Falece B. Carmon Hardy, Historiador da Poligamia Mórmon

É com pesar que noticiamos o falecimento de B. Carmon Hardy, um dos mais importantes e influentes historiadores mórmons, ocorrido no último dia 21 de dezembro. Hardy é especialmente celebrado pela sua pesquisa acadêmica sobre a poligamia mórmon do século 19 e início do século 20.

poligamia mórmon fotografia

O bispo Ira Eldredge e suas esposas Nancy Black, Hanna Mariah Savage e Helwig Marie Anderson, circa 1864.

Blaine Carmon Hardy nasceu em 1934, na cidade de Vernal, Utah, descendente de pioneiros mórmons. Durante a maior parte de sua juventude, viveu no estado de Washington, onde cursou o ensino médio e trabalhou em fazendas e ranchos. Graduou-se em História pela Washington State University, em 1957. Dois anos depois, concluiu seu mestrado em História Americana na universidade da Igreja SUD, Brigham Young University (BYU), havendo trabalhado com os professores R. Kent Fielding e Hugh Nibley. Hardy obteve seu doutorado da Wayne State University, no estado de Michigan, em 1963, pesquisando sobre as colônias mórmons no México.

Recordando sua jornada pessoal e o impacto da sua pesquisa sobre casamentos plurais após o Manifesto, Hardy escreveu:

A análise de materiais relacionados com o deslocamento de um grande número de mórmons ao sul da fronteira [dos EUA], começando em meados da década de 1880, revelou que, em vez de uma busca por novas terras — a razão dada publicamente para a migração — era a fuga da perseguição por coabitação ilegal que de fato motivou a maioria a ir para lá. Eu me dei conta de que os milhares de santos dos últimos dias que viviam no norte do México constituíam a maior concentração de pluralistas [poligamistas] na sociedade mórmon na época. Mais do que isso, ficou óbvio de minha pesquisa que os casamentos plurais continuaram a ser realizados no México após o Manifesto de 1890. Os registros deixados por Anthony W. Ivins, presidente da estaca nas colônias e mais tarde apóstolo e membro da Primeira Presidência, mostraram que ele realizou muitos desses casamentos pós-Manifesto com a aprovação tranquila e instruções de altos líderes da Igreja em Salt Lake City.

Em 1961, Hardy começou a trabalhar como professor assistente do Departamento de História e Filosofia da Educação da BYU. A falta de liberdade acadêmica na Universidade Mórmon e nos Arquivos da Igreja, no entanto, levariam-no a solicitar sua demissão em 1966.

De acordo com Hardy, nos arquivos históricos d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, até mesmo suas anotações pessoais eram censuradas:

Durante esses mesmos anos, como comumente acontece com acadêmicos depois de concluir seus programas de doutorado, continuei minha pesquisa sobre as colônias no México, visando publicar futuramente as minhas descobertas. Esta pesquisa envolvia visitas regulares aos Arquivos da Igreja em Salt Lake City, onde aprendi, em primeiro lugar, que havia muitos documentos que eu não podia ver e, em segundo lugar, que quaisquer notas que tomava em documentos que estava autorizado a ver deveriam ser examinadas por A. William Lund, então historiador adjunto da Igreja. Era sempre uma meia hora dolorosa no final de cada dia de pesquisa quando Lund lia os cartões de 3×5 em que escrevia minhas anotações — especialmente quando, achando algumas que desaprovava, ele as amassava e jogava na lata do lixo em seu escritório.

Hardy ainda relata que seu superior na BYU, Antone K. Romney, foi simpático e compreensivo quanto ao assunto de sua pesquisa. O Diretor da Faculdade de Educação afirmara que entraria em contato com seu irmão, o Apóstolo Marion G. Romney, uma vez que sua família havia vivido em uma das colônias polígamas no México. O resultado posterior, porém, surpreendeu o jovem professor:

(…) O Diretor Romney me convidou para seu escritório e me leu um memorando enviado a ele não por seu irmão, mas por Hugh B. Brown, um membro da Primeira Presidência. Indicava que eu não deveria prosseguir a minha investigação, pelo menos na medida em que envolvesse a poligamia mórmon. Quando eu pedi ao Diretor Romney uma cópia do memorando, ele disse que não poderia me dar uma. Recordo-me vividamente de um pouco da linguagem, entretanto. Não havia rancor nele, mas instruía Romney a me dizer que era melhor não examinar assuntos que tivessem trazido “problemas” à Igreja em seu passado. Fiquei perturbado com a mensagem, não só por causa da barreira que colocou no meu trabalho, mas pela visão de que as coisas possivelmente embaraçosas para a Igreja não eram apropriadas para a investigação acadêmica. Parecia inteiramente em desacordo com o que eu pensava que uma universidade deveria ser. Também fui afetado pelo fato de vir de alguém na Primeira Presidência que eu e muitos outros acreditávamos possuir uma visão ampla e intelectualmente amigável.

B. Carmon Hardy e sua esposa Kamillia M. Hardy deixaram de ser membros ativos da Igreja SUD. Mesmo assim, sempre apoiaram a participação e o serviço de seus cinco filhos na Igreja. Conhecido por seu rigor acadêmico e pela amabilidade, Hardy era admirado pela comunidade intelectual mórmon:

[Q]uase sem exceção, sou tratado com bondade pelos historiadores mórmons e santos dos últimos dias — especialmente aqueles que realmente lêem o que eu escrevo. Em todos os casos, ao tratar assuntos mórmons, faço o meu melhor para descrevê-los de forma tão precisa e justa quanto possível, colocando tudo sob a mesma lâmpada se relatasse uma façanha militar da Guerra Civil Americana ou as políticas de um papa católico medieval.

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B. Carmon Hardy entrevistado no documentário American Experience: The Mormons. Imagem: PBS, 2007.

Após sua saída da BYU, Hardy lecionou por mais de quatro décadas na California State University, Fullerton. Além de classes em História Americana e Civilização Mundial, Hardy também lecionou História Constitucional Americana e História Intelectual Americana.

Em 1992, Hardy publicou seu mais conhecido trabalho: Solemn Covenant: The Mormon Polygamous Passage (“Convênio Solene: a passagem poligâmica mórmon”), publicado pela Univerisdade de Illinois. Vencedor do prêmio de Melhor Livro do Ano da Associação de História Mórmon, a obra trata da transição da defesa e promoção da poligamia para uma instituição monogâmica. Nela, Hardy ainda analisa como a institucionalização do ato de mentir foi usada sistematicamente dentro do mormonismo em defesa do casamento plural.

Em 2007, Hardy publicou o importante volume de história documentária, intitulado Doing the Works of Abraham: Mormon Polygamy, Its Origins, Practice and Demise (“Fazendo as obras de Abraão: poligamia mórmon, sua origem, prática e declínio”), reunindo diversas fontes primárias em um único tomo.

A comunidade acadêmica mórmon é grata pela obra e pelo exemplo profissional e humano de B. Carmon Hardy. Acreditamos que sua pesquisa acerca de um dos temas mais complexos e essenciais para a compreensão do mormonismo poderá ainda servir como base para maiores investigações e uma compreensão mais ampla do tema pelas gerações acadêmicas futuras.

3 comentários sobre “Falece B. Carmon Hardy, Historiador da Poligamia Mórmon

  1. Sinto-me profundamente grato e imensamente honrado por haver tido um Irmão SUD desta iguala com este valor académico , ímpar entre seus pares .No decorrer da leitura , cheguei mesmo a emocionar -me com tal estatura de Homem e tal envergadura intelectual .
    Por que será que não estranhei ao ler ” …Carmon Hardy e sua esposa Kamillia M. Hardy deixaram de ser membros ativos da Igreja SUD. ” ?
    É uma pergunta que não quero responder a mim mesmo .

    • Partilho as suas emoções , Fernando Mutella e se me permite recomendo-lhe que não responda à sua própria pergunta . Corre seriamente o risco , se o fizer , de accionar o gatilho da inactividade . Aqui nesta igreja , obedece-se , e nada mais , porque a obediência é uma lei celestial .Uma das maiores , pergunte a qualquer elder em missão .
      Já pagar o dizimo integral sem fazer perguntas inoportunas é outra lei , esta actualizada convenientemente pelos homens , que não sendo bem celestial, assim mesmo parece ser a prioritária para o bispo que relembra que, tal como ontem , somos hoje obrigados pela lei de Moisés.Como sabe, o dízimo era o que sustentava os sacerdotes naqueles tempos onde tudo era em comum , ao contraio dos dias de hoje ,( pormenor que também nunca deve ser relembrado, e muito menos debatido no quóron de sacerdotes e muito menos na dominical ) e como sabe , servem tais dízimos hoje em dia para os milionários investimentos que a si não lhes dizem respeito , e para as mais diversas mordomias dos altos executivos da Corporação SUD , chamadas autoridades gerais , sob a seráfica batuta do profeta de turno e dos seus auxiliares conselheiros .
      Isto de pretender gerar filhos espirituais , ter planetas em propriedade densamente povoados com trono e ceptro , custa caro aqui na Terra , mas sempre é melhor que as tais 72 virgens prometidas por Maomé aos que se fazem estalar com as bombas suicidas .

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