Após uma longa carreira profissional fazendo lobby político pela A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias junto à Assembléia Legislativa de Utah, e gerenciar parte da campanha política da Igreja SUD para remover direitos civis de pessoas LGBT, Bill Evans anunciou sua aposentadoria de lobista e aceitou unir-se ao conselho diretor da ONG de mórmons LGBT Afirmação.
Bill Evans, à direita, assistindo sessão da Assembléia Legislativa de Utah em 2012 fazendo lobby pela Igreja SUD (Foto: Leah Hogsten | The Salt Lake Tribune)
Evans cumpriu função integral durante a campanha mórmon de 2008 para remover os direitos adquiridos de homossexuais se casarem legalmente no estado da Califórnia, e a participação da Igreja SUD nessa eleição, tornada pública apesar de objeções da liderança da Igreja, resultou em protestos e muita mídia negativa. Além de investir em dezenas de milhões de dólares em campanhas publicitárias em 2009 para aliviar sua imagem pública, a Igreja decidiu aproximar-se da comunidade LGBT em Utah para lhes ajudar a passar leis antidiscriminação que há anos viviam obstruídas por legisladores mórmons.
Como lobista SUD junto a esses legisladores, coube a Evans concretizar essa aproximação, e a experiência mudou sua visão de mundo. Ao se aproximar da liderança da Afirmação, Evans se surpreendeu com a cordialidade e a amabilidade com a qual foi recebido entre os mórmons LGBT, especialmente considerando todo o seu trabalho no ano anterior para se opor aos seus direitos civis.
“A graça e a abertura consistentemente extendidas a mim por membros da comunidade LGBT foi parte de uma viagem transformadora para mim. Eu sou grato, e honrado, por este convite para entrar em serviço mais profundo com essa comunidade no conselho da Afirmação.”
A mudança no conselho ocorre num momento delicado nas relações entre a comunidade LGBT e a Igreja SUD. Em novembro do ano passado descobriu-se, também a contragosto da liderança mórmon, que a Igreja aumentou a institucionalização de sua discriminação contra famílias LGBT, inclusive crianças em lares LGBT. Desde então, houve um alarmante aumento na taxa de suicídios entre jovens SUD, particularmente afetados por essa política discriminatória.
Muitos aliados da Afirmação enxergam essas mudanças como positivas, numa tentativa de aproximar os interesses das duas organizações (i.e., Igreja SUD e a ONG) em benefício da comunidade minoritária e discriminada de mórmons LGBT. Contudo, muitos membros da própria comunidade veem-na com maus olhos, exemplificando uma tendência na nova liderança da ONG há uma década de se preocupar mais em ser reconhecida e vindicada pela Igreja do que em proteger os membros da comunidade, em especial os mais vulneráveis entre eles: os jovens adolescentes que estão em casa e no armário.
Diz um comentarista:
“Eu imagino que o Sr. Evans seja uma pessoa sincera e decente. Contudo, tenho certeza que sua lealdade está, acima de tudo, com a Igreja Mórmon. Apenas isso o torna inadequado para servir no conselho da Afirmação, na minha opinião. Acho que é normal que membros do conselho sejam ativos na Igreja, porém suas lealdades devem estar, acima de tudo, com a comunidade LGBT.”
E ainda:
“A Afirmação quer que pessoas que foram abusadas pela igreja simplesmente desencanem, abaixem a cabeça, e desapareçam entre a multidão SUD. Já que as pessoas não estão indo à igreja, os líderes estão trazendo a igreja a elas… bondade deles.”
E ainda:
“Estou me sentindo melhor hoje, mas decidi que pra mim basta. Eu vou pedir resignação do comitê [de voluntário na Afirmação] até o fim da semana. (…) Eu não quero ter mais nada a ver com a Afirmação. Eles estão mais preocupados com reunificar-se com a igreja. (…) Pra mim chega. Não quero continuar a me associar com uma organização que contribui para a instabilidade mental e a bagagem emocional de pessoas gays. Com o chamado de Bill Evans para o Conselho, não há mais dúvidas qual organização está no controle da Afirmação.”
E ainda:
“As vítimas de abuso psicológico que são incapazes de escapar do abusador.”
A Afirmação foi fundada em 1977 e por décadas serviu como o maior grupo de apoio a mórmons e ex-mórmons dentro da comunidade LGBT, oferecendo suporte psicológico, voluntarismo e atenção a potenciais suicidas, apoio durante a crise de AIDS, ativismo público e críticas à discriminação institucional praticada pela Igreja SUD e pelo estado de Utah e contra práticas de tortura física e psicológica comuns na universidade mórmon BYU.
Infelizmente, parece haver uma tendência a evasão e esvaziamento nos róis da Afirmação na última década, e em especial nos últimos anos, devido à percepção de mudança em foco de cuidar da comunidade para acomodar-se à liderança da Igreja SUD. Certamente dialogar com a Igreja é um progresso, considerando que antes de 2009 a liderança da Igreja peremptoriamente recusava-se a reconhecer a existência da Afirmação ou de outros grupos de gays mórmons. E é inegável que esse diálogo gerou alguns frutos positivos. Contudo, não se pode ignorar os testemunhos dos ativistas in loco e da marcada piora nas relações nesse último ano. Apenas o tempo dirá quanto e a quem será benéfico a inclusão de um lobista da Igreja no conselha da maior ONG de e para mórmons LGBT.
O que você acha? Será uma influência positiva para aumentar o diálogo entre a comunidade LGBT e a Igreja SUD? Ou será apenas mais um mecanismo de controle e repressão institucional sobre uma outrora independente e autodeterminada comunidade?