente que quase todos nós, e certamente a mais adulta da missão (e isso incluindo o Presidente da Missão e esposa). Algumas semanas antes, eu estava visitando a cidade delas, e ela me havia dito que se incomodava como os missionários (homens) tratavam as missionárias como “menos” missionários do que eles. Eu retruquei que achava isso um absurdo, que elas eram idênticas aos outros missionários, e que isso era apenas uma percepção exagerada dela. E ela deixou a conversa por ali.

Eu tenho certeza de que ela se lembrou daquela conversa quando eu cometi o meu ato-falho. Eu estava sendo perfeitamente sincero quando lhe havia dito que as considerava iguais — certamente, eu a considerava mais, pessoalmente, que qualquer outro missionário. Não obstante, eu devo ter ouvido essa distinção tantas vezes, por tantas pessoas (e, infelizmente, pelo Presidente de Missão), que ela se espreitou às minhas palavras de maneira inconsciente e inesperada.

“Eu me sentiria mais confortável se vocês fossem com os missionários.” Como se elas não fossem missionárias! Eu fiquei mortificado. Por semanas, morria de vergonha ao falar com ela, que, graciosamente, jamais tocou no assunto novamente. Contudo, jamais deixou de tocar a minha consciência.

Eu percebi, então, que mulheres na Igreja (e, infelizmente, não apenas na Igreja) passam por desafios que eu, como homem, não consigo nem enxergar direito simplesmente por não vivencia-los. Nós, homens, podemos tentar entender o que vivem as mulheres, mas nunca conseguiremos compreender adequadamente. Por isso, elas merecem ter a voz e a autoridade e o poder para expressar os seus anseios, os seus sonhos, os seus medos, e os seus desafios. E isso nunca ocorrerá enquanto houver homens que acreditam que podem falar (e legislar e profetizar) em seus lugares.

Conclusão

A estrutura social Mórmon em tôrno da Igreja SUD permanece fundamentalmente patriarcal e machista. Acreditar que é um problema que não nos compete solucionar, e que qualquer solução deve vir “de cima pra baixo” é uma postura imoral e preguiçosa. Acreditar que, por ser um problema prevalente em toda a sociedade autóctone seja aceitável que o seja dentro do Mormonismo é ofensivo à própria idéia de que a Igreja deva servir de liderança moral e ética ao Mundo. Parabéns às mulheres que tem a coragem moral de tentar mudar o mundo, e a fé, para que as inclua e as trate dignamente. A nós, homens, nos resta apenas apoiar estas mulheres de coragem.

 

Feminista?

 

17 comentários sobre “Ordenação às Mulheres

  1. Aqui na Comunidade de Cristo no Brasil temos uma Evangelista, que eh um chamado para ministrar bênçãos Patriarcais, e claro temos Patriarcas, mas hoje se usa evangelista por ser um termo que pode ser usado para se referir a homens e mulheres. Hoje temos Apóstolos mulheres, Setentas mulheres, Bispos mulheres, e uma conselheira na Primeira Presidência, e a igreja cresceu grandemente a partir das primeiras ordenações de mulheres na igreja. Ate mesmo o Livro de Mórmon tem sido mais lido e estudado por causa da participação feminina na liderança da igreja, tanto na universidade da igreja como em seus institutos e seminários a presença feminina tem feito maravilhas pelo evangelho restaurado.

  2. Quando tento entender os motivos pelos quais as mulheres não recebem o sacerdócio acabo ficando confuso, mas entendo perfeitamente que o sacerdócio deve ser ministrado por homens, principalmente para que não caiamos novamente na grande apostasia que imperou o mundo por milhares de anos. Sou solidário a ideia de que o sacerdócio deve ser ministrado por homens, para que não nos desencaminhemos novamente pela escuridão da eterna noite.

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