Respondendo ao recente atentado terrorista deste sábado (12), quando um neonazista intencionalmente atropelou 19 manifestantes pacíficos, matando uma jovem de 32 anos, protestando contra a marcha de neonazistas na pequena cidade universitária de Charlottesville, Virgínia, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias emitiu nota oficial condenando “racismo” e “intolerância”.

Neonazistas e Nacionalistas Brancos marcham pela cidade de Charlottesville, Virgina
Não obstante, para o regozijo de muitos simpatizantes deste movimento fascista norteamericano moderno, entre eles próprios membros da Igreja, ela restringiu-se a comentários genéricos e brandos, evitando direta condenação de neonazistas ou os chamados “nacionalistas brancos”.
O Que São “Nacionalistas Brancos”?
Nacionalismo branco é a filosofia política que postula que pessoas brancas pertencem à uma raça distinta e que, por si só, formam uma identidade nacional única. Usualmente nacionalistas brancos creem que a raça branca seja superior às demais raças ou etnias ou culturas humanas e, portanto, lutam por uma hegemonia nacional e uma posição de superioridade legal dentro do Estado-nação sobre demais raças ou etnias. Frequentemente, tais lutas envolvem proibir, criminalizar, ou coibir imigração, miscigenação, multiculturalismo, e baixas taxas de natalidade. Alguns termos comuns sinônimos para tal filosofia são “orgulho branco”, “supremacia branca”, “realismo racial” e “alt-right” (i.e., inglês para “direita alternativa“).
O Protesto em Charlottesville
O evento “Unir a Direita” reuniu centenas de homens e mulheres, “carregando tochas, fazendo saudações nazistas e gritando palavras de ordem contra negros, imigrantes, homossexuais e judeus” na sexta-feira (11) e no sábado (12), fora planejado pelos “principais líderes de grupos associados à extrema direita no país”, para protestar a remoção de estátuas públicas honrando líderes militares da rebelião sulista durante a Guerra Civil Americana (1861-1865).
O conflito armado que ceifou quase 3% de toda população nacional (traduzir-se-ia em mais de 5 milhões de brasileiros mortos mantendo-se as proporções atuais) foi ocasionado pela secessão dos estados do sul americano para impedir a abolição da escravidão negra. Quando o sul perdeu a guerra, e foi obrigado a reintegrar-se ao país e a libertar seus escravos negros, líderes políticos e religiosos comandaram décadas de leis raciais para oprimir e segregar os negros da sociedade branca. Além da violência física, psicológica, e jurídica, parte dessa opressão incluíra homenagens a militares rebeldes que lutaram pela independência, e pela escravidão. As estátuas foram sendo erguidos durante as décadas como símbolo de opressão negra e supremacia branca após a abolição de escravatura, mais frequentemente em períodos de tensão racial e de lutas por direitos civis. O ícone mais popular dessa opressão racial tornou-se a chamada “bandeira de batalha confederada”, que pode ser vista tremulando no protesto lado a lado com a bandeira nazista do Terceiro Reich (vide acima).
O Contra-protesto em Charlottesville
Desde a campanha eleitoral, e principalmente desde a eleição, de Donald Trump, com enorme apoio mórmon, a mobilização desses grupos racistas vêm crescendo e se proliferando. Em resposta, vários grupos se organizaram para protestar a xenofobia, o racismo, e o preconceito pregado pelos “alt-right”, pelos neonazistas, e pelos nacionalistas brancos. Grupos como os “antifas” (i.e. inglês para “antifascistas”) se inspiraram no crescente movimento negro “Black Lives Matter” (i.e., inglês para “Vidas Negras Importam”), que protesta o desproporcionalmente frequente assassinato de suspeitos (e inocentes) negros por policiais norte-americanos, para se contrapor à mensagem de ódio racial dos neonazistas e parceiros.
“Os participantes do protesto desta sexta-feira carregavam bandeiras dos Confederados e gritavam palavras de ordem como: “Vocês não vão nos substituir”, em referência a imigrantes; “Vidas Brancas Importam”, em contraposição ao movimento negro Black Lives Matter; e “Morte aos Antifas”, abreviação de “antifascistas”, como são conhecidos grupos que se opõem a protestos neonazistas.
Estudantes negros do campus da Universidade da Virginia, onde ocorreu a marcha, e jovens que se apresentavam como antifascistas tentaram fazer uma “parede-humana” para impedir a chegada dos manifestantes à parada final do marcha, uma estátua do terceiro presidente americano, Thomas Jefferson.”
Os anti-protestantes chamaram muita atenção dos protestantes, que responderam com violência em ambos os dias, e apesar de em números muito menores, defenderam-se formando bolsões desorganizados de conflito. No sábado, um dos manifestantes neonazistas decidiu dirigir sua SUV direto sobre a massa de anti-protestantes, ferindo 19 e matando uma mulher. Antes mesmo desse ato terrorista contra anti-nazistas, a violência havia partido predominantemente dos neonazistas e aliados. Veja a esclada de violência neste vídeo:
Nazistas em Virginia
Repórteres não tiveram quaisquer dificuldades para determinar a ideologia extremista e ódio racial dos protestantes:
“Sim, eu sou nazista, eu sou nazista, sim”, afirmou um homem, em frente à reportagem, durante uma discussão com um dos membros do grupo opositor.
(…)
A BBC Brasil conversou com um pai e uma mãe que levaram a filha de 14 anos ao protesto. “Eu aprendi com meu pai que precisamos defender a raça branca e hoje estou passando este ensinamento para a minha filha”, afirmou o pai.
“Se não fizermos algo, seremos expulsos do nosso próprio país”, disse a mãe. A conversa foi interrompida por um homem forte e careca. “Vocês estão falando com um estrangeiro. Olha o sotaque dele!”, afirmou, rindo, em referência ao repórter.
A família se afastou e se juntou ao coro, que cantava “Judeus não vão nos substituir”. Os três seguravam tochas.
Outro homem afirmou que estava ali porque “têm o direito de se expressar”.
“Gays, negros, imigrantes imundos, todos eles se manifestam e recebem apoio por isso. Porque quando homens brancos decidem gritar por seus direitos e sua sobrevivência vocês fazem esse escândalo?”, questionou o homem a um grupo de jornalistas.
Perto dali, sozinho, um rapaz jovem estendia a mão e fazia uma saudação nazista, enquanto era fotografado por fotojornalistas e gritava “Vocês não vão nos substituir”.”
Alguns dias antes do evento em si, psicólogos da Universidade de Cornell haviam publicado um estudo com voluntários do “alt-right” demonstrando níveis exagerados de racismo, preconceito, ideação violenta, e desumanização de “outros”.
Donald Trump Responde
Eleito Presidente dos Estados Unidos da América em novembro de 2016 com entusiástico apoio dos supremacistas brancos e da Ku Klux Klan, Donald Trump
imediatamente condenou ambos os lados (“muitos lados”) pela violência e intolerância, explicitamente recusando-se a condenar qualquer grupo diretamente, criando uma sensação de falsa equivalência que gerou enorme celebração entre os nacionalistas brancos e neonazistas que lançaram mão de seu discurso como sinal de apoio, mesmo que velado, à sua causa.
A resposta negativa à sua ambígua e tépida postura vindo de seu próprio partido político, o Partido Republicano, e de influentes membros de seu gabinete e executivos de multinacionais, obrigou-o a reconsiderar sua posição e em 48 horas Trump condenou neonazistas e nacionalistas brancos em discurso lido. Não obstante, no dia seguinte ele reverteu sua posição novamente, condenando os protestantes anti-fascistas igualmente, igualando os racistas com os que protestam contra o racismo.
A Igreja Mórmon Responde
O departamento de relações públicas da Igreja SUD emitiu nota oficial em resposta aos eventos de Charlottesville no domingo (13):
“É com grande tristeza e profunda preocupação que vemos a violência, o conflito e a tragédia nos últimos dias em Charlottesville, Virgínia. As pessoas de qualquer fé, ou de nenhuma fé, devem se incomodar com o aumento da intolerância em ambas as palavras e ações que vemos em todos os lugares.
Mais de uma década atrás, o falecido Presidente da Igreja, Gordon B. Hinckley (1910-2008) abordou o tema do racismo ao falar com membros d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Ele ensinou poderosa e claramente este princípio: “Nenhum homem que faz comentários depreciativos sobre os de outra raça pode considerar-se um verdadeiro discípulo de Cristo. Também não pode se considerar estar em harmonia com os ensinamentos da Igreja de Cristo”. Para os membros da Igreja, reafirmamos esse ensinamento hoje e a admoestação do Salvador para amar nosso próximo.
Nossas orações estão com aqueles que sofrem por causa dessa intolerância e ódio. Rezamos pela paz e pela compreensão. Acima de tudo, oramos para que possamos nos tratar uns aos outros com maior gentileza, compaixão e bondade.”
Mórmons Neonazistas Respondem
A nota oficial da Igreja, apesar de louvável pela sua explícita condenação ao racismo, de maneira irônica e frustrante, ignorando o seu rico passado e tumultuado presente de racismo institucional [ver exemplos aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui], fora ambígua o suficiente para permitir júbilo entre os membros da Igreja que concordam com, e apoiam, os neonazistas e que acreditam que os anti-protestantes é que são os culpados de racismo e intolerância contra os brancos. Notadamente, a Igreja em nenhum momento condenou movimentos neonazistas, nacionalistas brancos, ou supremacistas brancos, ou sequer deixou explícito que o “racismo” ao qual condena parte da maioria e classe dominante (i.e., branca).
O exemplo mais notório disso é a membro da Igreja SUD Ayla Stewart, famosa por seus canais de blog e vídeo dedicados à supremacia branca e ao nacionalismo branco dirigidos a um público mórmon. Com mais de 30 mil seguidores, Stewart é considerada uma influenciadora entre os neonazistas e afins e comanda de sua pacata cidade de Ivins, Utah (nomeada em homenagem a Anthony Woodward Ivins, Apóstolo entre 1907-1921 e membro da Primeira Presidência entre 1921-1934 da Igreja SUD) tamanha atenção a ter sido convidada a discursar em Charlottesville.
Stewart comemorou a nota oficial da Igreja com uma postagem que não apenas demonstra como ela crê que a Igreja não apenas não condena o nacionalismo branco, como o incentiva, e como esta nota oficial lhe reforça tal crença:
“Os ensinamentos da Igreja SUD são claros, não se pode ser anti-branco e um seguidor de Cristo.
Somos todos filhos de Deus, brancos tem direitos iguais para amar o seu próprio povo e apoiar sua herança tanto quanto qualquer outra raça que Deus criou.
A igreja deveria usar linguajar mais forte que isso[,] contudo[,] já que os [antifascistas] e os vidas negras importam aumentam sua violência e ataques país afora[,] e já que muitos membros da igreja pregam e praticam essas ideologias marxistas[,] que estão em direta contradição com o evangelho.”

Stewart é conhecida por frequentemente lançar mão de escrituras mórmons e ensinamentos de profetas e apóstolos para defender sua mensagem de racismo e intolerância racial e multiétnica:
“Diferente dos católicos e protestantes, mórmons tem escrituras adicionais que deixam muito claro a questão de como as raças são diferentes”
E, como era de se esperar, Stewart havia celebrado o evento postando uma foto do protesto de Charlottesville (na qual neonazistas utilizaram “tochas de tiki” para simular tochas reais utilizadas em linchamentos de negros pela KKK – o que gerou a imediata e pública repudia dos fabricantes das tochas) seguido de uma escritura com o hashtag “Unite the Right” (i.e., inglês para “unir a direita”):

Postagem celebratória de Ayla Stewart comemorando o evento neonazista, dizendo: “‘Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus.’ (Mateus 5:14-16 [sic]) #UnirADireita”
Assista como as respostas tépidas e ambíguas de Donald Trump, e da Igreja SUD, incentiva racistas como os supremacistas brancos e neonazistas (em inglês, com legendas em inglês apenas):
Assista uma entrevista com a mórmon e ativista da supremacia branca Ayla Stewart:
https://www.youtube.com/watch?v=s_BLObiLDIw
O mais chocante é ver gente defendendo a igreja de todo jeito, fechando os olhos para a realidade. Basta ver como é uma igreja super nacionalista (na prática uma adoração aos EUA); já era de se esperar que praticasse racismo, velado ou explícito.