God Bless America

Deus preparava as nações para receber seu ensinamento, submetendo todas ao único imperador de Roma, e impedindo que o isolamento das nações devido à pluralidade das realezas não tornasse mais difícil aos apóstolos a execução da ordem de Cristo: Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos.” [1]

A citação acima é extraída de uma importante obra apologética do século III, chamada Contra Celso. Para seu autor, Orígenes, a ascensão de Augusto e o autoritarismo gerador da Pax Romana estavam nos planos de Deus, e serviam como preparação para que Cristo nascesse em um contexto de relativa paz.

Mesmo vivendo em uma época anterior à Virada Constantiniana, Orígenes já percebia a importância da estabilidade do Império Romano – cujos territórios estavam unidos por importantes portos e por uma grande rede de estradas, através dos quais cristãos e suas ideias puderam se espalhar com rapidez.

Se dermos um pulo na história e direcionarmos nossos olhares para o primeiro documento escrito da história do Brasil, vemos desde lá uma a associação feita pelos portugueses entre a terra recém-descoberta e a conversão ao cristianismo dos habitantes dela.

Pero Vaz de Caminha, após elogiar a fertilidade da Ilha de Vera Cruz, comenta sobre o que ele considerou mais promissor da terra: Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. [a]

Um século depois, terras mais ao norte seriam colonizadas por imigrantes europeus, muitos deles fugindo de perseguições religiosas que assolavam a Europa naquela época. Com forte apelo religioso, essas pessoas pareciam ver sua nova morada como um lugar sagrado. Uma interessante pregação da época ilustra bem esse sentimento:

Deus escolheu a América para que aqui se construísse a sede do paraíso terrestre, por isso, a causa da América será sempre justa e nada de mal jamais lhe será imputado. Os colonos são os verdadeiros herdeiros do povo eleito, pois prestavam a Santa Fé. Nossa missão é liderar os exércitos de luz em direção aos futuros milênios. (Pregações Puritanas, 1660) [b]

DESTINO MANIFESTO

Arte: Florêncio Batista.

Arte: Florêncio Batista.

Em 1845, ao comentar sobre a anexação do Texas aos EUA, o jornalista John O’Sullivan usou pela primeira vez a expressão que passou a designar o conjunto de crenças estadunidenses que justificavam e legitimavam a ocupação e anexação de territórios mais a oeste.

Segundo o jornalista, o DESTINO MANIFESTO dos Estados Unidos seria “estender-se sobre o continente que a PROVIDÊNCIA fixou para o livre desenvolvimento de … milhões de habitantes, que anos após anos se multiplicam.” [c]

Em outras palavras, o povo estadunidense, ao mesmo tempo em que era autossuficiente em relação aos europeus, tinha a MISSÃO DIVINA de expandir seu território e levar o progresso aos povos considerados inferiores.

Embora a expressão Destino Manifesto tenha sido cunhada somente século XIX, a crença de que a América é um lugar sagrado e os americanos são o povo eleito de Deus é bem mais antiga – conforme as pregações puritanas do século XVII que citamos mais acima.

Ao apresentar-se como uma espécie de nova Bíblia, identificar a América como uma Terra Prometida e ligar o Novo Mundo à História Sagrada, o Livro de Mórmon corroborava muitas crenças presentes no imaginário puritano da época: o que pode ser apontado como um dos motivos do sucesso que o livro alcançou.

O mormonismo, desse modo, procurou sintetizar expectativas e sentimentos de colonos ufanistas e mexer com o sonho utópico de muitos europeus, que adeririam com mais força à crença em uma terra sagrada de além-mar.

Os índios seriam descendentes de hebreus; sua cor de pele e estágio civilizatório, consequência de pecado. Apresentar Jesus e o Livro de Mórmon a eles era ensiná-los sobre seus antepassados, cumprir profecias contidas no livro.

Uma das primeiras empreitadas missionárias da jovem igreja foi direcionada aos nativos. Foi na tentativa de “elevar” os indígenas à condição de “brancos e deleitosos” que provavelmente surgiram as primeiras ideias de poligamia entre os mórmons.

Em uma época em que forças racionalistas começavam a olhar para episódios da Bíblia como metáforas, Joseph insistiu em um literalismo bíblico, trouxe à luz mais elementos fantásticos e sacralizou o tempo e espaço quando e onde viveu.

A Torre de Babel não apenas existiu, mas teve consequências para a colonização da América. Moisés e Elias não somente são reais como apareceram para o profeta mórmon.

Apesar de Abraão nunca ter saído do Oriente Médio, Jesus andou por aqui, e Adão era americano. Ao ensinar que o Jardim do Éden se localizava nos EUA e que a Nova Jerusalém também será por lá, Smith apresenta seu país como palco de eventos contidos desde o Gênesis ao Apocalipse. A teologia de Joseph fez de seus seguidores novos israelitas.

“Deus não criou este país para que fosse uma nação de seguidores. Os Estados Unidos não estão destinados a ser apenas um dos vários poderes globais em equilíbrio. Os Estados Unidos devem conduzir o mundo ou outros o farão.”Mitt Romney

Mitt Romney. Foto: Reuters.

Mitt Romney. Foto: Reuters.

A sacralização das terras americanas e a percepção de que os Pais Fundadores dos EUA foram preordenados por Deus para estabelecer uma nação que abençoaria o mundo com o evangelho estão por trás das críticas de Ezra Taft Benson dirigidas a historiadores que os “humanizam desordenadamente”. [d]

DOUTRINA MONROE, BIG STICK E PROTESTANTISMO DE MISSÃO

No ano em que Joseph Smith teve seu primeiro contato com o Anjo Morôni, o presidente James Monroe, em consonância com a ideia da autossuficiência americana em face dos colonizadores europeus, lançava sua doutrina, que pode ser condensada na expressão América para os americanos.

A Doutrina Monroe, como ficou conhecida, objetivava limitar a influência europeia no Novo Mundo enquanto procurava elevar os EUA à condição de líder no continente.

Na defesa de seus interesses, a truculência poderia ser usada; algo expresso no provérbio citado por Theodore Roosevelt em 1901: fale com suavidade e tenha à mão um grande porrete (Big Sitck) – você irá longe. [e] Os EUA interviam cada vez mais na América Latina, tanto por meio de envio de tropas quanto por empréstimos de dinheiro.

Embora o Brasil Colonial tenha sido alvo de tentativas de colonização por protestantes franceses e holandeses, foi somente após a Independência que o protestantismo efetivamente se estabeleceu em nosso país. Vieram, primeiramente, em um contexto migratório, quando alemães luteranos se estabeleceram no Sul e Sudeste.

É na segunda metade do século 19 que a influência americana na religiosidade brasileira se mostra mais presente, quando aqui se estabelece o que em Sociologia da Religião se chama Protestantismo de Missão – caracterizado pelos missionários estrangeiros, a maioria proveniente dos EUA.

Ao escrever sobre alguns missionários presbiterianos, batistas e metodistas daquela época, o jornalista e pastor protestante Elben M. Lenz César faz um comentário que muito lembra as percepções que se tem sobre os mórmons:

(…) confundiram EVANGELISMO com AMERICANISMO e pregaram as duas coisas ao mesmo tempo. Parte desses deslizes era inconsciente, devido ao nacionalismo exacerbado e à falta de preparo missiológico, sobretudo na área de ciências chamada antropologia missionária com o seu conceito de contextualização. (ênfase minha) [2]

Uma década antes de esses missionários americanos chegarem ao nosso país, os mórmons tentaram deslocar a sede da Igreja para fora dos Estados Unidos, mas terminaram por integrar o Exército Americano e por se estabelecer em um território que passaria a fazer parte da União.

Assim como os protestantes dos EUA, os mórmons também fizeram suas tentativas de levar sua religião aos povos da América do Sul na década de 1850, porém, não conseguiram estabelecer congregações por aqui. [f]

POLÍTICA DA BOA VIZINHANÇA

No período entre guerras, o expansionismo alemão em direção à América Latina – através  da propaganda nazista e relações financeiras –, a pressão dos países latino-americanos para que os EUA parassem de intervir em suas políticas internas e a depressão econômica alertaram os americanos sobre a necessidade de reverem o Big Stick.

Países estratégicos da América do Sul, incluindo o Brasil, apresentavam uma considerável presença de imigrantes alemães; o que constituía um perigo para o status quo – e tirava o sono dos americanos. Soma-se a isso o flerte que muitos governantes sul-americanos  tinham com as políticas fascistas.

À época, quem presidia a nação estadunidense era um primo de quinto grau de Theodore, Franklin D. Roosevelt. Este adotaria as propostas de Nelson Rockfeller, para quem  “a segurança da nação norte-americana dependia de uma estreita cooperação econômica e cultural com todos os governos da América Latina.” [g]

No afã de conter a deterioração de suas relações com as nações latino-americanas, os EUA, no plano político, passam a investir na venda de tecnologias para esses países. No campo cultural, houve uma injeção do american way of life.

O Brasil da Bellé Époque se americanizava. O modelo a ser seguido se deslocava da Europa para os EUA; a língua inglesa sucedia à francesa; saía de cena o champanhe para entrar a Coca- Cola.

O Pato Donald chegava ao nosso país e era recebido por Zé Carioca: personagem da Disney criado nesse contexto de solidariedade hemisférica da Boa Vizinhança. Juntamente com o papagaio preguiçoso e malandro brasileiro, o pato passeou pelo Rio, tomou uma cachaça e arriscou uns passos de samba – estilo musical que naquele momento de intenso nacionalismo adquiria status de símbolo da identidade nacional.

Vale ressaltar que até um período não muito anterior à II Guerra, não apenas o samba, mas muitos dos símbolos da brasilidade, como o futebol, não se enquadravam ainda nos ícones do que poderíamos chamar de identidade nacional. Nem mesmo o Português era a língua falada por todos os habitantes; exemplos disso eram as colônias alemãs onde o mormonismo chegou e arrebanhou seus primeiros conversos.

É nesse contexto da Política da Boa Vizinhança, na tentativa de arrefecer qualquer movimento formado por pessoas com lealdade política duvidosa, que o governo de Getúlio Vargas proibiu línguas estrangeiras em reuniões públicas – afetando diretamente o mormonismo brasileiro, que, à época, tinha o alemão como idioma.

MORMONISMO BRASILEIRO?

Findada a II Guerra, a preocupação maior dos EUA passava a ser a disputa pelos corações europeus antes que estes caíssem nas cantadas soviéticas. Surgiam a Doutrina Truman e o Plano Marshall. O comunismo se tornaria o inimigo número um dos americanos, o que refletiria demasiadamente nas retóricas católica, protestante e mórmon do período.

“E o que poderia ser mais americano do que A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, largamente conhecida por seus recém-escovados, ingênuos, missionários de dezenove anos de idade, nativos em sua maioria do Oeste americano?” — Daniel C. Peterson, apologista mórmon, sobre a percepção que muitos europeus têm sobre o mormonismo. [h]

Nas primeiras décadas após a Segunda Guerra, os sinais dos tempos mostravam a necessidade de apresentar ao mundo um mormonismo moderno, mais palatável e completamente inserido no American Way of Life.

Desde que Brigham Young, após a morte de Joseph Smith, deixou a barba crescer e assumiu publicamente a poligamia, esta passava a ser a imagem que se tinha de um mórmon: alguém do Oeste Americano, barbado e polígamo.

David Oman McKay (1873-1970)

David Oman McKay (1873-1970)

Na década de 50, a Igreja estava presente em vários países, e a poligamia era coisa que tinha ficado para trás. David O. Mckay rompia com uma sequência de profetas mórmons barbados. Tirar a barba, ajustando-se ao “look” americano do pós-guerra, era um símbolo do rompimento que se queria fazer com um passado de sectarismo, poligamia e ostracismo.

O protestantismo brasileiro, que, grosso modo, construiu sua identidade em oposição ao catolicismo, passava a desviar parte de sua demonização da Igreja Católica para o comunismo. Era como se o Anticristo abrisse uma sucursal do Vaticano em Moscou.

Líderes protestantes norte-americanos, como Carl MacIntire, visitavam o Brasil e faziam da propaganda anticomunista um dos temas centrais de suas pregações, contribuindo para que anos depois o Golpe Militar fosse, conforme bem escreveu o teólogo Leonildo Silveira Campos, acompanhado, desejado e apoiado retoricamente pelos protestantes brasileiros. [i]

Nas igrejas evangélicas, a mobilização foi feita dos púlpitos – com destaque para o dia 15 de novembro de 1963, quando o pastor batista Eneas Tognini convocou o dia nacional de oração e jejum para que Deus protegesse o Brasil do comunismo. Outro momento desses se deu em 21 de abril de 64; não mais para pedir, mas agradecer por Deus ter se manifestado através do Golpe.

Embora tenhamos poucos estudos sobre as percepções dos mórmons brasileiros do período que antecede ao evento de 64, o que sabemos sobre os discursos da liderança geral da Igreja Mórmon na época, aliado ao comportamento dos protestantes brasileiros sob forte influência americana, nos dá a suspeita de que os mórmons tupiniquins viram com bons olhos o golpe civil-militar.

No lado católico, de início, a coisa não foi tão diferente. Enquanto da parte evangélica se fazia as vigílias, setores da Igreja Católica apoiavam as Marchas das Famílias com Deus pela Liberdade. Assim como a confederação evangélica, a CNBB viu com bons olhos a saída de Jango. Aos olhares de muitos bispos católicos, a intervenção era necessária naquele contexto de ameaça inimiga. [j]

Porém, a democracia tardava, e os militares cada vez menos davam sinais de uma redemocratização. A Igreja Católica passava a se posicionar contra a ditadura, e os protestantes pela primeira vez em sua história se sentiam mais próximos ao governo. Há vários relatos sobre pastores que entregavam suas ovelhas rebeldes ao DOI-CODI. [k]

Os mórmons estabeleciam suas primeiras estacas, espalhavam-se pelo país, e levavam sua mistura de evangelismo e americanismo. Em uma época marcada pela bipolarização ideológica, com os EUA jogando pesado para manter sua zona de influência, os missionários mórmons eram frequentemente confundidos com espiões.

As crenças e práticas mórmons traziam impacto a vários aspectos da cultura brasileira. Assim como para os primeiros missionários protestantes – conforme comentamos na primeira parte deste artigo – sempre foi muito difícil separar a evangelização da americanização.

Não significa que as práticas mórmons sejam todas elas comuns aos americanos, porém, há de se reconhecer que abraçar o mormonismo distancia os brasileiros de certos elementos de sua cultura.

CAFÉ E CHIMARRÃO

Aos mórmons não é permitido ingerir a bebida mais tradicional do nosso país. Se do ponto de vista da saúde, não há grandes vantagens na não ingestão de café, no que tange à identidade religiosa, essa proibição tem bastante significado para os brasileiros.

Lembro-me da infância e adolescência, quando ao visitar a casa de amigos, conversas e brincadeiras por diversas vezes me envolviam em uma atmosfera alheia aos padrões a mim ensinados pela tradição religiosa a que pertencia. Porém, sempre nas pausas para o lanche quando o café me era oferecido, vinha a lembrança de meu lado religioso – gatilho para a volta a um comportamento mais mórmon.

Tão forte é essa bebida na cultura brasileira, que a primeira refeição do dia é chamada café da manhã. O fato de os mórmons não tomarem café tem criado certo grau de etnicidade: já descobri a existência de outros mórmons em ambientes que frequentava simplesmente pelo fato de, assim como eu, eles também não beberem café.

Tendo servido como missionário no Rio Grande do Sul, ouvi vários relatos de membros mais antigos sobre como mórmons americanos e de outras partes do Brasil quiseram enquadrar o chimarrão na lista negra da Palavra de Sabedoria.

DEBUTANTES

Na nossa tradição, influenciada pelos europeus, é com quinze anos que a jovem tem a famosa festa de debutante – rito que marca uma nova fase na vida da moça. Nos EUA, um rito equivalente se dá aos 16, o sweet sixteen.

Por coincidência ou não, aos jovens mórmons, atualmente, é permitido namorar somente após os dezesseis – o que faz perder a importância cultural da idade de 15 anos. Muitas famílias, pelo que tenho observado, optam por um maior glamour na festa de dezesseis. Afinal, a magia, conforme a canção SUD, não está nos quinze:

Para tudo há um tempo e uma estação/ Não corra, espere/ O tempo para crescer/ Esperar não é fácil, mas aprendi que é esperto por certo/ Logo chegará vai ver.

Dezesseis a magia no ar/ tempo de começar, tempo de namorar/ Se assim quiser, assim fizer/Dezesseis a magia no ar/ Divertido vai ser não precisa temer/ Mas cuidado, não vai esquecer/ tenha a seu lado sempre alguém que ao lado do Pai anda também (…)

NOVELA

Os discursos nos quais apóstolos mórmons comentam negativamente sobre as soap operas têm contribuído para que a liderança SUD local demonize um dos mais tradicionais divertimentos dos brasileiros, as telenovelas. [l]

Sucesso na TV brasileira desde os anos 50, as novelas são os programas televisivos mais assistidos por nossos conterrâneos, independentemente de idade e sexo. [m]

Assisti a uma reunião em que um setenta, ao criticar as novelas, apontava para o que considerava ser uma nova estratégia de Satanás para atacar as famílias. Segundo ele, além das novelas para adultos e adolescentes, Satã inspirara a criação de novelas de crianças – era o auge das Chiquititas.

Quase sempre, ao criticar as novelas por sua sensualidade e mau exemplo, indicavam que a leitura das escrituras seria uma boa alternativa para a ocupação dos membros naqueles horários.

Essas pessoas provavelmente pouco tivessem pensado que a leitura sugerida – nas quais são narrados incestos, profetas que mandam matar crianças e abandonar filhos, uso de escravos para fins sexuais e detalhes da astúcia de uma prostituta – talvez não sejam tão superiores moralmente às novelas que tanto condenam.

SOTAQUE, TREJEITOS E EXPRESSÕES

Não importa tanto se um padre católico estudou no seminário de Baturité, no Ceará, ou se fez teologia em Lombardia: é provável que ele apresente uma fala mansa e um sotaque meio italiano nos seus sermões (se bem que atualmente vários padres têm optado por uma quase imitação da pregação pentecostal). Saber imitar os trejeitos e a entonação de Edir Macedo parece ser condição sine qua non para ascensão dos clérigos da Universal.

Já entre os missionários mórmons, o sotaque americano é marca registrada, não fazendo muita diferença se o missionário é de Idaho ou de Alagoas.

No mormonês, são usadas várias palavras americanas, como garments, endowments, trunk etc. Quanto ao título da plaqueta dos missionários, suponho que o estrangeirismo seja mais gritante no caso das missionárias, afinal, qualquer brasileiro sabe traduzir o termo sister.

CHIQUINHO NÃO! AGORA, É BISPO SILVA

Foi a bronca que uma senhora da Igreja me deu quando eu pedi notícias de meu amigo Francisco. Assim como nos EUA, os líderes mórmons são chamados pelo sobrenome: algo alheio à cultura brasileira, e comum aos americanos. Já ouviram falar no Presidente Barack ou na Presidenta Rousseff?

CARNAVAL

De origem pagã, o carnaval, que posteriormente foi incorporado ao calendário cristão, se consagrou como a maior festa popular do Brasil.

Por seu caráter lúdico e festivo, marcado por uma boa dose de sensualidade, o carnaval sempre foi visto com desconfiança pela maioria dos evangélicos. Muitos destes, em sua rejeição do mundo e das coisas que ele oferece, não apenas condenavam o carnaval, mas quaisquer manifestações festivas, incluindo o futebol.

Felizmente, o caráter ascético do mormonismo não chegou a condenar os súditos de Pelé; os do rei momo, contudo, frequentemente são alvos de crítica: no período do carnaval – como parte do calendário mórmon brasileiro, assim como de outros grupos religiosos – os jovens são intimados a fazer um retiro espiritual, a fugir da festividade que toma conta de seu país.

Embora eu não tenha ouvido, pelo que lembro, sobre nenhum baile da Igreja que remontasse às tradições do carnaval, já estive em vários Halloweens promovidos por alas e estacas. [n] [o] [p]

RACISMO

Em oposição às teorias raciais em voga até as primeiras décadas do sec. XX, intelectuais do Brasil, como Gilberto Freyre, passavam a celebrar a miscigenação, popularizando a ideia da existência de uma Democracia Racial. O mulato se tornava símbolo da brasilidade, embora inzoneiro, na canção de Ary Barroso.

Se no Brasil, apesar dos pesares, havia certo orgulho da harmonia entre as diferentes etnias que aqui conviviam, o mesmo não poderia ser dito dos EUA. A engraçadíssima cena do julgamento de João Grilo, de um padre e de outros personagens do Auto da Compadecida ilustra bem essa percepção. [3]

Na peça teatral, Jesus, para surpresa de todos, aparece na forma de uma pessoa negra. O único personagem que verbaliza o espanto é João Grilo. Este, ao ser acusado de racismo por Jesus, responde com uma pergunta: Você pensa que eu sou americano para ter preconceito de raça?

O padre se mete na conversa, afirmando que nunca tivera um comportamento preconceituoso; mas o Encourado o acusa de só batizar “os meninos pretos depois dos brancos” e que nas poucas vezes em que isso não aconteceu foi porque “os pretos eram ricos”.

A obra de Ariano Suassuna, escrita na década de 50, nos mostra a existência de racismo no país da Democracia Racial – e como este preconceito pode ser amenizado em relação aos negros com boas condições financeiras. Além de revelar a existência do racismo, a cena também nos mostra como o termo racista soava mal aos ouvidos dos brasileiros: preconceito de raça seria coisa de americano.

Ao chegar ao nosso país, os missionários americanos SUD trouxeram na bagagem teorias racistas canonizadas e as procuraram incutir em um povo que se orgulhava de supostamente ter se desvencilhado desse preconceito: muitos compraram a doutrina racial dos mórmons. À época da Declaração Oficial 2, havia um templo em construção em São Paulo.

DOIS SAMBINHAS PARA CONCLUIR

Ainda no tempo da Good Neighbor Policy, uma interessante canção de Assis Valente foi dispensada por Carmem Miranda – musa da Política da Boa Vizinhança. Sucesso com os Anjos do Inferno, Brasil Pandeiro posteriormente elencaria o impecável álbum Acabou Chorare, dos Novos Baianos. Estes procurariam manter a chama do Tropicalismo, movimento que a despeito da importação de elementos estrangeiros não abria mão das boas coisas daqui:

Eis um trecho de Brasil Pandeiro:

“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor (…)Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar. O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada; anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato (…)Na Casa Branca já dançou a batucada de ioiô, iaiá. Brasil, esquentai vossos pandeiros, Iluminai os terreiros que nós queremos sambar.”

Talvez seja uma alerta para que mórmons brasileiros não caiam da condição expressa em outro samba, este já famoso aqui no Vozes Mórmons:

O patrão mandou cantar com a língua enrolada. Everybody macacada. Everybody macacada (…) E ainda mandou tirar nosso samba da parada. Everybody macacada. Everybody macacada (…) No fim das contas o patrão manda e desmanda e ainda faz do Rei Pelé mais um garoto-propaganda

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[1] ORÍGENES. Contra Celso. São Paulo, Paulus, 2004. p.153-154

[2] CÉSAR, Elben M. Lenz. História da evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecostais. Ultimato Editora, 2000. p. 78

[3] SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 36. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira Participações S.A., 2014. p. 128-129

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