Racismo no Livro de Mórmon

O Livro de Mórmon é uma obra de escrituras sagrada para mórmons.

Infelizmente, é uma obra profundamente racista.

Obra de arte representando as lendárias "placas de ouro" que Joseph Smith teria encontrado e de onde teria traduzido o Livro de Mórmon (Museum of Church History and Art, Salt Lake City)

Obra de arte representando as lendárias “placas de ouro” que Joseph Smith teria encontrado e de onde teria traduzido o Livro de Mórmon (Museum of Church History and Art, Salt Lake City)

Tanto para a narrativa, como para a teologia, do Livro de Mórmon uma cor de pele escura é um claro sinal de maldição e reprovação divina. Além disso, há severas admoestações para a manutenção de pureza racial. Esses ensinamentos racistas do Livro de Mórmon são tão enraizados que levou gerações de profetas mórmons a pregarem tais ensinamentos do púlpito. [Ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui]

Essas são as passagens relevantes que permeiam o texto canônico mórmon (ênfases nossas):

2 Néfi 5:20-23

A palavra do Senhor, portanto, foi cumprida quando me falou, dizendo: Se deixarem de dar ouvidos às tuas palavras, serão afastados da presença do Senhor. E eis que foram afastados de sua presença. E ele fez cair a maldição sobre eles, sim, uma dolorosa maldição, por causa de sua iniquidade. Pois eis que haviam endurecido o coração contra ele de tal modo que se tornaram como uma pedra; e como eram brancos, notavelmente formosos e agradáveis, a fim de que não fossem atraentes para meu povo o Senhor Deus fez com que sua pele se tornasse escura. E assim diz o Senhor Deus: Eu farei com que sejam repugnantes a teu povo, a menos que se arrependam de suas iniquidades. E amaldiçoada será a semente daquele que se misturar com a semente deles; porque será amaldiçoada com igual maldição. E o Senhor assim disse, e assim foi.

Alma 3:6-9

E a pele dos lamanitas era escura, por causa do sinal que havia sido posto em seus pais como um anátema pela transgressão e rebeldia deles contra seus irmãos, que eram Néfi, Jacó e José e Sam, que foram homens justos e santos. E os irmãos procuraram destruí-los, sendo, portanto, amaldiçoados; e o Senhor pôs-lhes uma marca, sim, em Lamã e Lemuel e também nos filhos de Ismael e nas mulheres ismaelitas. E isto foi feito para que sua semente pudesse ser distinguida da semente de seus irmãos, para que assim o Senhor Deus preservasse seu povo, a fim de que não se misturasse nem acreditasse em tradições incorretas que causariam sua destruição. E aconteceu que aqueles que misturaram sua semente com a dos lamanitas fizeram recair sobre sua descendência igual maldição.

Jacó 3:4-8

E vem rapidamente o tempo em que, a menos que vos arrependais, eles ocuparão a terra de vossa herança e o Senhor Deus retirará os justos dentre vós. Eis que os lamanitas, vossos irmãos, a quem odiais por causa de sua imundície e da maldição que lhes caiu sobre a pele, são mais justos que vós; porque eles não se esqueceram do mandamento do Senhor, dado a nosso pai — de que não deveriam ter mais que uma esposa nem concubina alguma; e que não deveriam cometer libertinagem. E agora eles se esforçam por guardar este mandamento; portanto, por causa desse esforço em guardar este mandamento, o Senhor Deus não os destruirá, mas será misericordioso para com eles; e um dia tornar-se-ão um povo abençoado. Eis que os maridos amam as esposas e as esposas amam os maridos; e os maridos e as esposas amam seus filhos; e sua incredulidade e seu ódio para convosco são consequência da iniquidade de seus pais; portanto, em que sois vós melhores do que eles aos olhos de vosso grande Criador? Ó meus irmãos, temo que, a menos que vos arrependais de vossos pecados, a pele deles será mais branca do que a vossa, quando fordes levados com eles perante o trono de Deus.

3 Néfi 2:14-16

E aconteceu que os lamanitas que se haviam unido aos nefitas foram contados com os nefitas; E a maldição foi retirada deles e sua pele tornou-se branca como a dos nefitas; E seus filhos e filhas tornaram-se sumamente belos e foram contados com os nefitas, sendo chamados de nefitas. E assim terminou o décimo terceiro ano.

2 Néfi 30:6

E então se regozijarão; porque saberão que é uma bênção que lhes vem da mão de Deus; e de seus olhos começarão a cair as escamas da escuridão; e antes que se passem muitas gerações, tornar-se-ão um povo branco e agradável.

Curiosamente, essa passagem foi alterada na edição americana de 1981 e, subsequentemente, na nova tradução para o português de 1990, para soar menos racista (ênfase nossa):

E então se regozijarão; porque saberão que é uma bênção que lhes vem da mão de Deus; e de seus olhos começarão a cair as escamas da escuridão; e antes que se passem muitas gerações, tornar-se-ão um povo puro e agradável.

Repetimos aqui ambos os originais em inglês da primeira edição do Livro de Mórmon de 1830 e a edição atual, publicada desde 1981, para comparação literal (ênfases nossas):

Versão original (1830) Versão atual
And then shall they rejoice: for they shall know that it is a blessing unto them from  the hand of God; and their scales of darkness shall begin to fall from their eyes; and many generations shall not pass away  among them, save they shall be a white and a delightsome  people. And then shall they rejoice; for they shall know that it is a blessing unto them from the hand of God; and their scales of darkness shall begin to fall from their eyes; and many generations shall not pass away among them, save they shall be a pure and a delightsome people.

Foi tão importante esse trecho para a doutrina, teologia, e cultura mórmon que “branco e agradável” (ou “branco e deleitoso”, dependendo da tradução para a expressão original “white and delightsome”, figurou com frequência e importância nos ensinamentos dos profetas mórmons durante as décadas.

20 comentários sobre “Racismo no Livro de Mórmon

  1. Obrigado por esse interessante exemplo, Mellanie.

    Como citamos no artigo acima, o texto do Livro de Mórmon é bastante claro e explícito. A pele escura dos Lamanitas veio como uma maldição de Deus sobre um povo que havia se afastado d’Ele.

    O próprio trecho que você citou, e que nós já citamos no artigo acima, deixa isso claro (repetindo o citado no artigo acima):

    “E eis que foram afastados de sua presença. E ele fez cair a maldição sobre eles, sim, uma dolorosa maldição, por causa de sua iniquidade. Pois eis que haviam endurecido o coração contra ele de tal modo que se tornaram como uma pedra; e como eram brancos, notavelmente formosos e agradáveis, a fim de que não fossem atraentes para meu povo o Senhor Deus fez com que sua pele se tornasse escura. E assim diz o Senhor Deus: Eu farei com que sejam repugnantes a teu povo, a menos que se arrependam de suas iniquidades. E amaldiçoada será a semente daquele que se misturar com a semente deles; porque será amaldiçoada com igual maldição. E o Senhor assim disse, e assim foi.”

    O que diz o trecho do Livro de Mórmon que você mesma citou? Os Lamanitas foram “afastados da presença do Senhor” porque “deixar[a]m de dar ouvidos às [S]uas palavras”, “E [note a conjunção denotando outra cláusula adicional] ele fez cair a maldição sobre eles”. E qual seria essa “maldição” que Deus “fez cair” sobre eles depois que eles foram “afastados” de Sua presença?

    “[C]omo eram brancos, notavelmente formosos e agradáveis, a fim de que não fossem atraentes para meu povo o Senhor Deus fez com que sua pele se tornasse escura.” Ser branco, o Livro de Mórmon nos ensina, é ser “formoso e agradável. Não ser branco, o Livro de Mórmon nos ensina, é “não [ser] atraentes” e até mesmo “se[r] repugnantes”! E a maldição é transmissível geneticamente, porque “amaldiçoada será a semente daquele que se misturar com a semente deles; porque será amaldiçoada com igual maldição”. Ser miscigenado, o Livro de Mórmon nos ensina, é igualmente ser feio e “repugnante”.

    “E o Senhor assim disse, e assim foi.”

    Como podemos ler no próprio texto em si, essa sua leitura, proposta pelo Profeta atual Russell Nelson, é nada menos que uma nova e completamente diferente reinterpretação do texto original do Livro de Mórmon.

    Todos tem o direito de reinterpretar textos como lhe melhor aprouverem, e certamente mórmons da Igreja SUD abdicam ao Profeta atual todo poder e autoridade final para reinterpretar qualquer doutrina que lhe melhor aprouver.

    Mas daí para insinuar que a reinterpretação moderna significa o que o texto originalmente (e explicitamente) expressava é nada menos que uma leitura desonesta.

  2. Mas no livro, literalmente, dps eles falam exatamente “todos são iguais perante a Deus”, até “Deus ama até o seus filhos”, “Todas as raças são bem vindas nos céus”, ent, pq só tem uma parte da história aí?

    • “Eu não sou racista, mas…

      Provavelmente você já ouviu essa construção verbal, Isabela. Tudo o que vem depois do “mas” é racista, se não o autor não se daria o trabalho de tentar esconder o racismo com a distração preambular “eu não sou racista”.

      O Livro de Mórmon teoricamente poderia afirmar que “Todas as raças são bem vindas nos céus (sic)”, o que ele nunca afirma (procure lá e nos conte se encontrou essa afirmação), e ainda assim as passagens acima continuariam a prová-lo uma obra profundamente racista.

      Seria mais ou menos assim:

      “Eu não sou racista, mas… Deus ama todo mundo igual, mesmo os que Ele amaldiçoou com uma pele escura para serem feios e imundos demais para os Seus filhos brancos e mais dignos.”

      Não obstante, reforçamos que o Livro de Mórmon não diz “Todas as raças são bem vindas nos céus (sic)”.

      O Livro de Mórmon realmente afirma que “todos são iguais perante Deus”, mas isso claramente se refere à dicotomia entre judeus e não judeus (usando o termo racista “gentios”), e não entre raças com cores de pele distintas.

      Inclusive, essa afirmação segue logo após a explicação de que Deus “convida todos a virem a ele” e que “não repudia quem quer que o procure, negro e branco, escravo e livre, homem e mulher”, tacitamente aceitando distinções culturalmente estabelecidas entre pessoas livres e pessoas escravizadas numa sequência de diferenças inerentes e aceitáveis (escravo x livre, negro x branco, homem x mulher), mas enaltecendo Deus por ser magnânimo o suficiente para ignorar tais óbvias (para o autor) diferenças. Ou seja, o livro é racista e machista, porém ele usa o racismo e o machismo para enaltecer a figura de Deus.

      Não compreendemos o que a afirmação “Deus ama até o seus filhos (sic)” tenha a ver com a discussão em pauta.

      • Apenas para reforçar a tese de livro racista, a única menção no Livro de Mórmon que chega perto à “toda humanidade é igual para Deus” é uma referência muito similar com a fé islâmica sobre todas as crianças, implicitamente excluindo adultos:

        “…todas as criancinhas são iguais para mim; amo as criancinhas, portanto, com um perfeito amor; e elas são todas iguais e participantes da salvação.” (ênfase nossa)

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