Primórdios da Segregaçāo Racial Mórmon: 3 Leituras Essenciais

Em 08 de junho de 1978, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias revertia suas políticas raciais que impediam o acesso de homens e mulheres negros a rituais do templo, proibiam a ordenação de homens negros ao sacerdócio, e condenavam o casamento entre brancos e negros.

Spencer W. Kimball, então presidente da denominação, em seu papel como profeta, dava fim às restrições racialistas iniciadas por Brigham Young 126 anos antes. A decisão de Kimball se provaria fundamental para o crescimento mórmon no Brasil e outros países onde a miscigenação e as percepções de raça já desafiavam a discriminação requerida pela sede da Igreja.

Este tema tem merecido a atenção de diversos historiadores, os quais seguem trazendo novas perspectivas e fatos à tona. Aqui destacamos três leituras publicadas no site Vozes Mórmons para entender as origens da segregação racial no mormonismo, mostrando como Joseph Smith e Brigham Young trataram o tema.

1. Joseph Smith: A Visão do Profeta Sobre Abolição, 1836

Em abril de 1836, Joseph Smith redigiu uma carta ao editor do periódico Latter Day Saints’ Messenger and Advocate, Oliver Cowdery. Nela, Smith argumentou justificativas para a escravidão africana, baseando-se em preceitos bíblicos. Embora não trate do status de conversos negros dentro do movimento de Smith, nem constitua uma abordagem do tema do sacerdócio, a carta traz o contexto para a futura segregação racial do sacerdócio mórmon iniciada por Brigham Young.

Em 1831, Joseph Smith havia enviado membros para colonizar o Condado de Jackson, no estado escravocrata do Missouri. Os colonizadores mórmons, porém, entraram em repetidos conflitos com os seus novos vizinhos por, entre outras coisas, a suspeita de que mórmons fossem abolicionistas.

Relocar e segregar populações inteiras eram meios que a democracia americana tinha de lidar com grupos minoritários e indesejáveis. Não seria diferente com os santos dos últimos dias, com a migração forçada dos colonos mórmons do Condado de Jackson para um condado criado especificamente para protegê-los em Caldwell.

Os conflitos no Missouri influenciaram Smith a ver a necessidade de publicar uma declaração inequívoca sobre a instituição da escravidão africana e o movimento abolicionista.

Na carta ao periódico, Joseph Smith nega o abolicionismo e utiliza escrituras do Novo Testamento para que escravos obedeçam a seus senhores.

2. Visões do General Smith Sobre o Governo e a Política dos Estados Unidos, 1844

“Rompa os grilhões do pobre homem negro, e contrate-o para trabalhar como outros seres humanos; pois ‘uma hora de liberdade virtuosa na terra, vale mais do que toda uma eternidade de escravidão!'”, clamava a plataforma presidencial de Joseph Smith, publicada por John Taylor em Nauvoo. A cidade que serviu de solo para o florescimento dos rituais do templo e da poligamia também presenciava uma reviravolta na percepção de Smith acerca da escravidão.

Smith, que apoiara a escravidão até 1838-1839, passou os primeiros meses de 1842 lendo literatura abolicionista, e passou a opor-se à escravidão desde então.

Em 1842, Smith começou a ler cartas abolicionistas entre seu novo amigo e membro da Primeira Presidência John C. Bennett e o famoso abolicionista de Chicago, Charles Volney Dyer, enquanto Bennett introduzia Smith à política predominantemente abolicionista de Illinois , onde agora viviam os SUD. Os argumentos de Dyer tiveram um forte impacto em Smith.

“À medida que sua compreensão da discriminação religiosa aumenta, ele assume uma posição cada vez mais forte contra a escravidão”, opina o historiador Spencer McBride.

É possível especular que o documentado ódio que Smith nutria pelos escravocratas de Missouri (por causa de Guerra Civil Mórmon de 1838) o tenha influenciado contra a instituição da escravidão negra — e os seus comentários sobre os argumentos de Dyer sugerem isso. Também é possível especular que houve um certo grau de oportunismo político de Smith entre 1842 e 1844, visto que a política de Illinois nesse período era predominantemente abolicionista — assim como era palpável a crescente força do movimento nos estados do Norte.

3. Discurso do governador Brigham Young ao legislativo, 1852

Embora não se saiba exatamente quando ou como Brigham Young concebeu sua teologia racial acerca dos negros, o primeiro anúncio público de restrições raciais na doutrina mórmon foi feito por ele perante o legislativo territorial de Utah, em 1852.

Nesta importante fonte primária, o líder do mais numeroso agrupamento de santos dos últimos dias após o assassinato de Joseph Smith, afirmava que os negros africanos eram descendentes do personagem bíblico Caim e, portanto, “um homem que tem o sangue africano nele não pode portar nem um jota nem til do sacerdócio”. Características físicas seriam a marca visível da maldição herdada do primeiro homicida.

Para Young, negros poderiam ser protegidos pelo restante da posteridade de Adão ao ser tomados como escravos. Ele ainda fala sobre a necessidade de pessoas de origem africana serem batizadas e receberem o dom do Espírito Santo, mas não faz menção alguma ao status de homens negros que já haviam sido ordenados a ofícios no sacerdócio da Igreja.

Utilizando uma retórica violenta, o apóstolo e governador territorial afirmava que o casamento entre pessoas brancas e negras constituia uma transgressão, exigindo o derramamento de sangue como forma de expiar pelo pecado.

Young explicava que os descendentes de Caim apenas teriam direito ao sacerdócio depois que todos os descendentes de Abel o recebessem. Caso a Igreja tomasse a decisão antes do momento divinamente apontado, “o sacerdócio será retirado desta Igreja”, afirmava.

Ao leitor mórmon contemporâneo, é importante notar que o conceito de neutralidade na guerra dos céus, o qual será usado na Igreja SUD no século 20 e amalgamado ao conceito da linhagem de Caim, não faz parte da retórica de Brigham Young.

Leia o discurso de Brigham Young aqui.

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