Liberdade Religiosa = Intolerância e Discriminação?

A Igreja Mórmon, finalmente, admite para seu público brasileiro, ainda que tacitamente, que “liberdade religiosa” é o seu código idiossincrático para “intolerância contra e discriminação de pessoas LGBT”.

Presidente Ronald A. Rasband da Presidencia dos Setenta Fotografia: Mark A. Philbrick/BYU Copyright BYU Photo 2015 All Rights Reserved photo@byu.edu (801)422-7322

Então Presidente Ronald A. Rasband da Presidência dos Setenta
Fotografia: Mark A. Philbrick/BYU
Copyright BYU Photo 2015

A revista oficial da Igreja SUD A Liahona reproduz, em parte, um discurso de um ano atrás proferido pelo então Presidente dos Setenta Ronald Rasband (que, desde então, foi promovido a Apóstolo), onde Rasband tenta justificar os investimentos financeiros e políticos da Igreja SUD contra direitos civis de pessoas e famílias LGBT como uma cruzada para “defender liberdade religiosa”.

Rasband abre seu discurso intitulado “Liberdade Religiosa e Equidade para Todos”, e publicado sob o título “Fé, Equidade e Liberdade Religiosa” em português, admitindo que a maioria das pessoas já percebeu que a preocupação da Igreja com “liberdade religiosa” tem mais a ver com se proteger de críticas por intolerância e discriminação:

“Sinto que, para alguns de vocês, a expressão ‘liberdade religiosa’ se pareça mais com ‘liberdade para discriminar’.”

Rasband, em seguida, admite que irá redefinir o significado da expressão “liberdade religiosa” para se adequar à necessidade da Igreja, a saber, de melhorar e gerenciar a imagem da marca “Igreja SUD” ou “Igreja Mórmon” desde que ficou manchada com acusações de homofobia e desde a repercussão pública da descoberta de suas táticas políticas em 2008.

“Quero falar-lhes sobre esse ponto de vista e ajudá-los a entender o que a Igreja quer dizer quando fala de liberdade religiosa e por que isso é tão fundamentalmente importante para o futuro de vocês e para A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Também pretendo abordar algumas desconfianças e equívocos que alguns de vocês talvez tenham no tocante à liberdade religiosa.”

Rasband finge que criticar a posição homofóbica da Igreja é o mesmo que criticar o fato da Igreja ter vindo à público com uma posição oficial. Ele também finge que criticar uma posição de outrém é o mesmo que tolher o direito de expressar tal posição.

“Alguns podem estar tendo dificuldade para entender o papel da religião na sociedade, na política e nas questões cívicas. Alguns de vocês se perguntam por que os grupos religiosos se envolvem na política, para começo de conversa, e geralmente se mostram céticos em relação às motivações dos religiosos ao fazê-lo. Nos últimos anos, a voz coletiva de grupos que acham que a religião não deve ter papel algum nas deliberações políticas se tornou mais estridente.”

Rasband oferece obviedades sobre a importância da liberdade de expressão e da importância de cidadãos exercendo seus direitos políticos ao se expressarem publicamente, naturalmente buscando o ponto comum d’onde criticar aqueles que ousam criticar a posição da Igreja, novamente ignorando ou fingindo ignorar que criticar uma posição não é o mesmo que proibir sua expressão.

“A oportunidade de envolver-se no processo político é um privilégio concedido às pessoas da maioria das nações. As leis e legislações desempenham um papel didático importante na formação da cultura social e moral. Precisamos que todo indivíduo da sociedade assuma um papel ativo, engajando-se no diálogo cívico que ajuda a estruturar leis e legislações que sejam justas para todos.”

Rasband oferece dois exemplos práticos da vida real para ilustrar o conceito de “liberdade religiosa”. Infelizmente, nenhum deles o exemplifica em absolutamente nada.

Ao invés de usar um exemplo concreto de restrição à “liberdade religiosa”, como se vê na Rússia atualmente, quando até missionários mórmons são expulsos do país por pregação religiosa, Rasband usa seu primeiro exemplo para descrever um caso de homofobia e discriminação no ambiente de trabalho:

“Sobre o que estamos falando quando nos referimos à liberdade religiosa? Vou contar-lhes a história de duas pessoas. Ao fazê-lo, gostaria que pensassem em como se sentiriam se vocês fossem um desses indivíduos.

A primeira história é sobre alguém que vou chamar de Ethan. Ele havia iniciado recentemente seu trabalho numa carreira profissional que sempre havia desejado seguir e queria deixar uma boa impressão. Chegava cedo ao trabalho e saía tarde. Pegava projetos extras e fazia um excelente trabalho. Também era benquisto pela maioria de seus colegas e gostava do emprego. Certo dia, ao almoçar com alguns colegas de trabalho, sentiu-se à vontade para contar-lhes que era gay. Seguiu-se um silêncio constrangedor porque ninguém sabia o que responder. Ethan ficou decepcionado com a resposta fria de seus colegas, sentindo-se magoado e rejeitado.

Depois daquele almoço, as coisas começaram a ficar cada vez mais constrangedoras para Ethan no trabalho. Ele começou a sentir-se vulnerável e desvalorizado. Viu-se excluído de grandes projetos e atividades sociais após o trabalho, e sua produtividade começou a ficar prejudicada porque ele sentia que não fazia parte do grupo e que não era benquisto. Após alguns meses, foi mandado embora porque seu chefe achou que ele não estava acompanhando as demandas. Apesar de todas as alegações em contrário, Ethan sabia que tinha sido demitido por ser gay.”

O segundo exemplo de Rasband lida apenas em parte com “liberdade religiosa”. Na primeira parte de sua estória, Rasband nada mais relata do que uma normal discordância de opiniões e crenças. Debates públicos podem ser desconfortáveis, especialmente quando se mantém uma posição minoritária, mas é uma parte natural da vida. Rasband, por exemplo, ignora que o inverso ocorre em regiões de Utah onde o mormonismo é a religião majoritária. Outras pessoas desgostando ou discordando de suas crenças não lhe restringe suas liberdades de exercê-las ou praticá-las.

A segunda parte da estória de Rasband pode, dependendo dos específicos, constituir um cerceamento de “liberdade religiosa”. Contudo, há que se especificar a qualificação “dependendo dos específicos”, nuance que Rasband prefere fingir não existir.

Uma empresa, nos EUA, tem o direito legal para proibir discussões sobre assuntos não relacionados com trabalho durante a jornada laboral ou em local de trabalho. Ela, contudo, não tem o direito de discriminar um grupo específico (e.g., proibir mórmons de discutir religião mas não proibir batistas).

“Agora quero contar-lhes a respeito de Samantha. Samantha tinha acabado de começar a trabalhar nos escritórios administrativos de uma universidade local. Estava entusiasmada em trabalhar num ambiente estimulante, repleto de pessoas com modo de pensar, ideias e formações diferentes. Certo dia no trabalho, uma colega foi falar com Samantha, dizendo ter ouvido dizer que Samantha era mórmon, e perguntou se isso era verdade. Samantha alegremente respondeu que sim, mas a pergunta seguinte a surpreendeu.

“Então por que você odeia gays?” perguntou a colega de trabalho. Samantha ficou surpresa com a pergunta, mas tentou explicar sua crença em Deus e no plano de Deus para Seus filhos, que incluía diretrizes sobre a conduta moral e sexual. A colega de trabalho replicou dizendo que o restante da sociedade havia progredido e superado essas crenças. “E, além disso”, disse ela, “a história está repleta de pessoas que usaram ensinamentos religiosos para suscitar guerras e marginalizar grupos vulneráveis”.

Samantha voltou a declarar suas convicções e seu entendimento do amor de Deus por todas as pessoas e depois pediu à colega de trabalho que respeitasse seu direito de acreditar. A colega sentiu-se compelida a relatar a conversa que tiveram a outros funcionários e, ao longo das semanas seguintes, Samantha se sentiu cada vez mais isolada à medida que outros colegas de trabalho a confrontaram com perguntas e ataques.

O chefe de Samantha, vendo que as conversas religiosas aumentavam no local de trabalho, advertiu Samantha de que o proselitismo no ambiente de trabalho colocaria o emprego dela em risco. Seu trabalho, como o de Ethan, começou a ficar prejudicado. Em vez de arriscar-se a ser demitida, Samantha começou a procurar outro emprego.”

A “Samantha”, na estorinha de Rasband, poderia facilmente processar – e ganhar – seu chefe por discriminação, caso conseguisse demonstrar que ela e apenas ela, enquanto mórmon, fora recriminada por “proselitismo”. Rasband não inclui essa informação porque ele quer fingir que “liberdades religiosas” estão sendo cerceadas nos EUA, o que claramente não é verdade.

Para escorar essa farsa, Rasband apela para o óbvio senso comum de que pessoas “não devem ser demitidas por ser gay” (embora isso ocorra em empresas de propriedade da Igreja SUD, especialmente em suas escolas!) e “não devem ser intimidadas por ser religiosas” (embora isso também ocorra em empresas de propriedade da Igreja SUD, especialmente em suas escolas!).

“Ora, essas são histórias hipotéticas, mas também não são. Há muitas Samanthas e Ethans. Seja como for que decidamos viver e sejam quais forem as nossas escolhas, todos temos em comum a nossa condição humana e o desejo de justiça, equidade e bondade. Ethan não devia ter sido demitido por ser gay, e Samantha não devia ter sido intimidada por ser religiosa. Ambos foram criticados e julgados e sofreram retaliação injustamente.”

Rasband tenta equiparar homofobia com preconceito religioso, porém fingindo ignorar que a atual crítica a mórmons, crítica que a Igreja está tentando defletir, não é por ser mórmon em si, ou por ser religioso, mas por ser homofóbico.

Em outras palavras, Rasband está comparando a injustiça de discriminar pessoas por sua orientação sexual com a suposta injustiça de criticar pessoas que assim discriminam.

“Na sociedade atual, é politicamente correto ter empatia pela situação de Ethan, porém menos pela de Samantha. Ethan pode ter seu caso escolhido por um grupo de advogados como outro exemplo de discriminação antigay. E de fato, ele merece proteção.

Mas, e Samantha? Quem vai defender o direito dela a uma consciência religiosa? E o que dizer do direito dela de viver de modo autêntico como uma pessoa de fé, comprometida a amar e a servir a todos, mas também com o direito de escolher o que é certo e errado e de viver sua vida de acordo com isso?”

Para Rasband, quando alguém critica alguém por ser homofóbico ou por uma opinião homofóbica, ela está criticando “modo autêntico… de fé” e “amar e a servir a todos”. Rasband parece não compreender, ou finge não compreender, que é possível criticar a homofobia e ainda assim defender ou elogiar o “modo autêntico… de fé” e a vontade de “amar e a servir a todos”.

Rasband parece tampouco compreender, ou finge não compreender, que criticar uma crença não remove do crente o seu “direito” de crer ou viver sua crença.

“Nossa sociedade se tornou tão cega em sua cruzada por reparação pela discriminação injusta sofrida por determinada classe de pessoas que agora corre o risco de criar outra classe vitimizada: as pessoas de fé, como vocês e eu.”

Rasband esquece, ou finge esquecer, que mórmons eram criticados por ser racistas até 1978, e segundo sua lógica, constituiam uma “classe vitimizada” por uma “sociedade… cega em sua cruzada por reparação pela discriminação injusta sofrida” por negros.

“Já existem algumas escolas religiosas que estão sendo questionadas por exigirem que os alunos e professores sigam um código de honra que requer fidelidade e castidade.”

Rasband mente descaradamente quando sugere que as críticas às universidades mórmons que discriminam contra alunos LGBT se baseiam nas exigências de “fidelidade e castidade”. Críticas contra discriminação se baseiam nas exigências discriminatórias, ou seja, exigir posturas diferentes de grupos de pessoas diferentes.

Um exemplo histórico fácil e simples, o qual Rasband ignora ou finge ignorar, é o fato que a Igreja SUD discriminava contra alunos negros proibindo-lhes casar-se nos templos mórmons, privilégio disponível para todos alunos não-negros. Não se criticava a exigência de “fidelidade e castidade” como pré-requisito para casar-se no templo, mas a discriminação contra negros que nem com “fidelidade e castidade” poderiam casar-se lá.

“Há diretores executivos de grandes empresas que têm sido marginalizados ou obrigados a demitir-se devido a pontos de vista religiosos pessoais que já não são politicamente aceitáveis.”

O que Rasband desonestamente esconde aqui é que esses “pontos de vista religiosos pessoais” que “não são politicamente aceitáveis” é homofobia. Ninguém está sendo marginalizado ou obrigado a demitir-se porque crê em poligamia celestial, ou em virar deuses e criar planetas, ou ameríndios descendentes de hebreus. Homofobia, assim como racismo, é um tipo de preconceito e discriminação cada vez menos “politicamente aceitável”. Quantos desses diretores executivos não sofreriam a mesma pressão hoje se a Igreja SUD voltasse a ensinar que negros são representantes do Diabo?

“E alguns negócios foram obrigados a fechar porque seus proprietários expressaram o que sua consciência lhes ditava.”

Rasband desonestamente omite que essas pressões vieram como retaliação à doações para a campanha política em 2008 para remover direitos civis de homossexuais, e que essa “consciência [que] lhes ditava” não era ninguém menos que a liderança da Igreja ordenando membros a doarem para a campanha.

“A despeito de tudo o que vocês tenham ouvido ou lido ao longo dos anos, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias sempre defendeu a liberdade de escolha e de consciência.”

Exceto quando se publicava verdades sobre o Profeta, porque aí ele ordenava o confisco e a destruição de prensas privadas.

Exceto quando mórmons decidem seguir as escrituras e suas consciências e viver a prática de poligamia em contradição aos desejos dos profetas atuais, porque aí a Igreja os persegue e os entrega às autoridades.

Exceto quando a Rússia realmente infringe contra liberdades religiosas de seus cidadãos, e a Igreja SUD emite nota afirmando intenção de cooperar com o governo russo, enquanto dezenas de outras igrejas criticam e lutam abertamente para combater essa violação de direitos humanos básica.

“Há muitos anos, o Profeta Joseph Smith (1805–1844) escreveu: “[Cremos] (…) que todos os homens foram criados iguais e que todos têm o privilégio de pensar por si mesmos no tocante a todos os assuntos relacionados à consciência”.”

E Rasband finge que alguém está impedindo mórmons de “pensar por si mesmos”. Criticar a opinião de algumas pessoas não é o mesmo que cercear-lhe o “privilégio de pensar por si mesmos”.

E, falando em “pensar por si mesmos”, qual é a posição da Igreja SUD sobre deixar seus membros “pensar por si mesmos”?

“Ele prosseguiu, dizendo: “Se (…) tenho a disposição de morrer por um ‘mórmon’, (…) estou igualmente pronto para morrer em defesa dos direitos de um presbiteriano, um batista ou um bom homem de qualquer outra denominação; porque o mesmo princípio que destruiria os direitos dos santos dos últimos dias também destruiria os direitos (…) de qualquer outra denominação que venha a ser impopular ou demasiadamente fraca para defender-se”.”

Concordamos com os pensamentos de Smith, como a maioria das pessoas dedicadas à ideia de um estado democrático e livre. (Esqueçamos, por agora, quando Smith liderou um exército mórmon para expulsar de suas casas mórmons e não mórmons que discordavam dele)

“Então, qual é a posição da Igreja no tocante à liberdade religiosa? Posso assegurar-lhes que os apóstolos e profetas, sob a inspiração do céu, têm ponderado significativamente essa questão.”

Como se pode ver, até aqui não se falou em “liberdade religiosa” propriamente dita, quanto se falou em críticas que a Igreja SUD e seus membros sofrem por ensinamentos e práticas discriminatórias contra pessoas e famílias LGBT.

“Cremos em seguir os mandamentos de Deus, que visam a garantir nossa felicidade eterna. Contudo, “Deus não vai forçar nenhum homem a ir para o céu”. Cremos em criar espaço para que todos vivam de acordo com sua consciência, sem infringir os direitos e a segurança dos outros.”

Exceto quando a Igreja SUD decide investir centenas de milhões de dólares para “infringir os direitos” de pessoas e famílias LGBT.

“Quando os direitos de um grupo colidem com os direitos de outro, devemos seguir o princípio de sermos os mais justos, equitativos e sensíveis para com o maior número de pessoas possível. A Igreja acredita em “equidade para todos” e ensina isso.”

Se essa é a posição oficial da Igreja, depois que ela perdeu sua última batalha possível nos EUA, então porque está agora tentando “infringir os direitos” de pessoas e famílias LGBT no México?

“Proteger a consciência tem a ver com salvaguardar o modo de pensar e sentir de uma pessoa e também o seu direito de exercer essas crenças. Estou falando de alguém que nos diz que os pensamentos, os sentimentos e as crenças que temos não são permitidos, valorizados ou aceitáveis porque nossos pontos de vista não são compartilhados pela maioria das pessoas. Foi travada uma guerra no céu por causa do arbítrio, e é uma grave violação desse arbítrio forçar-nos a trair nossa consciência porque nossos pontos de vista não se alinham com os da multidão.”

Novamente, criticar sua posição como discriminatória e preconceituosa não é o mesmo que “forçar” a “trair” sua “consciência”. Todo membro da Igreja, e a Igreja SUD em si, tem plenos direitos para crer e ensinar o que melhor lhes aprouver. Ninguém vai lhes forçar a crer ou pensar ou ensinar algo que não lhes seja aprazível. Contudo, ninguém é obrigado a silenciar-se ao ver crianças e jovens LGBT sendo discriminados, menosprezados, e levados a suicídio em números recordes.

“Por favor, não me entendam mal. Quando me refiro a sermos autênticos, não quero dizer que o Senhor nos dá passe livre para viver da maneira que quisermos, sem nenhuma consequência.”

Em outras palavras, sejam autênticos, mas desde que dentro da autenticidade ditada por seus líderes eclesiásticos.

Ainda somos responsáveis perante Ele por nossas decisões. Ele disse: “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5:48). O mandamento de buscar perfeição implica que comecemos de onde estamos e procuremos a ajuda do Senhor para elevar-nos até onde Ele deseja que cheguemos. Para sermos verdadeiros a nosso autêntico eu, é preciso esforço contínuo para aumentar nossa luz, nosso conhecimento e nossa compreensão.”

O que uma jornada pessoal e espiritual tem a ver com “liberdade religiosa” Rasband não explica adequadamente.

“A geração mais jovem é a mais “ligada” da história. Eles estão sempre conectados. E vocês sabem que tudo que há na Internet sempre é perfeitamente 100% correto, certo? É claro que não! Por isso, não acreditem em tudo o que veem na Internet sobre a Igreja e sobre sua posição em relação aos direitos dos gays.”

É lógico que Rasband não cita uma única inverdade publicada “sobre a Igreja e sobre sua posição em relação aos direitos dos gays”. Ele sabe que críticas que demonstram que a Igreja lutou e financiou a luta contra direitos civis “dos gays” até 2008 são irrefutáveis. Ele sabe que a Igreja só abrandou sua postura para alguns direitos após o desastre de relações públicas de 2009, e ainda assim exigindo exceções legais para que ela própria pudesse continuar discriminando contra seus funcionários LGBT. Rasband pode sucumbir a retória desonesta, mas felizmente não se reduz a mentiras tão óbvias.

“Um exemplo recente da abordagem “equidade para todos” da Igreja ocorreu em janeiro de 2015, quando a Igreja realizou uma entrevista coletiva para a imprensa com três apóstolos e uma irmã da presidência geral das Moças para lembrar a nossos membros, à comunidade e à assembleia legislativa estadual de Utah que a Igreja é a favor de uma abordagem equilibrada que garanta os direitos de todas as pessoas.

O Élder Dallin H. Oaks, do Quórum dos Doze Apóstolos, expressou o seguinte nessa entrevista coletiva: “Conclamamos os governos locais, estaduais e nacionais a servirem a todo o seu povo esforçando-se para aprovar leis que protejam as liberdades religiosas essenciais de pessoas, famílias, igrejas e outros grupos religiosos, e também protejam os direitos de nossos cidadãos LGBT em questões como moradia, emprego e acesso público a hotéis, restaurantes e meios de transporte — proteção essa que não está disponível em muitas partes do país”.

Com a aprovação de leis de proteção tanto para LGBTs quanto para pessoas religiosas ocorrida seis semanas depois, nossos líderes da Igreja e outras pessoas parabenizaram a comunidade LGBT. Foi encorajador vê-los protegidos contra despejo, discriminação em relação à moradia ou demissão do emprego por causa de sua orientação sexual ou seu gênero. Também congratulamos nossos amigos religiosos de outras denominações ao vê-los semelhantemente protegidos no local de trabalho e em praças públicas.”

Novamente, Rasband ignora ou finge ignorar que a Igreja reverteu sua posição após, e em resposta a, o desastre de relações públicas de 2009 após a campanha da Proposição 8.

“Utah — e a Igreja — recebeu cobertura nacional nos noticiários e elogios por esse acordo histórico. Agora, notem que nenhum princípio religioso ou doutrina foram sacrificados com isso. Não foi feita nenhuma mudança na lei moral de Deus nem em nossa crença de que não deve haver relações sexuais fora do casamento entre um homem e uma mulher. O resultado foi justo e equitativo para todos, refletindo consistência nos padrões e ensinamentos morais e no respeito para com todos.”

Rasband tem razão a dizer que foi um passo positivo na direção certa e uma postura moral e ética. Rasband está sendo desonesto ao fingir que essa não fora uma reversão de postura para melhorar relações públicas seriamente danificadas.

“Não muitos de nós desempenharão um papel preeminente no governo e na elaboração de leis, por isso vocês devem estar se perguntando como esse assunto se refere a vocês pessoalmente em seu cotidiano. Gostaria de abordar três coisas que vocês podem fazer para dar apoio e promover uma mensagem de equidade.”

Equidade é ser tratado igualmente. Vejamos se suas propostas levariam a um tratamento igualitário.

“Em primeiro lugar, tentem ver as pessoas por um prisma de equidade. Para fazer isso, é preciso primeiramente reconhecer que o Pai Celestial ama todos os Seus filhos igualmente.”

Muito bem. Bons conceitos.

É claro que Rasband não discute como o Pai Celestial estaria amando Seus filhos igualmente quando Ele permite exaltação para heterossexuais mas a proíbe para homossexuais, o que obviamente não tem nada de “igual”.

“Estando cheios desse puro amor, isso vai guiar nossos pensamentos e nossas ações, especialmente na arena política que às vezes pode ser muito contenciosa. As tensões podem facilmente inflamar-se quando discutimos política, sobretudo quando falamos de liberdade religiosa. Se permitirmos que esses momentos nos tirem do sério, pareceremos pouco cristãos a nossos familiares, amigos, vizinhos e conhecidos. 

Lembrem-se de como o Salvador lidou com perguntas e pontos de vista desafiadores. Ele permaneceu calmo, mostrou respeito e ensinou a verdade, mas jamais forçou qualquer pessoa a viver da maneira que Ele ensinava.”

Bons conselhos. Essas são as posturas que vemos dos membros da Igreja quando discutem esses assuntos? Vejamos nos comentários.

“Em segundo lugar, deixemos que a equidade conduza o modo como tratamos as pessoas. Jesus Cristo enxergava além da etnia das pessoas, de seu status social ou de suas circunstâncias a fim de ensinar-lhes a simples verdade. Lembrem-se da samaritana junto ao poço (ver João 4:5–30), do centurião romano (ver Mateus 8:5–13; Lucas 7:1–10) e do publicano impopular (ver Lucas 18:9–14). O Senhor ordenou que seguíssemos Seu exemplo, dizendo: “Segui-me, pois; e fazei as coisas que me vistes fazer” (2 Néfi 31:12). Não julguem as pessoas nem as tratem injustamente por elas pensarem de modo diferente do seu ou do nosso.”

Bons conselhos, novamente. Essas são as posturas que vemos dos membros da Igreja quando discutem esses assuntos? Vejamos nos comentários.

“Talvez a maior dificuldade em tratar as pessoas com equidade esteja no equilíbrio exigido para apoiar a liberdade religiosa quando temos amigos ou familiares que sintam atração por pessoas do mesmo sexo ou que sejam firmes defensoras dos direitos LGBT. Alguns de vocês podem se preocupar, achando que vão parecer intolerantes ou pouco solidários caso busquem proteções para exercer sua fé pública e livremente.”

Absolutamente ninguém pensa isso, mas Rasband precisa fingir que sim para manter uma semblância de coerência retórica.

Rasband deve saber, considerando o exército de advogados que a Igreja emprega, que a Constituição Federal dos EUA garante amplas “proteções para exercer… fé pública e livremente”.

“Novamente, estudem a vida de nosso Salvador e busquem a orientação Dele. O Salvador demonstrou perfeitamente como podemos estender a mão com amor e incentivo ao mesmo tempo em que nos mantemos firmes naquilo que sabemos ser verdade. Lembrem-se de que, quando a mulher foi pega em adultério, o Senhor pediu que aquele que não tivesse pecado se apresentasse e fosse o primeiro a condená-la. Quando ninguém se manifestou, nosso Salvador, que era sem pecado, disse: “Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais” (João 8:11).”

É claro que Rasband ignora, ou finge ignorar, que Jesus nunca pregou contra homossexuais. E é provável que Rasbando ignore que essa passagem (conhecida como Pericope Adulterae) foi incluída séculos após a produção original do Evangelho de João.

“O perdão e a bondade que Ele demonstrou a ela não contradisseram Seus ensinamentos de que as intimidades sexuais são somente para um homem e uma mulher que sejam legal e legitimamente casados. Vocês também podem ser inflexíveis no que é certo e na verdade, mas ainda assim estender a mão com bondade.”

Ainda assim, é uma excelente lição de moral e ética.

“Quando alguns amigos e seguidores de Cristo cortaram relações com Ele, o Salvador expressou tristeza e dor. Contudo, quando um relacionamento chegava ao fim, era porque as pessoas ficavam incomodadas com Seus ensinamentos, e não porque Ele Se indispusesse com elas.”

Ao procurarmos tratar as pessoas com equidade, devemos lembrar-nos do princípio do arbítrio. Sempre devemos respeitar a capacidade que elas têm de fazer escolhas e pedir-lhes que nos retribuam a cortesia. Quando falarmos com as pessoas sobre liberdade religiosa, sempre devemos lembrar-nos que podemos discordar sem nos tornarmos desagradáveis. Não fujam de um diálogo referente a essas importantes questões simplesmente por preocuparem-se, achando que ele possa ser difícil ou desconfortável. Podemos orar pedindo auxílio com confiança de que o Salvador vai ajudar-nos a falar e a agir de um modo que Lhe seja aprazível.”

É assim que se comportam os Santos dos Últimos Dias?

“Em terceiro lugar, defendam a equidade caso vejam os direitos de alguém serem tolhidos. O Élder L. Tom Perry (1922–2015), do Quórum dos Doze Apóstolos, foi um grande exemplo de alguém que acreditava firmemente no casamento entre um homem e uma mulher, mas estava disposto a defender os direitos dos outros. Deixou um exemplo de como garantir que os direitos das pessoas sejam protegidos ao testemunhar um tratamento injusto ou um desequilíbrio na lei.”

Note como toda a discussão em torno de “liberdade religiosa” sempre volta ao tópico de “casamento entre um homem e uma mulher”. Note como toda a discussão serve como apologia à discriminação livre e isenta de crítica externa.

“Desde a época de Joseph Smith até nossos dias, nosso legado é o de estender a mão para curar feridas e brechas sem comprometer a doutrina que não nos cabe mudar.”

Mudou-se a doutrina de poligamia. Estendeu-se a mão para curar feridas com os mórmons que ainda acreditam nela?

“Isso me leva a meu ponto final, que é a necessidade de envolvimento ativo de sua geração nessa questão. Alio-me aos líderes da Igreja de nosso Senhor ao dizer que precisamos da compreensão natural da compaixão, do respeito e da equidade que sua geração tem. Precisamos de seu otimismo e sua determinação para lidar com essas complexas questões sociais.

Temos fé que vocês se voltarão ao Salvador para saber como levar uma vida cristã ao mesmo tempo em que demonstram equidade e amor para com as pessoas que não compartilham de nossas crenças. Sabemos que desejam fazer parte de algo significativo e sabemos que são resilientes e dispostos a colaborar.”

E “envolvimento ativo de sua geração” significa que a Igreja pretende continuar incentivando discriminação contra “os gays” e leis “infringindo seus direitos”, como se vê no México hoje. Isso é “estender a mão para curar feridas”?

“E o mais importante, precisamos que se engajem em diálogos referentes às complexidades dessa questão e encontrem soluções sobre como estender melhor a equidade a todos, inclusive às pessoas religiosas. Essas conversas precisam ocorrer em nossas escolas, no lar e em nosso relacionamento com amigos e colegas de trabalho.

Quando conversarem sobre esses assuntos, lembrem-se destes princípios: ver as pessoas por um prisma de equidade, tratá-las com respeito e bondade, e esperar em troca o mesmo tratamento.”

Rasband encerra seu discurso fingindo, ou tentando fingir, que “equidade” é possível dentro de um contexto de discriminação e preconceito. Enquanto houver preconceito (julgando um grupo inteiro de pessoas baseado numa única característica idionsincrática e involuntária do grupo) e discriminação (tratar determinado grupo de pessoas diferentemente dos demais grupos baseado única e exclusivamente por pertencer a tal grupo), nunca haverá “equidade”.

Independentemente dos problemas lógicos, racionais, factuais, ou históricos do discurso do Apóstolo Rasband, um fato ficou absolutamente claro e inegável em seu discurso, especialmente agora sendo publicado pela revista oficial da Igreja. O tema de “liberdade religiosa” nada mais é que um pretexto (superficial e transparente) para exigir que não se critique a Igreja por discriminação e preconceito enquanto ela insiste em pregar, financiar, e fomentar discriminação e preconceito.

2 comentários sobre “Liberdade Religiosa = Intolerância e Discriminação?

  1. O reconhecimento civil das uniões homossexuais, bem como a proibição de tratamento discriminatório em razão de gênero, são caminhos sem volta. As igrejas terão que se adaptar, como se adaptaram a outras mudanças.
    Quanto à perseguição dos mórmons polígamos, é só mais uma incoerência do deus mórmon (ora manda ser polígamo sob pena de ser fatiado por um anjo espadachim, ora proíbe a poligamia sob pena de excomunhão – ir para o inferno).
    Ah como é bom ser mórmon e viver nessa montanha russa de revelações que mudam a toda hora!

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