Historiadora Lança Novo Livro Sobre Poligamia Mórmon

Por que mulheres mórmons no século 19 aceitavam e defendiam a prática da poligamia, tida pela sociedade ocidental como uma perversão? Como essa sujeição se harmonizava com suas ideais de sufrágio universal e autonomia feminina?

Essas são algumas das questões abordadas pela historidora Laurel Thatcher Ulrich em seu novo livro, A House Full of Females: Plural Marriage and Women’s Rights in Early Mormonism, 1835-1870 (Uma Casa Cheia de Mulheres: Casamento Plural e Direitos das Mulheres nos Primórdios do Mormonismo, 1835-1870).

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Laurel Thatcher Ulrich examina uma colcha antiga. Foto: Erik Jacobs | Universidade de Utah

O título Uma Casa Cheia de Mulheres faz referência a uma entrada do diário de Wilford Woodruff, durante uma visita à Igreja, quando ele vê a Sociedade de Socorro local, presidida por sua esposa, costurando e fazendo colchas. A observação chamou a atenção da autora por sugerir o contraste entre a submissão das mulheres à ordem patriarcal e o ativismo feminino mórmon. Em 1870, Utah foi o segundo estado americano a garantir o direito de voto das mulheres, meio século antes do voto feminino ser garantido por uma emenda constitucional.

Laurel Thatcher Ulrich, 78 anos, é professora da Universidade de Harvard, especializada em História Americana e História da Mulher. Laurel Thatcher Ulrich já foi presidente da Associação de História Mórmon e da Associação Histórica Americana. Em 1991, recebeu o Prêmio Pulitzer por sua obra A Midwife’s Tale: The Life of Martha Ballard, Based on Her Diary, 1785-1812 (A Estória de Uma Parteira: A Vida de Martha Ballard, Baseada em Seu Diário, 1785-1812). Ulrich é a autora da famosa frase (erroneamente atribuída a diversas celebridades) “mulheres bem-comportadas raramente fazem história”. 

Almejando um público nacional mais amplo, além dos estudos mórmons, o novo livro é baseado inteiramente em registros cotidianos (diários, cartas, bilhetes, atas, objetos, etc.), evitando memórias e interpretações escritas anos ou décadas após o ocorrido.

O primeiro capítulo, por exemplo, traz as memórias de Wilford Woodruff retornando de missão para Kirtland. O então solteiro de 30 anos encontra uma mulher da sua idade, também solteira, Phoebe W. Carter, com quem se casaria. Phoebe seria a primeira de oito mulheres desposadas por Woodruff. Ulrich analisa através das cartas de Phoebe ao marido como a definição de casamento seria ampliada entre mórmons.

Confira alguns trechos da entrevista concedida por Laurel Thatcher Ulrich à NPR.

Voto para mulheres

Mórmons apoiaram o sufrágio para as mulheres, penso eu, como uma maneira de acusar o blefe de antagonistas do século 19, que afirmavam que mulheres eram subordinadas no mormonismo. E isso – de certa forma, um escritor do New York Times disse, “bem, vamos dar a elas o voto, e então elas podem, você sabe, eliminar a poligamia”. Bem, os Mórmons achavam que era uma idéia bastante brilhante. Algumas pessoas imaginaram “os homens só vieram com essa idéia como uma espécie de movimento político”. Mas o que sabemos agora, através de uma pesquisa muito cuidadosa nas minutas das reuniões de mulheres, é que elas pediram.

Esposas irmãs

Uma das minhas [estórias] favoritas é de um homem cuja primeira esposa tinha morrido, e ele estava cortejando uma nova esposa em potencial. E ela disse, “sim, eu vou me casar com você se você casar com a minha irmã também” – isso parece muito, muito estranho para nós. Mas a idéia de que eles não iriam se separar de uma irmã amada era aparentemente atraente para essa mulher.

Sexualidade

Diaristas do século 19 não falam sobre sexo. […]

Então, para entender a sexualidade no século 19, você tem que olhar para outros lugares, olhar para as consequências – quando bebês nasceram, quantos bebês havia, e também olhar o tipo de literatura de aconselhamento que liam, não necessariamente publicada por mórmons, mas por alguns escritores muito conservadores no século 19.

E sermões – sermões às vezes podiam ser bem explícitos. Portanto, a idéia do século 19 de que as relações sexuais durante a gravidez e a lactação era algo perigoso provavelmente afetou muitos desses relacionamentos. Abster-se de sexo durante a gravidez de uma esposa e durante o período em que estava amamentando uma criança colocava um certo tipo de pressão sobre um homem, talvez, para procurar outra esposa. Acho que alguns homens procuraram novas esposas quando sua primeira esposa estava grávida. Também é certamente possível… quero dizer, há vários diferentes tipos de seres humanos no século 19, como hoje. Algumas mulheres preferem não se envolver em relações sexuais.

Fiquei realmente perplexa, por exemplo, sobre o número de mulheres sem filhos ou mulheres com apenas uma criança que viveram felizes juntos em uma comunidade de mulheres, às vezes na mesma casa ajudando uns aos outros para criar seus filhos. E eu acho que é bem possível que sua intimidade psicológica e emocional, se não fisicamente, pode ter sido expressa com outras mulheres e não com os homens.

Divórcio e direitos

Seu dinheiro, ela – seu dinheiro, sua propriedade – ela não poderia processar ou levar um caso ao tribunal exceto sob um pai ou um marido – por isso a dependência. O direito ao divórcio – embora as leis de divórcio tivesse sido grandemente liberalizadas no século 19 na maior parte do país, foi definitivamente – você tinha que provar adultério – demorou um pouco para que o abuso físico fosse motivo de divórcio.

[Divórcio] Foi muito, muito aberto e bastante comum [entre mórmons]. E particularmente, acho que isso tornou o casamento plural praticável. Se você não gostasse, poderia ir embora. E não havia nenhum estigma real, o que é interessante. Bem, não posso dizer isso. Claro, deve ter existido. […] Mas as pessoas que eram altas autoridades na igreja tinham divórcios múltiplos. As mulheres divorciadas passaram a se casar com alguém mais acima na hierarquia. É um mundo muito diferente do que imaginamos. E assim, em vez de comparar o casamento plural no século XIX com nossas noções de direitos das mulheres hoje em dia, precisamos comparar o casamento plural, a monogamia e, em seguida, outras instituições que realmente angustiam as pessoas no século 19, como a prostituição.

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Capa do novo livro de Laurel Thatcher Ulrich. Imagem: Penguin Random House

Poligamia como solução social

Assim, mórmons argumentavam, muitos homens americanos têm múltiplas parceiras sexuais. Eles não são responsáveis. Eles não reconhecem. Não lhes dão dignidade. Eles não legitimaram seus filhos. Assim, a poligamia é uma solução para a horrenda licenciosidade de outros americanos. Parece um argumento estranho para nós hoje, mas naquela época, fazia sentido para algumas pessoas.

Bigamia

O que é interessante sobre os mórmons é que eles santificaram novos relacionamentos para mulheres que tinham fugido de maridos abusivos ou alcoólicos. Alguns delas casaram tanto de forma monogâmica quanto poligâmica entre os Santos dos Últimos Dias. E elas foram bem recebidas na comunidade e não estigmatizadas.

Uma mulher disse que quando Joseph Smith casou com ela, ainda que estivesse legalmente casada com alguém na Carolina do Sul – você sabe, estava muito longe – era como receber maçãs douradas em cestas de prata. Ou seja, ela não era uma mulher proscrita. Ela era uma mulher que tinha feito a sua própria escolha e tinha deixado uma situação ruim, e agora ela iria entrar em um relacionamento com um homem que ela podia admirar.

Manifesto e confusão

Digo no meu livro (que realmente não lida com o final da poligamia) que algumas mulheres choraram, algumas mulheres aplaudiram e alguns provavelmente só não sabia o que fazer a respeito. Como algo poderia  ser a palavra de Deus em uma geração e depois, por causa da ação federal agora, é a palavra de Deus que tem que acabar?

E isso parecia, provavelmente, capitulação à autoridade secular, o que explica a sobrevivência de pequenas seitas poligâmicas que traçam sua genealogia a Joseph Smith e aos primórdios de Utah, e continuaram a perpetuar a prática hoje. Mas são um número muito, muito pequeno de pessoas em termos de uma igreja em todo o mundo em expansão internacional de muitos, muitos milhões de membros.

O novo livro de Laurel Thatcher Ulrich explora as relações entre mulheres, e entre mulheres e homens, incluindo personagens famosos da história mórmon e outros menos conhecidos, buscando narrar a história da poligamia mórmon através do olhar dos seguidores – e especialmente seguidoras – e menos dos profetas e líderes.


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Mentiras Sobre Poligamia

19 comentários sobre “Historiadora Lança Novo Livro Sobre Poligamia Mórmon

  1. Poligamia como solução social

    Assim, mórmons argumentavam, muitos homens americanos têm múltiplas parceiras sexuais. Eles não são responsáveis. Eles não reconhecem. Não lhes dão dignidade. Eles não legitimaram seus filhos. Assim, a poligamia é uma solução para a horrenda licenciosidade de outros americanos. Parece um argumento estranho para nós hoje, mas naquela época, fazia sentido para algumas pessoas.

    Engraçado! Agora estão lançando um novo argumento…
    Isso apenas depõe mais negativamente contra a seriedade da fé mórmon.
    Se os profetas mórmons conhecessem as escrituras saberiam que D’us jamais ordenou casamentos plurais. Pura invenção de homens para alimentar e (talvez) saciar sua lascívia se possível.

    Homens como Smith (vulgo José Ferreira) Brigham Young, entre outros, nunca conseguem se saciar.

    Certamente esse novo argumento representa o desespero de uma defensora da vaidade e luxuria dos profetas suds.

    • “D’us jamais ordenou casamentos plurais” de que fonte você tirou isso?
      Infelizmente as mentes carnais não entendem ordens espirituais, vamos dizer então que o profeta Abraão e muitos outros tinham apenas “desejos sexuais”.
      Lamentável.

      Pode por favor, me mostrar a “descendência sexual” de Joseph Smith?

      Abraços

  2. Cadê Graciela Bravo?

    Livro interessantíssimo que lança um novo olhar (para nós) sobre a prática da poligamia. Destaco:

    1. a ausência de estigma nas mulheres divorciadas (bem diferente do que acontece hoje na igreja mórmon) e nas recasadas (ainda que não civilmente divorciadas), o que denota uma liberdade sexual bem mais ampla do que a das mulheres não-mórmons;
    2. a possível expressão da sexualidade entre elas mesmas (sexo lésbico), muito comum nos haréns orientais e muito bem tolerada no século XIX quando apenas o coito vaginal era considerado relação sexual;

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