O Que é Um Templo Santo dos Últimos Dias?

Taylor Petrey

Os templos d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, muitas vezes chamada de Igreja Mórmon, têm sido locais de curiosidade, suspeita e admiração. Grandes, às vezes estruturas imponentes, os templos estão entre os símbolos mais distintos da igreja.

Templo do Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, dedicado em maio de 2022. | Imagem: Cortesia de aigrejadejesuscristo.org

Os templos são onde os ritos ou “ordenanças” mais sagradas da fé são realizadas, de forma que membros da igreja eram tradicionalmente ensinados a não discutir alguns deles publicamente. Mas os líderes santos dos últimos dias têm trabalhado para dissipar a confusão sobre os templos postando fotos do interior, descrevendo os ritos com mais detalhes e promovendo passeios públicos. Muitos locais incluem “centros de visitantes” adjacentes, que oferecem uma breve introdução ao templo e aos ensinamentos da igreja, e templos novos ou reformados são abertos ao público antes de serem dedicados ao culto.

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Revelação a Newel K. Whitney Através de Joseph, o Vidente (1842)

Um ano antes de ditar a revelação sobre “pluralidade de esposas”, a qual viria a ser canonizada décadas após sua morte como a seção 132 de Doutrina & Convênios, Joseph Smith recebeu uma revelação em que o Senhor instruia seu futuro sogro sobre como realizar o casamento de sua filha ao Profeta.

Sarah Ann Whitney, em Utah. Em 1842, Sarah Ann Whitney foi selada a Joseph Smith em cerimônia oficiada por seu pai, e tendo sua mãe como testemunha. O ritual foi prescrito em uma revelação recebida por Joseph Smith | Imagem: Cortesia de Batsheba W. Bigler Smith Photograph Collection, circa 1865-1900, Biblioteca de Historia da Igreja, Salt Lake City.

Em 25 de julho de 1842, Joseph Smith Jr. ditou a Newel K. Whitney uma revelação sobre a cerimônia na qual Whitney lhe daria sua filha, Sarah Ann Whitney, em casamento.

A revelação foi publicada pela primeira vez este ano pelo Projeto Joseph Smith Papers, reconhecido projeto documental do Departamento Histórico d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, e faz parte do seu mais recente volume de documentos, cobrindo o tumultuado período entre maio e agosto de 1842.

De acordo com os editores, a revelação, antes inacessível ao público, traz “as únicas instruções existentes do período de vida de [Joseph Smith] para a realização de uma cerimônia de casamento plural”.

A cerimônia prescrita difere grandemente dos rituais de selamento documentados ou em uso n’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. 

Com então 17 anos, Sarah Ann era a filha mais velha dos comerciantes Newel Kimbal Whitney e Elizabeth Ann Smith Whitney. Tal como Sidney Rigdon, os Whitneys eram oriundos do movimento restauracionista campbellita.

A relação entre Joseph Smith e o casal era tão próxima que o Profeta Mórmon e sua esposa Emma viveram na “loja branca” dos Whitneys entre 1832 e 1836, mesmo prédio onde foi estabelecida a Escola dos Profetas em 1833. Os rituais iniciados naqueles anos em Kirtland seriam expandidos em Nauvoo, onde os Whitneys não seriam menos fieis a Smith.

Em 1831, após sua coversão ao mormonismo, Newel Whitney foi ordenado como bispo. No enclave mórmon de Illinois, Elizabeth Whitney tornar-se-ia a segunda conselheira de Emma Smith na Sociedade Feminina de Socorro, organizada em abril de 1842. No mês seguinte, Newel Whitney tomaria parte do pequeno grupo a receber a primeira administração dos rituais templários da investidura.

Com os mesmo rituais conferidos a mulheres, no ano seguinte, ambos os Whitneys passariam a fazer parte do Quórum dos Ungidos. Durante o último ano de vida de Joseph Smith, o bispo Whitney ainda faria parte do seu conselho teocrático, o chamado Conselho dos Cinquenta.

Autoridade patriarcal e laços dinásticos

Nesta revelação de julho de 1842, Newel K. Whitney é ordenado a afetuar a cerimônia não apenas “em nome de Jesus Cristo”, prática costumeira nos rituais mórmons, mas também em seu próprio nome, em nome de sua esposa, Elizabeth, e em nome dos seus “Progenitores”.

A autoridade sacerdotal de Newel Whitney, no texto ditado por Smith, é um “direito de nascença” e remete àquela dos antigos patriarcas bíblicos. O texto menciona o “Santo Melquisedeque Jetro”. Há tambem a menção a um futuro rei Davi.

As instruções ditadas por Smith prometem a Whitney “honra e imortalidade e vida eterna a toda tua casa”, revelando um aspecto dinástico do casamento entre Sarah e Joseph: sua união seria a união das duas familias, com os Whitneys ligados ao Profeta da sétima dispensação do evangelho “de geração a geração”.

Vendo a si como um elo entre deuses e mortais, Joseph Smith encabeçava em Nauvoo um reino familiar, do qual deveria fazer parte todo homem ou mulher que desejasse a glória celestial. Acima da Igreja pública, Smith iniciara o estabelecimento de uma Igreja secreta, construída a partir de uma teologia revolucionária, que ainda lhe custaria a aprovação de grande parte dos santos dos últimos dias.

Original perdido

O manuscrito original da revelação aparentemente não pode ser encontrado. Sobrevivem no acervo da Igreja dois manuscritos, em caligrafia não identificada.

Em 1912, o membro do Quórum dos Doze, e sobrinho de Sarah Ann, Orson F. Whitney transcreveu uma cópia manuscrita da revelação, de posse de seu pai, Horace Whitney. O apóstolo datilografou o texto e enviou sua nova cópia ao Presidente da Igreja, Joseph F. Smith. Orson F. Whitney acreditava que Horace havia recebido o texto diretamente de seu pai, Newel K. Whitney.

A revelação

Quarta-feira, 27 de julho de 1842

Em verdade assim diz o Senhor ao meu servo N[ewel] K. Whitney[:] aquilo que meu servo Joseph Smith fez conhecer a ti e à tua família e a respeito do qual concordaste é correto aos meus olhos e será coroado sobre suas cabeças com honra e imortalidade e vida eterna a toda tua casa, tanto jovem como velho, por causa da linhagem do meu Sacerdócio, diz o Senhor. [E]stará sobre ti e sobre teus Filhos depois de ti, de geração a geração em virtude da promessa Sagrada que agora faço a ti, diz o Senhor. Estas são as palavras que deves pronunciar ao meu servo Joseph e à tua Filha S[arah] A[nn] Whitney: eles devem tomar um ao outro pela mão e tu dirás [“]ambos concordam mutuamente – chamando-os pelo nome – em ser companheiros um do outro, por quanto vivam, preservando-se um para o outro, e de todos os outros e também ao longo da eternidade, reservando apenas aqueles direitos que foram dados ao meu Servo Joseph por revelação e mandamento e por Autoridade legal em tempos passados. Se ambos concordam em fazer o convênio e fazer isto, então dou S. A. Whitney, minha Filha, a Joseph Smith para ser sua esposa, para observar todos os direitos entre ambos que pertencem a essa condição. Eu faço isso em meu próprio nome e em nome da minha esposa, tua mãe, e <em> nome de meus sagrados Progenitores, pelo direito de nascença que é do Sacerdócio, revestido em mim por revelação e mandamento e promessa do Deus vivo obtida pelo Santo Melquisedeque Jetro e outros Santos Pais, comandando todos esses poderes para se concentrarem em ti e, por meio de ti, à tua posteridade para sempre. Estas coisas eu faço em nome do Senhor Jesus Cristo, que através desta ordem ele possa ser glorificado e que através do poder de unção Davi possa reinar como Rei sobre Israel, o qual será doravante revelado. Que imortalidade e vida eterna sejam a partir daqui seladas sobre suas cabeças para sempre e sempre[“]. 

Precauções

Três semanas após a cerimônia secreta, Joseph Smith escreveu uma carta ao casal Whitney, sem nomear Sarah Ann explicitamente. A correspondência não apenas oferece uma perspectiva sobre os sentimentos de Smith, mas também sobre o receio por sua vida e harmonia familiar com sua primeira esposa.

“[M]eus sentimentos são tão fortes por você[s] desde o que transcorreu entre nós, que o tempo da minha ausência [longe] de você[s] parece tão longo e sombrio”, escreveu o Profeta. Escondendo-se das autoridades policiais na casa de Carlos Granger, um não mórmon, Smith suplicava: “se vocês três viessem para me ver (…) isso me daria grande alívio”, afirmando necessitar do socorro “daqueles que me amam” no momento de solidão. Ele reiterava na carta a promessa de dar aos três “a plenitude de minhas bençãos seladas sobre suas cabeças”.

Duas precauções, no entanto, eram requisitadas por Smith: eles não deveriam visitá-lo quando Emma Smith estivesse presente, e a carta deveria ser queimada – instrução que os Whitneys evidentemente não seguiram.

Bênçãos

A união eterna almejada por Smith não considerava muitas diferenças entre o material e o divino. No dia 06 de setembro seguinte ao casamento, Smith deu a Sarah Ann Whitney a escritura de uma propriedade no Condado de Hancock, em documento autenticado pelo pai da jovem esposa plural.

Em 1843, no dia seguinte ao seu décimo-oitavo aniversário, Sarah Ann recebeu de Joseph Smith uma bênção por imposição de mãos, na qual suplicava a Deus para “coroá-la com um diadema de glória nos mundos Eternos”. A Sarah cabia permanecer no “convênio eterno” solenizado entre o casal. O vínculo eterno com a família Whitney é referido uma vez mais: Smith assegurava que “a casa de seu Pai será salva na mesma glória Eterna”. 

Um década de casamentos plurais

Sarah Ann foi descrita como uma das “estrelas guias” das jovens de Nauvoo, segundo sua amiga, Helen Mar Kimball. Ainda que alguns a considerassem “orgulhosa e um tanto excêntrica”, Sarah Ann era, na opinião de Helen Mar, “uma menina com a mente mais pura (…) e temente a Deus”. Helen Mar Kimball foi também selada a Joseph Smith aos 14 anos, em 1843, mesmo ano em que descobriu sobre o matrimônio de Sarah Ann. [1]

No ano em que desposou Sarah Ann Whitney, Joseph Smith vinha praticando casamentos plurais há, no mínimo, uma década, ainda que não tivesse plenamente desenvolvido a ideia de um poder selador que tornasse relacionamentos familiares válidos após a ressurreição.

Introduzindo o princípio do casamento plural sempre de maneira individual e secreta a alguns de seus seguidores, Smith negava publicamente a prática.

Um casamento para encobrir o casamento

Um dos subterfúgios usados por Joseph Smith para ocultar seus matrimônios plurais, protegendo a si e algumas de suas esposas dos olhos “gentios” e do restante da Igreja, eram novos casamentos públicos. Nove meses após ser selada ao Profeta, Sarah Ann Whitney (Smith) casou-se com Joseph C. Kingsbury, em cerimônia civil conduzida pelo próprio Smith. [2] No mês anterior, Joseph Smith havia conferido a Kingsbury uma bênção patriarcal em que prometia que sua esposa Caroline Whitney Kingsbury, falecida, estaria novamente com ele na primeira ressurreição.

Posteridade eterna?

Na divisora revelação de julho de 1843, Deus afirmava, por intermédio de Joseph Smith, que esposas lhe eram “dadas para multiplicar e encher a Terra” e “gerar as almas dos homens” (Doutrina & Convênios 132:63). A furtividade e muito provável baixa frequência de encontros íntimos com suas esposas plurais parecem não ter ajudado Joseph Smith a cumprir em vida um dos propósitos designados para o casamento celestial. E certamente, ele não esperava, e muito menos desejava, encerrar sua carreira profética nas mãos de assassinos, aos 39 anos.

Sarah Ann Whitney não teve filhos com Joseph Kingsbury e seu casamento foi dissolvido após o martírio dos irmãos Smith. Em 17 de março de 1845, Sarah Ann foi selada “para o tempo” ao apóstolo Heber C. Kimball, com quem viria a conceber sete filhos. Na teologia ensinada por Joseph Smith aos seus seguidores mais próximos, essas sete crianças seriam parte da sua posteridade com Sarah Ann Whitney.


Notas

1. Helen Mar Kimball Whitney, “Scenes in Nauvoo after the Martyrdom,” Woman’s Exponent, 1 Mar. 1883, 11:146.  Trechos citados na introdução histórica à revelação, no Projeto Joseph Smith Papers. 

Helen Mar Kimball reconta sua experiência como a esposa plural mais jovem de Joseph Smith em seus diários. Whitney, Helen Mar Kimball (2003), Compton, Todd M.; Hatch, Charles (eds.), A Widow’s Tale: the 1884-1896 Diaries of Helen Mar Whitney, Logan, UT: Utah State University Press.

Depos do assassinato de Joseph Smith, em 1844, Helen Mar casou-se com o irmão mais velho de Sarah Ann, Horace Whitney.

2. Após a revelação sobre a “lei do sacerdócio” ou “pluralidade de esposas” ter sido ditada por Joseph Smith, a pedido de seu irmão, Hyrum Smith, em 12 de julho de 1843, o texto foi mostrado a Emma Smith e a diversas autoridades eclesiásticas em Nauvoo. De acordo com o secretário particular de Joseph Smith, William Clayton, Newel K. Whitney pediu a Joseph C. Kingsbury para copiar o manuscrito. A cópia feita por Kingsbury foi levada pelos santos em seu êxodo rumo ao oeste, e foi a fonte para a publicação da mesma revelação no jornal Deseret News em 14 de setembro de 1852.

Mórmons Brasileiros Não Crêem em Casamento Eterno?

Será que alguns mórmons brasileiros não acreditam no conceito de “casamento eterno”?

Capa do livro ‘Fastasmas da Poligamia: Assombrando os Corações e o Céu de Mulheres e Homens Mórmons’ de Carol Lynn Pearson, que explora a ansiedade de mulheres mórmons contemporâneas com o conceito de poligamia na vida após a morte

A doutrina oficial da Igreja SUD especifica que casamentos realizados em seus templos sagrados não são dissolvidos com a morte, e portanto, duram por toda eternidade. No jargão mórmon, trata-se de “casamento celestial”, “casamento eterno”, “casamento para o tempo e para a eternidade”, e o “novo e sempiterno convênio”.

O manual para mulheres da Igreja SUD ‘Manual Básico da Mulher SUD’ explica, por exemplo, o conceito doutrinário do “casamento eterno”:

“A vida não termina com a morte, e o casamento também não foi feito para terminar com a morte. Porém, o casamento realizado por oficiais civis ou de outras igrejas, fora do templo, é só para esta vida. O casamento eterno no templo é o único que continuará após a morte, e a exaltação no grau mais alto do reino celestial só vem para aqueles que fazem tal convênio e o observam.”

Não obstante, a reação pública de alguns leitores mórmons levanta a questão se a crença no conceito de “casamento eterno” realmente encontra-se internalizado, e não apenas liturgizado. Tomemos, por exemplo, a reação deste leitor quando confrontado com um texto que explica como o Apóstolo Russell Nelson se tornou o Apóstolo mórmon polígamo mais recente na história da Igreja:

 

“O texto acusa Nelson de polígamo, ao se casar com outra mulher depois da primeira! Mas não argumenta tal suposição, fazendo com que muitos leitores inexperientes interpretem que a Igreja mantem a poligamia. Nelson casou-se novamente; porém, sua primeira esposa já não havia falecido?”

Em parte, a crítica do leitor é razoável. Para aqueles que não acreditam em “casamentos eternos”, Nelson não é, nem nunca foi, polígamo. Sua primeira esposa havia falecido, e consequentemente ele estava, por virtude de sua viuvez, solteiro para se casar novamente. Adicionamos aqui, portanto, para aquele artigo a seguinte nota: Nelson é considerado polígamo apenas por aqueles que acreditam que em “casamentos eternos”, ou seja, que o casamento realizado nos templos é eterno e dura por toda eternidade, como é a doutrina oficial da Igreja SUD.

Não obstante, o próprio texto daquele artigo que já deixara claro isso:

“Nelson foi casado por 60 anos a Dantzel White… 14 meses após o falecimento dela, Nelson casou-se novamente com Wendy Watson…”

Esse trecho claramente deixa explícito que a primeira esposa morreu antes dele se casar com sua segunda esposa. Ademais, o fato de incluirmos um link justamente no trecho “Apóstolo mórmon polígamo” que leva a um artigo que explica justamente o conceito de “poligamia na vida pós-mortal” deixa ainda mais óbvioque  a asserção refere-se ao conceito teológico mórmon de “casamento eterno”.

Quaisquer reclamações sobre confusões quanto ao status de “acusação” de poligamia durante a vida terrena só pode ser atribuída a duas posturas distintas: 1) Leitura descuidada e inatenta, ou 2) Aberta desonestidade intelectual apologética.

Supondo que tal leitor seja, em realidade, intelectualmente honesto e que leia textos atentamente, especialmente antes de resolver criticar ou contestar tal texto como é de se esperar de uma pessoa intelectualmente honesta, então a única conclusão alternativa para tal confusão seria uma terceira alternativa: A completa descrença, ainda que em âmbito subconsciente, no conceito de “casamento eterno”. Tal suspeita só se reforça quando o mesmo leitor insiste em criticar a descrição dos casamentos de Nelson argumentando que é prática comum entre membros da Igreja viúvos casar-se novamente.

Kkkkkkk… aproveitando o deboche de quem está escrevendo isso aí como resposta dada por esta importante página racional, escreva algo sobre a poligamia de membros brasileiros, já que muitos casam-se após uma separação ou morte de cônjuge! Pesquisa também sobre o que é realmente considerado POLIGAMIA!

Certamente pesquisamos “o que é realmente considerado POLIGAMIA (sic)”, e por definição poligamia é definida como a “[m]ultiplicidade simultânea de mulheres para um marido ou de maridos para uma mulher”. Porém, não há necessidade alguma de apelar para o dicionário para “pesquisar o que é realmente considerado POLIGAMIA (sic)”. O Profeta Joseph F. Smith explicou de maneira clara e inequívoca “o que é” e, ainda, a importância crucial para exaltação da poligamia ou “casamento plural” (ênfases nossas):

Algumas pessoas supõe que a doutrina do casamento plural era uma espécie de superfluidade, ou algo não essencial para a salvação ou exaltação da humanidade. Em outras palavras, alguns dos santos disseram, e acreditam, que um homem com uma esposa, selada a ele pela autoridade do Sacerdócio para o tempo e a para eternidade, receberá uma exaltação tão grande e gloriosa, se for fiel, quanto ele possivelmente poderia com mais de uma [esposa]. Quero aqui registrar o meu solene protesto contra essa ideia, pois sei que é falsa.”

Enquanto muitos Apóstolos e Profetas durante os quase 2 séculos da Igreja SUD pronunciaram-se quanto à importância da poligamia para a exaltação, muitos membros assumiram para si a crença de que tratava-se de uma prática meramente opcional, ou temporária e pragmática (i.e., específica para uma determinada ocasião). O Apóstolo John Widtsoe tratou de repudiar tais crenças como infundadas, enquanto o Presidente Jedediah Grant chegou a pregar que Cristo teria sido crucificado por causa de Sua defesa e ensinamento da poligamia. Ademais, a seção 132 de Doutrina e Convênios permanece no cânone SUD como escritura e obra padrão, definindo e pregando a importância da poligamia até hoje.

Tudo posto, poligamia mórmon é um conceito claro e inequívoco. Trata-se de “multiplicidade simultânea de mulheres para um marido” por toda eternidade. Provido, é claro, que os casamentos sejam realizados nos templos sagrados da Igreja SUD. Com isto em mente, Russell Nelson ingressou no rol dos profetas e apóstolos mórmons polígamos em abril de 2006 com seu segundo casamento para “o tempo e para toda eternidade”.

Vejamos outro exemplo de uma leitora que insiste que afirmar o status polígamo de Russell Nelson consista em “distorção” dos fatos.

“Vocês acabam distorcendo fatos.. gostaria de saber mais a respeito da vida poligamia q vcs dizem q ele levava… Por exemplo? Provas”

Como explicamos acima, o texto claramente descreve como Nelson casou-se com uma mulher “para o tempo e para a eternidade” no “novo e sempiterno convênio”, e 14 meses após o falecimento desta, casou-se com outra mulher “para o tempo e para a eternidade” no “novo e sempiterno convênio”. Para quem crê no “novo e sempiterno convênio”, isso claramente constitui numa “[m]ultiplicidade simultânea de mulheres para um marido”.

Supondo que a leitora não seja intencionalmente desonesta, e que portanto não seria displicente de ser descuidada na leitura de um texto o qual pretende criticar, então resta apenas a conclusão de que em realidade não crê no “sempiterno convênio”, e para ela o primeiro casamento de Nelson se dissolveu com o falecimento de sua primeira esposa, e portanto, não se caracteriza poligamia com seu segundo casamento, não havendo assim “multiplicidade simultânea” mas sim multiplicidade serial e não simultânea.

Logicamente, há que se considerar uma quarta alternativa possível. É inteiramente possível que tais mórmons nada mais estejam tentando reduzir uma dissonância cognitiva entre o desejo de negar (ou abandonar) o princípio da poligamia sem descreditar a importância do passado polígamo na história mórmon.

Contudo, tal hipótese não é realmente uma “quarta alternativa” pois não deixa de ser uma postura intelectualmente desonesta, pois aberta e francamente ignora, e finge não existir, uma realidade teológica que impacta a vida pessoal de milhares de mulheres. Por exemplo, um estudo recente demonstrou que milhares de mulheres mórmons, membros d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, sofrem na atualidade com a perspectiva de poligamia na vida pós-mortal.

O estudo, conduzido pela pesquisadora Carol Lynn Pearson, ouviu de mais de 8 mil respondentes mórmons que apenas 15% deles sentiam-se à vontade com o conceito de poligamia na vida após a morte, enquanto 85% sentiam-se incomodados, desanimados, desconfortáveis ou abertamente em oposição à prática. Pearson relata, como exemplos, testemunhos de pessoas que recusaram-se namorar ou envolver-se com pessoas viúvas justamente para evitar os conflitos matrimoniais gerados pela crença de ter que dividir (ou perder) seu/sua cônjuge no futuro (da vida pós-mortal).

“Em nossa Igreja, com sede em Salt Lake City – não nos grupos de dissidentes fundamentalistas, muitas vezes violentos ou bizarros como o que caiu na infâmia por causa de Warren Jeffs, mas a Igreja SUD do Coro do Tabernáculo, Mitt Romney, e Donny e Marie Osmond – a Igreja que eu frequento semanalmente – poligamia não é um artefato em um museu. Ela está viva e não muito bem, um fantasma que tem uma vida escura própria – escondida nos recessos da psique Mórmon, causando profunda dor e medo, assegurando mulheres de que elas ainda são objetos, danificando ou destruindo casamentos, trazendo caos para as relações familiares, levando muitos a perder a fé na nossa Igreja e em Deus. Apesar de seu dano óbvio, ao Fantasma é dado um lugar de honra na mesa da família.” (‘Fastasmas da Poligamia: Assombrando os Corações e o Céu de Mulheres e Homens Mórmons‘, p.7)

No livro onde descreve os achados de seu estudo, Pearson reconta testemunhos de membros ativos que sofreram para lidar com as ramificações da poligamia eterna. Mórmons da Igreja SUD podem não praticar poligamia abertamente com os de outras igrejas ditas “fundamentalistas”, mas a Igreja ainda crê na doutrina de poligamia e ela ainda pratica-a de forma mais sutil e esotérica, mas não menos real.

Em conclusão, notamos 4 alternativas possíveis para explicar as reações negativas de mórmons membros da Igreja SUD ao lidar com a realização que o seu atual (ainda presuntivo) Profeta e Presidente da Igreja é (de acordo com sua própria fé e doutrina) polígamo:

  1. Leitura descuidada e inatenta;
  2. Aberta desonestidade intelectual apologética;
  3. Descrença no conceito teológico de “casamento “eterno”;
  4. Desonestidade intelectual apologética motivada pelo desconforto com o princípio fundamental da poligamia.

O que você acha? Mórmons brasileiros realmente crêem em “casamento eterno”? Ou apenas fingem crer em seus cotidianos religiosos por tratar-se de um ritual apenas nominalmente importante? Ou crêem mas preferem fingir que poligamia não é mais um princípio válido? Ou crêem em “casamento eterno” mas preferem mentir que não crêem em poligamia pelo desconforto com esse princípio?

Bênçãos Patriarcais Aos Mortos

“Teu filho, William[,] terá poder sobre as igrejas, ele é pai em Israel sobre os patriarcas, e toda a Igreja; ele é o último da linhagem que é levantado nestes últimos dias”, afirmava a visão recebida por Lucy Mack Smith, acerca de seu filho William Smith.¹

Patriarca da Igreja William Smith bênção patriarcal

William Smith, circa 1862. | L. Tom Perry Special Collections, BYU; Joseph Smith Papers Project.

William Smith (1811-1893 ) foi terceiro Patriarca d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.² Apesar da grandiosidade do seu ofício, reiterada na revelação de sua mãe, William Smith teve sua autoridade por demais limitada por parte dos Apóstolos. Ainda tentando recuperar-se do trauma do assassinato de Joseph e Hyrum Smith, e sem uma Primeira Presidência, os apóstolos liderados por Brigham Young não apreciavam a percepção de Lucy Mack ou muitas das opiniões do novo Patriarca, com quem desenvolveram uma relação atribulada. Continuar lendo

Eros Templário

Alguns anos atrás, encontrei-me com um amigo que, à época, servia como bispo. Ele me pareceu não muito feliz com o que lera em um artigo que eu havia escrito. Dentre outras coisas, no dito texto, eu discorria sobre a importância da revelação que liberou o sacerdócio aos negros ter sido anunciada antes da dedicação do Templo de São Paulo.

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O trecho que lhe trouxe mal-estar foi este: Continuar lendo

Igreja Mórmon Digitaliza Registros no Brasil

Genealogia Igreja SUD Mormonismo
A Montanha de Granito é uma rocha maciça no cânion Little Cottonwood, na cadeia montanhosa de Wasatch em Utah, a poucos quilômetros de Salt Lake City, e onde a Igreja armazena bilhões de imagens em microfilmes. | Imagem: cortesia de Intellectual Reserve Inc.

Raramente vê-se artigos decentes sobre o mormonismo na imprensa de língua portuguesa. Sendo assim, quando encontramos um, fazemos questão de chamar atenção a ele.

O site dedicado à tecnologia e cultura digital Motherboard, do grupo canadense Vice Media, publicou um excelente artigo sobre os aspectos técnicos e culturais da prática Continuar lendo

Brigham Young: a Maior Ordenança do Templo

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Selamentos são cerimônias muito estimadas por membros d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias em sua busca por construir laços familiares que sobrevivam à morte. Porém, da mesma forma como modernos santos dos últimos dias não relacionam o selamento monogâmico de um casal à poligenia pregada por mórmons do séc. 19, tampouco estão cientes de uma outra forma de selamento há muito interrompida e bem menos debatida na historiografia mórmon. Para Brigham Young, esta seria a mais sublime ordenança realizada no templo: o selamento de um homem a outro. Continuar lendo

Podcast Mórmon #3 – POLIGAMIA

A Associação Brasileira de Estudos Mórmons e o Vozes Mórmons dão seguimento ao projeto coletivo de podcasts para discussão de temas relacionados ao Mormonismo: o Podcast Mórmon.

Neste episódio Antônio Trevisan, Emanuel Santana e Marcello Jun discutem o passado e o futuro da pesquisa acadêmico-histórica de um dos aspectos históricos, sociais, e culturais mais marcante no Mormonismo: POLIGAMIA.

Podcast 03 versão 02

Em 1831, Joseph Smith teria recebido uma revelação ordenando homens casados a desposarem mulheres ameríndias poligamamente para gerar Lamanitas brancos. Entre 1833 e 1839, Smith relacionou-se com uma adolescente e uma mulher casada em segredo, mas a partir de 1841 começou a casar-se secretamente com múltiplas mulheres, iniciando oficialmente uma cultura polígama. Havendo iniciado os seus acólitos mais fiéis na prática, e elaborado toda uma teologia templária ao seu entorno, Smith construíra um legado que viria a definir o Mormonismo pelos próximos dois séculos.

Assista aqui o podcast na íntegra:

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Ordenanças do templo – parte 4

O Quórum dos Ungidos, a Investidura e as Segundas Unções

Em 04 de maio de 1842, 49 dias após seu ingresso na maçonaria, Joseph Smith introduziu uma nova cerimônia, que posteriormente passaria a ser chamada de “investidura”. Como já havia acontecido em Kirtland, o profeta mórmon não aguardou que o templo de Nauvoo estivesse pronto. Juntamente com seu irmão Hyrum, Joseph Smith administrou a investidura a um grupo de oito homens. Na casa de tijolos vermelhos em Nauvoo, Joseph e Hyrum Smith administraram a um grupo de oito homens a “ordem sagrada”. No dia seguinte, os dois irmãos receberam as mesmas cerimônias. Continuar lendo

Ordenanças do templo – parte 3

Vitral na Catedral de Saint-Julien de Mans, França

Vitral na Catedral de Saint-Julien de Mans, França

Simbolismo maçônico e o Ancião de Dias

Os rituais mórmons em Kirtland não teriam sido por si só suficientes para o desenvolvimento das cerimônias do templo em Nauvoo. Dois elementos ainda faltavam para formar a teologia e o ritual do templo: a posição de Adão e a maçonaria.

Muitas das revelações recebidas por Joseph Smith foram motivadas por algo que havia lhe chamado a atenção. Não foi diferente com os rituais maçônicos. O mormonismo surgiu em um contexto em que a maçonaria ainda era uma instituição relevante no acalorado debate político e religioso da época. A nova religião foi capaz de atrair a suas fileiras tanto maçons quanto antimaçons.

A denúncia de combinações secretas na narrativa do Livro de Mórmon – que tanto agradava aos mórmons de sentimentos antimaçônicos – não impediu que Joseph Smith viesse a acreditar na ideia de segredos antigos estavam sendo preservados pela maçonaria e que o segredo seria um elemento essencial para as inovações realizadas na década de 1840. De acordo com Benjamin F. Johnson, referindo-se a Joseph Smith:

Ele me disse que a Franco-Maçonaria, no presente, era as investiduras apóstatas, assim como a religião sectária era a religião apóstata. [1]

É fato inegável que Joseph Smith fez empréstimos do ritual maçônico para a investidura mórmon. Seria ingenuidade ou simplificação extrema, porém, considerá-la como uma mera cópia ou imitação.

Em sua celebrada biografia de Joseph Smith, o historiador Richard Bushman aponta as diferenças de objetivos nos rituais maçônicos e mórmons:

No difícil mundo do capitalismo emergente, as lojas [maçônicas] estabeleceram um universo alternativo de virtude e amizade contido em imagens e rituais antigos. Na superfície, o templo [mórmon] parece com o mundo fechado, fraternal das lojas. Mas o cerne espiritual da investidura de Nauvoo não era a ligação masculina. Em 1843, mulheres estavam sentadas nas salas de ordenanças e passando pelos rituais. Adão e Eva, um par homem-mulher, eram as figuras representativas, ao invés do herói maçônico Hiram Abiff. O objetivo da investidura não era fraternidade masculina, mas a exaltação de maridos e esposas. [2]

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Raça e Sacerdócio: publicação oficial da Igreja aborda fatos antes ignorados

Nova página oficial sud esclarece que Brigham Young interrompeu a ordenação de negros ao sacerdócio como realizada por Joseph Smith

Amanda e Samuel Chambers, conversos mórmons, chegaram a Salt Lake City em 1870.

Amanda e Samuel Chambers, conversos mórmons, chegaram a Salt Lake City em 1870.

Na última sexta-feira (06/12), A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias publicou em seu site oficial uma nova página intitulada “Raça e o Sacerdócio“, onde busca esclarecer a intrincada história do banimento dos negros do sacerdócio sud. A página, disponível em inglês, dá um importante passo ao reconhecer a ordenação de negros durante a presidência de Joseph Smith – como havia reconhecido no novo cabeçalho da Declaração Oficial 02 – e afirma que foi Brigham Young quem interrompeu a ordenação de homens negros. O site afirma: Continuar lendo

O Declínio da Adoção

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George Q. Cannon e outros mórmons presos por “coabitação ilegal”.

Como a doutrina de progressão eterna e o casamento plural, a lei da adoção era parte essencial dos ensinamentos de Joseph Smith em Nauvoo. Com a colonização do oeste, a adoção ainda influenciava a vida social e as crenças mórmons, cumprindo os propósitos de edificar, a partir da Igreja, um povo – o grande objetivo sonhado por Joseph Smith.

Muitos santos dos últimos dias, porém, não estavam contentes com a lei da adoção e a maneira como influenciava a construção de sua família, especialmente com a adoção dos ancestrais falecidos como descendentes. O descontentamento com a lei da adoção era também partilhado por parte das autoridades gerais, incluindo Wilford Woodruff, quarto presidente da Igreja sud. No final do séc. XIX, antes de interromper completamente a adoção de ancestrais falecidos como posteridade dos membros vivos, a Igreja já havia deixado aos presidentes de templo a decisão sobre como instruir os membros nessa questão, de forma que muitos santos já estavam sendo selados a seus pais biológicos falecidos, mesmo quando esses não haviam recebido as ordenanças do evangelho em vida. Continuar lendo

A adoção

Que tipo de selamento era a adoção? Como essa doutrina fazia parte do pensamento de Joseph Smith? Que implicâncias ela tinha na redenção dos mortos e organização do povo do convênio? Este post introduz o desconhecido tema da adoção.

Foi na cidade de Nauvoo, durante a década de 1840, que as ordenanças do templo atingiram uma maior elaboração,

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Um Diagrama do Reino de Deus

Um Diagrama do Reino de Deus

Orson Hyde

O diagrama acima mostra a ordem e a unidade do reino de Deus. O Pai eterno senta-se à cabeça, coroado Rei dos reis e Senhor dos senhores. Onde quer que as outras linhas se encontrem, senta-se um rei e sacerdote para Deus, possuindo governo, autoridade e domínio abaixo do Pai. Ele é um com o Pai, pois seu reino é somado ao de seu Pai e torna-se parte dele. Continuar lendo

Origem e destino da mulher

A posição da mulher na doutrina mórmon ganhou uma reflexão especial pela pena de John Taylor. Morando em Nova York para editar o jornal The Mormon, na década de 1850, John Taylor conheceu a jovem e bela Margaret Young (sem  parentesco com Brigham), então com vinte anos. Transformando em artigo do seu jornal parte do que havia escrito em cartas de amor a Margaret, Taylor publicou, em 1857, Origem e destino da mulher, traduzido abaixo. Em setembro de 1856, Margaret havia se tornado esposa plural de John Taylor, com quem ainda teria nove filhos. Continuar lendo