Revelação a Newel K. Whitney Através de Joseph, o Vidente (1842)

Um ano antes de ditar a revelação sobre “pluralidade de esposas”, a qual viria a ser canonizada décadas após sua morte como a seção 132 de Doutrina & Convênios, Joseph Smith recebeu uma revelação em que o Senhor instruia seu futuro sogro sobre como realizar o casamento de sua filha ao Profeta.

Sarah Ann Whitney, em Utah. Em 1842, Sarah Ann Whitney foi selada a Joseph Smith em cerimônia oficiada por seu pai, e tendo sua mãe como testemunha. O ritual foi prescrito em uma revelação recebida por Joseph Smith | Imagem: Cortesia de Batsheba W. Bigler Smith Photograph Collection, circa 1865-1900, Biblioteca de Historia da Igreja, Salt Lake City.

Em 25 de julho de 1842, Joseph Smith Jr. ditou a Newel K. Whitney uma revelação sobre a cerimônia na qual Whitney lhe daria sua filha, Sarah Ann Whitney, em casamento.

A revelação foi publicada pela primeira vez este ano pelo Projeto Joseph Smith Papers, reconhecido projeto documental do Departamento Histórico d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, e faz parte do seu mais recente volume de documentos, cobrindo o tumultuado período entre maio e agosto de 1842.

De acordo com os editores, a revelação, antes inacessível ao público, traz “as únicas instruções existentes do período de vida de [Joseph Smith] para a realização de uma cerimônia de casamento plural”.

A cerimônia prescrita difere grandemente dos rituais de selamento documentados ou em uso n’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. 

Com então 17 anos, Sarah Ann era a filha mais velha dos comerciantes Newel Kimbal Whitney e Elizabeth Ann Smith Whitney. Tal como Sidney Rigdon, os Whitneys eram oriundos do movimento restauracionista campbellita.

A relação entre Joseph Smith e o casal era tão próxima que o Profeta Mórmon e sua esposa Emma viveram na “loja branca” dos Whitneys entre 1832 e 1836, mesmo prédio onde foi estabelecida a Escola dos Profetas em 1833. Os rituais iniciados naqueles anos em Kirtland seriam expandidos em Nauvoo, onde os Whitneys não seriam menos fieis a Smith.

Em 1831, após sua coversão ao mormonismo, Newel Whitney foi ordenado como bispo. No enclave mórmon de Illinois, Elizabeth Whitney tornar-se-ia a segunda conselheira de Emma Smith na Sociedade Feminina de Socorro, organizada em abril de 1842. No mês seguinte, Newel Whitney tomaria parte do pequeno grupo a receber a primeira administração dos rituais templários da investidura.

Com os mesmo rituais conferidos a mulheres, no ano seguinte, ambos os Whitneys passariam a fazer parte do Quórum dos Ungidos. Durante o último ano de vida de Joseph Smith, o bispo Whitney ainda faria parte do seu conselho teocrático, o chamado Conselho dos Cinquenta.

Autoridade patriarcal e laços dinásticos

Nesta revelação de julho de 1842, Newel K. Whitney é ordenado a afetuar a cerimônia não apenas “em nome de Jesus Cristo”, prática costumeira nos rituais mórmons, mas também em seu próprio nome, em nome de sua esposa, Elizabeth, e em nome dos seus “Progenitores”.

A autoridade sacerdotal de Newel Whitney, no texto ditado por Smith, é um “direito de nascença” e remete àquela dos antigos patriarcas bíblicos. O texto menciona o “Santo Melquisedeque Jetro”. Há tambem a menção a um futuro rei Davi.

As instruções ditadas por Smith prometem a Whitney “honra e imortalidade e vida eterna a toda tua casa”, revelando um aspecto dinástico do casamento entre Sarah e Joseph: sua união seria a união das duas familias, com os Whitneys ligados ao Profeta da sétima dispensação do evangelho “de geração a geração”.

Vendo a si como um elo entre deuses e mortais, Joseph Smith encabeçava em Nauvoo um reino familiar, do qual deveria fazer parte todo homem ou mulher que desejasse a glória celestial. Acima da Igreja pública, Smith iniciara o estabelecimento de uma Igreja secreta, construída a partir de uma teologia revolucionária, que ainda lhe custaria a aprovação de grande parte dos santos dos últimos dias.

Original perdido

O manuscrito original da revelação aparentemente não pode ser encontrado. Sobrevivem no acervo da Igreja dois manuscritos, em caligrafia não identificada.

Em 1912, o membro do Quórum dos Doze, e sobrinho de Sarah Ann, Orson F. Whitney transcreveu uma cópia manuscrita da revelação, de posse de seu pai, Horace Whitney. O apóstolo datilografou o texto e enviou sua nova cópia ao Presidente da Igreja, Joseph F. Smith. Orson F. Whitney acreditava que Horace havia recebido o texto diretamente de seu pai, Newel K. Whitney.

A revelação

Quarta-feira, 27 de julho de 1842

Em verdade assim diz o Senhor ao meu servo N[ewel] K. Whitney[:] aquilo que meu servo Joseph Smith fez conhecer a ti e à tua família e a respeito do qual concordaste é correto aos meus olhos e será coroado sobre suas cabeças com honra e imortalidade e vida eterna a toda tua casa, tanto jovem como velho, por causa da linhagem do meu Sacerdócio, diz o Senhor. [E]stará sobre ti e sobre teus Filhos depois de ti, de geração a geração em virtude da promessa Sagrada que agora faço a ti, diz o Senhor. Estas são as palavras que deves pronunciar ao meu servo Joseph e à tua Filha S[arah] A[nn] Whitney: eles devem tomar um ao outro pela mão e tu dirás [“]ambos concordam mutuamente – chamando-os pelo nome – em ser companheiros um do outro, por quanto vivam, preservando-se um para o outro, e de todos os outros e também ao longo da eternidade, reservando apenas aqueles direitos que foram dados ao meu Servo Joseph por revelação e mandamento e por Autoridade legal em tempos passados. Se ambos concordam em fazer o convênio e fazer isto, então dou S. A. Whitney, minha Filha, a Joseph Smith para ser sua esposa, para observar todos os direitos entre ambos que pertencem a essa condição. Eu faço isso em meu próprio nome e em nome da minha esposa, tua mãe, e <em> nome de meus sagrados Progenitores, pelo direito de nascença que é do Sacerdócio, revestido em mim por revelação e mandamento e promessa do Deus vivo obtida pelo Santo Melquisedeque Jetro e outros Santos Pais, comandando todos esses poderes para se concentrarem em ti e, por meio de ti, à tua posteridade para sempre. Estas coisas eu faço em nome do Senhor Jesus Cristo, que através desta ordem ele possa ser glorificado e que através do poder de unção Davi possa reinar como Rei sobre Israel, o qual será doravante revelado. Que imortalidade e vida eterna sejam a partir daqui seladas sobre suas cabeças para sempre e sempre[“]. 

Precauções

Três semanas após a cerimônia secreta, Joseph Smith escreveu uma carta ao casal Whitney, sem nomear Sarah Ann explicitamente. A correspondência não apenas oferece uma perspectiva sobre os sentimentos de Smith, mas também sobre o receio por sua vida e harmonia familiar com sua primeira esposa.

“[M]eus sentimentos são tão fortes por você[s] desde o que transcorreu entre nós, que o tempo da minha ausência [longe] de você[s] parece tão longo e sombrio”, escreveu o Profeta. Escondendo-se das autoridades policiais na casa de Carlos Granger, um não mórmon, Smith suplicava: “se vocês três viessem para me ver (…) isso me daria grande alívio”, afirmando necessitar do socorro “daqueles que me amam” no momento de solidão. Ele reiterava na carta a promessa de dar aos três “a plenitude de minhas bençãos seladas sobre suas cabeças”.

Duas precauções, no entanto, eram requisitadas por Smith: eles não deveriam visitá-lo quando Emma Smith estivesse presente, e a carta deveria ser queimada – instrução que os Whitneys evidentemente não seguiram.

Bênçãos

A união eterna almejada por Smith não considerava muitas diferenças entre o material e o divino. No dia 06 de setembro seguinte ao casamento, Smith deu a Sarah Ann Whitney a escritura de uma propriedade no Condado de Hancock, em documento autenticado pelo pai da jovem esposa plural.

Em 1843, no dia seguinte ao seu décimo-oitavo aniversário, Sarah Ann recebeu de Joseph Smith uma bênção por imposição de mãos, na qual suplicava a Deus para “coroá-la com um diadema de glória nos mundos Eternos”. A Sarah cabia permanecer no “convênio eterno” solenizado entre o casal. O vínculo eterno com a família Whitney é referido uma vez mais: Smith assegurava que “a casa de seu Pai será salva na mesma glória Eterna”. 

Um década de casamentos plurais

Sarah Ann foi descrita como uma das “estrelas guias” das jovens de Nauvoo, segundo sua amiga, Helen Mar Kimball. Ainda que alguns a considerassem “orgulhosa e um tanto excêntrica”, Sarah Ann era, na opinião de Helen Mar, “uma menina com a mente mais pura (…) e temente a Deus”. Helen Mar Kimball foi também selada a Joseph Smith aos 14 anos, em 1843, mesmo ano em que descobriu sobre o matrimônio de Sarah Ann. [1]

No ano em que desposou Sarah Ann Whitney, Joseph Smith vinha praticando casamentos plurais há, no mínimo, uma década, ainda que não tivesse plenamente desenvolvido a ideia de um poder selador que tornasse relacionamentos familiares válidos após a ressurreição.

Introduzindo o princípio do casamento plural sempre de maneira individual e secreta a alguns de seus seguidores, Smith negava publicamente a prática.

Um casamento para encobrir o casamento

Um dos subterfúgios usados por Joseph Smith para ocultar seus matrimônios plurais, protegendo a si e algumas de suas esposas dos olhos “gentios” e do restante da Igreja, eram novos casamentos públicos. Nove meses após ser selada ao Profeta, Sarah Ann Whitney (Smith) casou-se com Joseph C. Kingsbury, em cerimônia civil conduzida pelo próprio Smith. [2] No mês anterior, Joseph Smith havia conferido a Kingsbury uma bênção patriarcal em que prometia que sua esposa Caroline Whitney Kingsbury, falecida, estaria novamente com ele na primeira ressurreição.

Posteridade eterna?

Na divisora revelação de julho de 1843, Deus afirmava, por intermédio de Joseph Smith, que esposas lhe eram “dadas para multiplicar e encher a Terra” e “gerar as almas dos homens” (Doutrina & Convênios 132:63). A furtividade e muito provável baixa frequência de encontros íntimos com suas esposas plurais parecem não ter ajudado Joseph Smith a cumprir em vida um dos propósitos designados para o casamento celestial. E certamente, ele não esperava, e muito menos desejava, encerrar sua carreira profética nas mãos de assassinos, aos 39 anos.

Sarah Ann Whitney não teve filhos com Joseph Kingsbury e seu casamento foi dissolvido após o martírio dos irmãos Smith. Em 17 de março de 1845, Sarah Ann foi selada “para o tempo” ao apóstolo Heber C. Kimball, com quem viria a conceber sete filhos. Na teologia ensinada por Joseph Smith aos seus seguidores mais próximos, essas sete crianças seriam parte da sua posteridade com Sarah Ann Whitney.


Notas

1. Helen Mar Kimball Whitney, “Scenes in Nauvoo after the Martyrdom,” Woman’s Exponent, 1 Mar. 1883, 11:146.  Trechos citados na introdução histórica à revelação, no Projeto Joseph Smith Papers. 

Helen Mar Kimball reconta sua experiência como a esposa plural mais jovem de Joseph Smith em seus diários. Whitney, Helen Mar Kimball (2003), Compton, Todd M.; Hatch, Charles (eds.), A Widow’s Tale: the 1884-1896 Diaries of Helen Mar Whitney, Logan, UT: Utah State University Press.

Depos do assassinato de Joseph Smith, em 1844, Helen Mar casou-se com o irmão mais velho de Sarah Ann, Horace Whitney.

2. Após a revelação sobre a “lei do sacerdócio” ou “pluralidade de esposas” ter sido ditada por Joseph Smith, a pedido de seu irmão, Hyrum Smith, em 12 de julho de 1843, o texto foi mostrado a Emma Smith e a diversas autoridades eclesiásticas em Nauvoo. De acordo com o secretário particular de Joseph Smith, William Clayton, Newel K. Whitney pediu a Joseph C. Kingsbury para copiar o manuscrito. A cópia feita por Kingsbury foi levada pelos santos em seu êxodo rumo ao oeste, e foi a fonte para a publicação da mesma revelação no jornal Deseret News em 14 de setembro de 1852.

Poligamia — Necessária Para Exaltação?

Poligamia é, historicamente, um dos fatores mais formativos e impactantes para a formação, tanto da Igreja Mórmon, como de toda cultura mórmon.

“Isso não é necessário para a minha exaltação.”

Com essa afirmação, contudo, muitos mórmons evitam discutir assuntos sobre sua própria história, ou mesmo sobre a teologia ou a doutrina mórmon, e até mesmo sobre eventos atuais.

Capa do livro ‘Fastasmas da Poligamia: Assombrando os Corações e o Céu de Mulheres e Homens Mórmons’ de Carol Lynn Pearson, que explora a ansiedade de mulheres mórmons contemporâneas com o conceito de poligamia na vida após a morte

Independente de que cada membro da Igreja, individualmente, opte por ignorar sua história ou teologia ou cultura, seria poligamia um princípio “necessário para exaltação” na fé mórmon?

O que disseram Profetas e Apóstolos da Igreja SUD a respeito disso? Continuar lendo

Mórmons Brasileiros Não Crêem em Casamento Eterno?

Será que alguns mórmons brasileiros não acreditam no conceito de “casamento eterno”?

Capa do livro ‘Fastasmas da Poligamia: Assombrando os Corações e o Céu de Mulheres e Homens Mórmons’ de Carol Lynn Pearson, que explora a ansiedade de mulheres mórmons contemporâneas com o conceito de poligamia na vida após a morte

A doutrina oficial da Igreja SUD especifica que casamentos realizados em seus templos sagrados não são dissolvidos com a morte, e portanto, duram por toda eternidade. No jargão mórmon, trata-se de “casamento celestial”, “casamento eterno”, “casamento para o tempo e para a eternidade”, e o “novo e sempiterno convênio”.

O manual para mulheres da Igreja SUD ‘Manual Básico da Mulher SUD’ explica, por exemplo, o conceito doutrinário do “casamento eterno”:

“A vida não termina com a morte, e o casamento também não foi feito para terminar com a morte. Porém, o casamento realizado por oficiais civis ou de outras igrejas, fora do templo, é só para esta vida. O casamento eterno no templo é o único que continuará após a morte, e a exaltação no grau mais alto do reino celestial só vem para aqueles que fazem tal convênio e o observam.”

Não obstante, a reação pública de alguns leitores mórmons levanta a questão se a crença no conceito de “casamento eterno” realmente encontra-se internalizado, e não apenas liturgizado. Tomemos, por exemplo, a reação deste leitor quando confrontado com um texto que explica como o Apóstolo Russell Nelson se tornou o Apóstolo mórmon polígamo mais recente na história da Igreja:

 

“O texto acusa Nelson de polígamo, ao se casar com outra mulher depois da primeira! Mas não argumenta tal suposição, fazendo com que muitos leitores inexperientes interpretem que a Igreja mantem a poligamia. Nelson casou-se novamente; porém, sua primeira esposa já não havia falecido?”

Em parte, a crítica do leitor é razoável. Para aqueles que não acreditam em “casamentos eternos”, Nelson não é, nem nunca foi, polígamo. Sua primeira esposa havia falecido, e consequentemente ele estava, por virtude de sua viuvez, solteiro para se casar novamente. Adicionamos aqui, portanto, para aquele artigo a seguinte nota: Nelson é considerado polígamo apenas por aqueles que acreditam que em “casamentos eternos”, ou seja, que o casamento realizado nos templos é eterno e dura por toda eternidade, como é a doutrina oficial da Igreja SUD.

Não obstante, o próprio texto daquele artigo que já deixara claro isso:

“Nelson foi casado por 60 anos a Dantzel White… 14 meses após o falecimento dela, Nelson casou-se novamente com Wendy Watson…”

Esse trecho claramente deixa explícito que a primeira esposa morreu antes dele se casar com sua segunda esposa. Ademais, o fato de incluirmos um link justamente no trecho “Apóstolo mórmon polígamo” que leva a um artigo que explica justamente o conceito de “poligamia na vida pós-mortal” deixa ainda mais óbvioque  a asserção refere-se ao conceito teológico mórmon de “casamento eterno”.

Quaisquer reclamações sobre confusões quanto ao status de “acusação” de poligamia durante a vida terrena só pode ser atribuída a duas posturas distintas: 1) Leitura descuidada e inatenta, ou 2) Aberta desonestidade intelectual apologética.

Supondo que tal leitor seja, em realidade, intelectualmente honesto e que leia textos atentamente, especialmente antes de resolver criticar ou contestar tal texto como é de se esperar de uma pessoa intelectualmente honesta, então a única conclusão alternativa para tal confusão seria uma terceira alternativa: A completa descrença, ainda que em âmbito subconsciente, no conceito de “casamento eterno”. Tal suspeita só se reforça quando o mesmo leitor insiste em criticar a descrição dos casamentos de Nelson argumentando que é prática comum entre membros da Igreja viúvos casar-se novamente.

Kkkkkkk… aproveitando o deboche de quem está escrevendo isso aí como resposta dada por esta importante página racional, escreva algo sobre a poligamia de membros brasileiros, já que muitos casam-se após uma separação ou morte de cônjuge! Pesquisa também sobre o que é realmente considerado POLIGAMIA!

Certamente pesquisamos “o que é realmente considerado POLIGAMIA (sic)”, e por definição poligamia é definida como a “[m]ultiplicidade simultânea de mulheres para um marido ou de maridos para uma mulher”. Porém, não há necessidade alguma de apelar para o dicionário para “pesquisar o que é realmente considerado POLIGAMIA (sic)”. O Profeta Joseph F. Smith explicou de maneira clara e inequívoca “o que é” e, ainda, a importância crucial para exaltação da poligamia ou “casamento plural” (ênfases nossas):

Algumas pessoas supõe que a doutrina do casamento plural era uma espécie de superfluidade, ou algo não essencial para a salvação ou exaltação da humanidade. Em outras palavras, alguns dos santos disseram, e acreditam, que um homem com uma esposa, selada a ele pela autoridade do Sacerdócio para o tempo e a para eternidade, receberá uma exaltação tão grande e gloriosa, se for fiel, quanto ele possivelmente poderia com mais de uma [esposa]. Quero aqui registrar o meu solene protesto contra essa ideia, pois sei que é falsa.”

Enquanto muitos Apóstolos e Profetas durante os quase 2 séculos da Igreja SUD pronunciaram-se quanto à importância da poligamia para a exaltação, muitos membros assumiram para si a crença de que tratava-se de uma prática meramente opcional, ou temporária e pragmática (i.e., específica para uma determinada ocasião). O Apóstolo John Widtsoe tratou de repudiar tais crenças como infundadas, enquanto o Presidente Jedediah Grant chegou a pregar que Cristo teria sido crucificado por causa de Sua defesa e ensinamento da poligamia. Ademais, a seção 132 de Doutrina e Convênios permanece no cânone SUD como escritura e obra padrão, definindo e pregando a importância da poligamia até hoje.

Tudo posto, poligamia mórmon é um conceito claro e inequívoco. Trata-se de “multiplicidade simultânea de mulheres para um marido” por toda eternidade. Provido, é claro, que os casamentos sejam realizados nos templos sagrados da Igreja SUD. Com isto em mente, Russell Nelson ingressou no rol dos profetas e apóstolos mórmons polígamos em abril de 2006 com seu segundo casamento para “o tempo e para toda eternidade”.

Vejamos outro exemplo de uma leitora que insiste que afirmar o status polígamo de Russell Nelson consista em “distorção” dos fatos.

“Vocês acabam distorcendo fatos.. gostaria de saber mais a respeito da vida poligamia q vcs dizem q ele levava… Por exemplo? Provas”

Como explicamos acima, o texto claramente descreve como Nelson casou-se com uma mulher “para o tempo e para a eternidade” no “novo e sempiterno convênio”, e 14 meses após o falecimento desta, casou-se com outra mulher “para o tempo e para a eternidade” no “novo e sempiterno convênio”. Para quem crê no “novo e sempiterno convênio”, isso claramente constitui numa “[m]ultiplicidade simultânea de mulheres para um marido”.

Supondo que a leitora não seja intencionalmente desonesta, e que portanto não seria displicente de ser descuidada na leitura de um texto o qual pretende criticar, então resta apenas a conclusão de que em realidade não crê no “sempiterno convênio”, e para ela o primeiro casamento de Nelson se dissolveu com o falecimento de sua primeira esposa, e portanto, não se caracteriza poligamia com seu segundo casamento, não havendo assim “multiplicidade simultânea” mas sim multiplicidade serial e não simultânea.

Logicamente, há que se considerar uma quarta alternativa possível. É inteiramente possível que tais mórmons nada mais estejam tentando reduzir uma dissonância cognitiva entre o desejo de negar (ou abandonar) o princípio da poligamia sem descreditar a importância do passado polígamo na história mórmon.

Contudo, tal hipótese não é realmente uma “quarta alternativa” pois não deixa de ser uma postura intelectualmente desonesta, pois aberta e francamente ignora, e finge não existir, uma realidade teológica que impacta a vida pessoal de milhares de mulheres. Por exemplo, um estudo recente demonstrou que milhares de mulheres mórmons, membros d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, sofrem na atualidade com a perspectiva de poligamia na vida pós-mortal.

O estudo, conduzido pela pesquisadora Carol Lynn Pearson, ouviu de mais de 8 mil respondentes mórmons que apenas 15% deles sentiam-se à vontade com o conceito de poligamia na vida após a morte, enquanto 85% sentiam-se incomodados, desanimados, desconfortáveis ou abertamente em oposição à prática. Pearson relata, como exemplos, testemunhos de pessoas que recusaram-se namorar ou envolver-se com pessoas viúvas justamente para evitar os conflitos matrimoniais gerados pela crença de ter que dividir (ou perder) seu/sua cônjuge no futuro (da vida pós-mortal).

“Em nossa Igreja, com sede em Salt Lake City – não nos grupos de dissidentes fundamentalistas, muitas vezes violentos ou bizarros como o que caiu na infâmia por causa de Warren Jeffs, mas a Igreja SUD do Coro do Tabernáculo, Mitt Romney, e Donny e Marie Osmond – a Igreja que eu frequento semanalmente – poligamia não é um artefato em um museu. Ela está viva e não muito bem, um fantasma que tem uma vida escura própria – escondida nos recessos da psique Mórmon, causando profunda dor e medo, assegurando mulheres de que elas ainda são objetos, danificando ou destruindo casamentos, trazendo caos para as relações familiares, levando muitos a perder a fé na nossa Igreja e em Deus. Apesar de seu dano óbvio, ao Fantasma é dado um lugar de honra na mesa da família.” (‘Fastasmas da Poligamia: Assombrando os Corações e o Céu de Mulheres e Homens Mórmons‘, p.7)

No livro onde descreve os achados de seu estudo, Pearson reconta testemunhos de membros ativos que sofreram para lidar com as ramificações da poligamia eterna. Mórmons da Igreja SUD podem não praticar poligamia abertamente com os de outras igrejas ditas “fundamentalistas”, mas a Igreja ainda crê na doutrina de poligamia e ela ainda pratica-a de forma mais sutil e esotérica, mas não menos real.

Em conclusão, notamos 4 alternativas possíveis para explicar as reações negativas de mórmons membros da Igreja SUD ao lidar com a realização que o seu atual (ainda presuntivo) Profeta e Presidente da Igreja é (de acordo com sua própria fé e doutrina) polígamo:

  1. Leitura descuidada e inatenta;
  2. Aberta desonestidade intelectual apologética;
  3. Descrença no conceito teológico de “casamento “eterno”;
  4. Desonestidade intelectual apologética motivada pelo desconforto com o princípio fundamental da poligamia.

O que você acha? Mórmons brasileiros realmente crêem em “casamento eterno”? Ou apenas fingem crer em seus cotidianos religiosos por tratar-se de um ritual apenas nominalmente importante? Ou crêem mas preferem fingir que poligamia não é mais um princípio válido? Ou crêem em “casamento eterno” mas preferem mentir que não crêem em poligamia pelo desconforto com esse princípio?

Joseph F. Smith: Sem Poligamia Não Há Exaltação

O Profeta Joseph F. Smith explicou que é impossível para um homem ser exaltado no Reino Celestial com apenas uma esposa, em discurso no histórico Tabernáculo Mórmon, em 7 de julho de 1878:

Joseph F. Smith serviu como Presidente da Igreja SUD (1901-1918), Conselheiro na Primeira Presidência (1866-1877, 1880-1887, 1889-1901), e Apóstolo (1866-1918).

Continuar lendo

Poligamia é Moralmente Aceitável Para 17%

Poligamia é considerada “moralmente aceitável” por 17% dos americanos, o maior índice registrado desde 2003. O resultado é da Pesquisa sobre Valores e Crenças do Instituto Gallup, realizada em maio passado.

Mórmons poligamistas. Mórmons fundamentalistas.

Janelle, Christine, Kody, Meri e Robyn Brown. (Imagem: TLC)

Em 2016, o percentual havia sido de 14%. No primeiro ano em que a pergunta sobre poligamia foi incluída, em 2003, o arranjo matrimonial foi considerado moralmente aceitável por apenas 7% dos entrevistados. Continuar lendo

Minha Vida Como Mórmon e Polígama

Marianne Watson cresceu numa comunidade mórmon fundamentalista em Utah com seu pai, sua mãe, seus 49 irmãos e irmãs, e as outras 6 esposas de seu pai. Neste vídeo, ela narra, com singeleza e honestidade, as alegrias e as dificuldades do cotidiano familiar polígamo, sua decisão em participar do “Princípio”,  e a convivência com as esposas-irmãs.

“Mórmon fundamentalista” designa mórmons que praticam (ou acreditam que devem praticar) o casamento plural, entre outros princípios, e que não estão associados à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Em 1890, a Igreja SUD oficialmente aboliu a prática, e pelo menos desde 1909 excomunga praticantes ou mesmo simpatizantes do fundamentalismo mórmon. Continuar lendo

Historiadora Lança Novo Livro Sobre Poligamia Mórmon

Por que mulheres mórmons no século 19 aceitavam e defendiam a prática da poligamia, tida pela sociedade ocidental como uma perversão? Como essa sujeição se harmonizava com suas ideais de sufrágio universal e autonomia feminina?

Essas são algumas das questões abordadas pela historidora Laurel Thatcher Ulrich em seu novo livro, A House Full of Females: Plural Marriage and Women’s Rights in Early Mormonism, 1835-1870 (Uma Casa Cheia de Mulheres: Casamento Plural e Direitos das Mulheres nos Primórdios do Mormonismo, 1835-1870).

historiadora poligamia mórmon

Laurel Thatcher Ulrich examina uma colcha antiga. Foto: Erik Jacobs | Universidade de Utah

O título Uma Casa Cheia de Mulheres faz referência a uma entrada do diário de Wilford Woodruff, durante uma visita à Igreja, quando ele vê a Sociedade de Socorro local, presidida por sua esposa, costurando e fazendo colchas. A observação chamou a atenção da autora por sugerir o contraste entre a submissão das mulheres à ordem patriarcal e o ativismo feminino mórmon. Em 1870, Utah foi o segundo estado americano a garantir o direito de voto das mulheres, meio século antes do voto feminino ser garantido por uma emenda constitucional. Continuar lendo

Joseph Smith, 211 Anos

Celebramos hoje os 211 anos de nascimento de Joseph Smith Jr., profeta fundador do mormonismo.

js-211

Selecionamos abaixo 22 artigos e citações, a seu respeito ou de sua autoria, publicados no Vozes Mórmons em 2016.

Continuar lendo

Mórmons se Opõem a Descriminalizar Poligamia

Pesquisa de opinião pública entre eleitores no estado de Utah revela que a maioria crê que poligamia não deve ser descriminalizada.

Capa do livro 'Fastasmas da Poligamia: Assombrando os Corações e o Céu de Mulheres e Homens Mórmons

Capa do livro “Fastasmas da Poligamia: Assombrando os Corações e o Céu de Mulheres e Homens Mórmons”, que explora a persistente presença do tema na teologia mórmon

A pesquisa, encomendada pelo jornal The Salt Lake Tribune e o Instituto Hinckley de Ciências Políticas, e conduzida pela firma Dan Jones & Associates, determinou que Continuar lendo

Profetas Mórmons: James Harmston

Profetas vivos são a parte mais idiossincrática da história, da teologia e da tradição mórmons. Tanto que o primeiro hinário mórmon, de 1835, continha uma estrófe celebrando a natureza ímpar desse quesito fundamental:

“Uma igreja sem um Profeta,
Não é a igreja para mim,
Ela não tem um cabeça para liderá-la,
Não pertenceria a uma assim.”¹

O conceito de profetas vivos permanece firme e forte, com mórmons cantando hoje “Graças damos, ó Deus, por um profeta; Que nos guia no tempo atual”. A celebração, e reverência, de profetas passados é quase tão forte quanto o culto aos profetas vivos atuais, inspirando publicações de biografias autorizadas e livros didáticos para mantê-los vivos na memória coletiva.

Antonio_Balestra_-_Prophet_Isaiah

Profeta Isaías, de Antonio Balestro

Não obstante, seja por divergência de tradições, seja por falta de interesse ideológico ou eclesiástico, ou por apatia literária ou historiográfica, muitos profetas da história e tradição mórmons são ignorados ou esquecidos. Esta série de artigos servirá para explorar as biografias e os legados desses líderes mórmons com sucintas introduções a seus chamados proféticos.

O artigo de hoje discutirá James Harmston.

Continuar lendo

Joseph Smith e Violência Doméstica

Durante as discussões sobre a seção 101 de Doutrina & Convênios e o seu contexto histórico, recebemos solicitações para explicitar melhor sobre o tema de violência doméstica na família do Profeta Joseph Smith.

Retrato de Emma Smith (Cortesia dos Arquivos SUD)

Retrato de Emma Smith, esposa de Joseph Smith (Cortesia dos Arquivos SUD)

atendendo a pedidos, eis uma breve exposição: Continuar lendo

Moça Mórmon Muda História

Uma jovem moça de apenas 16 anos de idade, ganhando sua vida como empregada doméstica que dorme na casa em que trabalha foi o pivô de um evento fundamental na história do mormonismo, e até influenciou nas escrituras mórmons.

Jovem empregada ilustrada por Gerrit Dou em sua 'Moça Pica Cebola' (1646)

Jovem empregada ilustrada por Gerrit Dou em sua ‘Moça Pica Cebola’ (1646)

Ontem publicamos o texto de uma seção de Doutrina e Convênios que figurou como escritura sagrada no cânone mórmon entre 1835 e 1876, quando foi subitamente removida das obras padrão. Hoje discutiremos como uma adolescente influenciou esta e outras mudanças. Continuar lendo

Doutrina & Convênios: Seção Removida

Uma seção de Doutrina e Convênios desaparece subitamente, sem quaisquer explicações, e a maioria dos membros da Igreja SUD desconhece de onde veio a seção, nem sabe por que ela foi removida das escrituras.

A primeira edição das revelações ditadas por Joseph Smith foi publicada em 1833 sob o título ‘Livro de Mandamentos’. A segunda edição, em 1835, teve o título alterado para ‘Doutrina e Convênios’, e o título permaneceu por edições subsquentes.

Edição “quádrupla” da Igreja SUD com todos livros canônicos, incluindo a Doutrina & Convênios, junto a Bíblia, o Livro de Mórmon, e a Pérola de Grande Valor

A primeira edição de 1835 de Doutrina e Convênios foi aprovada por Joseph Smith e pela Primeira Presidência, e oficialmente canonizada por voto de apoio da Igreja em assembleia em 17 de agosto de 1835. Não obstante, a seção 101 incluída nessa edição, havendo permanecido por décadas e através de edições diferentes, simplesmente foi removida na edição de 1876, sem explicações.

Eis o texto da seção 101 (das edições de Doutrina e Convênios entre 1835 e 1876) na íntegra, pela primeira vez em português: Continuar lendo

Utah Quer Recriminalizar Poligamia

Mórmons poligamistas. Mórmons fundamentalistas.

Janelle, Christine, Kody, Meri e Robyn Brown. (Imagem: TLC)

O Legislativo de Utah aprovou em sua primeira instância o projeto de lei que poderá recriminalizar a prática da poligamia. De autoria do deputado Mike Noel, o projeto foi aprovado na última quarta-feira e deverá ainda ser votado pelo senado estadual. Continuar lendo

Orson Pratt: Politeísmo na Doutrina Mórmon

O Apóstolo Orson Pratt  discursou sobre a pluralidade de Deuses na doutrina Mórmon no histórico Tabernáculo em Salt Lake City em fevereiro de 1855:
CHL PH 4258it014 (1)
Continuar lendo