Profetas vivos são a parte mais idiossincrática da história, da teologia e da tradição mórmons. Tanto que o primeiro hinário mórmon, de 1835, continha uma estrófe celebrando a natureza ímpar desse quesito fundamental:
“Uma igreja sem um Profeta,
Não é a igreja para mim,
Ela não tem um cabeça para liderá-la,
Não pertenceria a uma assim.”¹
O conceito de profetas vivos permanece firme e forte, com mórmons cantando hoje “Graças damos, ó Deus, por um profeta; Que nos guia no tempo atual”. A celebração, e reverência, de profetas passados é quase tão forte quanto o culto aos profetas vivos atuais, inspirando publicações de biografias autorizadas e livros didáticos para mantê-los vivos na memória coletiva.

Detalhe de O Profeta Isaías por Michelangelo (afresco no teto da Capela Sistina)
Não obstante, seja por divergência de tradições, seja por falta de interesse ideológico ou eclesiástico, ou por apatia literária ou historiográfica, muitos profetas da história e tradição mórmons são ignorados ou esquecidos. Esta série de artigos servirá para explorar as biografias e os legados desses líderes mórmons com sucintas introduções a seus chamados proféticos.
O artigo de hoje discutirá: Joseph Smith III.
Joseph Smith III, chamado por grande parte da sua vida como Joseph Smith Jr. após o falecimento de seu avô, Joseph Smith, nasceu em Kirtland, Ohio, em novembro de 1832, como o sexto filho, quarto biológico, do Profeta Joseph Smith, Jr., fundador do mormonismo, e sua primeira (e única legal) esposa Emma Hale.
Smith III era conhecido como o filho mais velho do Profeta Joseph porque os três primeiros filhos biológicos de Joseph e Emma morreram no primeiro dia neonatal, e dos gêmeos Murdock adotados, apenas a menina Julia sobreviveu, enquanto o pequeno Joseph Smith Murdock morreu de pneumonia aos 10 meses de idade em março de 1832.
Smith III mudou-se para a cidade de Far West, Missouri, com sua mãe (grávida com Alexander) e irmãos Julia e Frederick em fevereiro de 1838 para reencontrar-se com seu pai, que havia fugido das autoridades de Ohio para lá, escapando de processos por fraude e estelionato. Em Missouri, seu pai e demais líderes da Igreja incitaram, durante o verão de 1838, um clima de insurreição, formando um exército mórmon clandestino e usando-o para ameaçar, intimidar, expulsar, e pilhar primeiro dissidentes mórmons e depois vizinhos não mórmons. A tensão e a histeria aumentaram exponencialmente, culminando na mobilização da mílicia estadual contra os assentamentos mórmons e sua expulsão do estado. Enquanto Smith era, aos 6 anos idade, preparado por sua mãe e amigos da família para emigrar pela segunda vez em menos de um ano, seu pai e amigos eram encarcerados por insurreição e traição.
Antes de emigrar para Illinois com sua família e demais mórmons, Smith passou a noite na cadeia em Liberty, Missouri, com seu pai e demais prisioneiros. Angustiado e temeroso por sua vida, seu pai impôs suas mãos sobre sua cabeça e lhe abençoou como seu sucessor em seu chamado profético e líder da Igreja.
O jovem Smith de 6 anos acompanhou sua mãe, ajudando a cuidar dos irmãos mais novos, à cidade de Quincy, Illinois, e após seu pai conseguir fugir do cárcere em Missouri, assentaram-se em Nauvoo. Quando seu pai novamente organizou uma força militar mórmon, desta vez com o amparo da lei e autorização do Estado, Smith tornou-se “general” da brigada de jovens milicianos aos 9 anos.
Aos 11 anos de idade, Smith foi novamente abençoado com imposição de mãos por seu pai, desta vez ungido e de acordo com as revelações, como seu sucessor profético em cerimônia conduzida no famoso escritório onde ocorreram as primeiras investiduras e a fundação da Sociedade de Socorro.
Quando seu pai foi assassinado, alguns meses antes de completar 12 anos de idade, vários pretendentes ao cargo profético disputaram o controle da liderança da Igreja. Sua mãe apoiava William Marks, porém Marks logo passou seu apoio a Sidney Ridgon. Tanto Rigdon como Brigham Young propuseram à Igreja assumir controle temporário enquanto Smith não tivesse idade suficiente para liderar a Igreja. Young, liberalmente assumindo que não deveria ser o sucessor legal do Profeta Joseph Smith mas apenas um guardião em seu nome, conseguiu o apoio de uma pequena maioria dos membros da Igreja, relocou a maior parte dela para as Montanhas Rochosas, deixando Smith e família numa cidade fantasma.
Enquanto muitos membros da família Smith e amigos próximos optaram por apoiar outro pretendente a Profeta, James J. Strang, Emma Smith estava mais preocupada em sobreviver e criar seus filhos. Com 5 crianças em casa e apenas uma propriedade em uma cidade fantasma em seu nome, Emma casou-se novamente com o Luterano e Congregacionalista inativo Lewis Bidamon. Traumatizada com todo o sofrimento incorrido em nome de religião, especialmente por causa da percebida infidelidade decorrente da poligamia secreta, Emma não demonstrou muito afã para inculcar religiosidade em seus filhos. Particularmente, consistentemente mentiu-lhes por décadas, negando que seu pai houvera praticado poligamia, insistindo que teria sido uma inovação introduzida por Brigham Young.
Criado nesse lar menos religioso e mais pragmático, Smith dedicou-se aos estudos e tornou-se advogado. Durante anos, Smith foi repetidamente abordado por inúmeros mórmons remanescentes que ou abandonaram as igrejas de Young e Strang ou as abandonaram, inclusive alguns amigos de seu falecido pai, para que assumisse o Manto de Profeta legado-lhe por ele. Smith os recusava consistentemente, insistindo que o faria apenas se fosse inspirado diretamente por Deus a fazê-lo.
Final e subitamente, no início de 1860 Smith anunciou que havia sido inspirado para assumir o manto profético de seu pai e, convocando os vários mórmons que o haviam pressionado por anos, Smith formalmente organizou A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias no dia 6 de abril de 1860 em Illinois, exatos 30 anos após seu pai ter organizado a Igreja de Cristo em Nova Iorque.

Joseph Smith III
Progressivamente, assim como seu pai fizera, Smith foi estruturando a Igreja com uma Primeira Presidência, Quórum dos Doze Apóstolos, Quóruns dos Setenta, e Bispado Presidente. Smith premptoriamente negava a prática de poligamia, porém jamais negou as doutrinas e práticas introduzidas em Nauvoo (i.e., investiduras, batismo pelos mortos, selamentos, pluralidade de deuses e exaltação, etc.), apenas insistindo que como nunca haviam sido canonizadas, elas não poderiam ser doutrinas ou práticas oficiais e eram, portanto, passíveis de ser mal interpretadas. Mais importantemente, Smith recusou-se a abraçar as práticas de teocracia e coligação, que haviam criado muitos dos problemas para seu pai, e haviam sido rejeitadas pelos dissidentes das igrejas de Young e Strang (ambos fortes proponentes das duas). Dessa maneira, Smith eliminava na prática aqueles aspectos mais controversos do mormonismo de seu pai (e de Young e Strang), sem repudiar ou invalidar a carreira profética dele.
Em 1872, Smith alterou o registro legal da Igreja para A Igreja Reorganizada de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias para evitar as confiscações legais que o governo federal promovia contra a Igreja em Utah por causa de novas leis anti-poligamia. (Young também havia alterado o registro legal da Igreja, mudando trecho “santos dos últimos dias” de “Latter Day Saints” para “Latter-day Saints” por motivos jurídicos.)
Em 1878, Smith abriu um processo para recuperar a posse do Templo de Kirtland, solicitando reconhecimento legal que a IRSUD era a igreja legalmente reconhecida como sucessora da igreja de Joseph Smith (na época incorporada como Igreja dos Santos dos Últimos Dias). Além de conseguir manter posse do templo, que até hoje pertence a ela, o julgamento desse processo em 1880 estabeleceu a IRSUD como a “Verdadeira e Legítima continuação, e sucessora, da referida original Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, organizada em 1830, e tem direito por lei a todos os seus direitos e propriedade”, que a Igreja SUD não era a legítima sucessora da igreja original porque “tem materialmente e em grande parte abandonado a fé, doutrinas, leis, ordenanças e práticas da referida original Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”, especificamente citando as doutrinas da Igreja SUD em Utah sobre poligamia e Adão-Deus como sendo “contrária às leis e constituição da referida igreja original”.
Eventualmente, seu primo Joseph Fielding Smith, filho de seu tio Hyrum Smith, conseguiu juntar evidências suficiente para convencê-lo que seu pai havia realmente praticado poligamia. Sempre considerado e caridoso, Smith aceitou o fato como um erro e uma indiscrição de seu pai, sem condená-lo ou invalidar seu chamado profético. E recusou-se a julgar sua mãe por suas décadas de mentiras, ponderando que nada mais estaria protegendo o legado do pai de seus filhos, e procurando fornecer-lhes bons, ao invés de maus, exemplos familiares e paternais.
Em 1881, Smith mudou a sede da Igreja para Lamoni, Iowa, onde havia uma concentração maior de membros e fundou a Universidade de Graceland. Não obstante, permaneceu firme em sua decisão de não convocar uma coligação como seu pai fazia ou Young e sucessores fizeram. Mesmo assim, muitos membros mudaram-se para Independence, Missouri, onde seu pai havia profetizado que seria construída a Nova Jerusalém ou Sião antes da Segunda Vinda de Cristo, e Smith mudou-se para lá também em 1906, designando a um de seus filhos, Frederick, a responsabilidade de conduzir a Igreja na burocracia e detalhes do dia-a-dia enquanto mantinha a liderança profética e espiritual.
Smith faleceu pacificamente em sua casa em Independence no inverno de 1914, vítima de um infarto agudo do miocárdio aos 82 anos de idade, havendo servido como Profeta por 54 anos, legado diversas revelações (e.g., essa revelação proibindo racismo na Igreja) e uma enorme família unida na fé (de seus 17 filhos, 3 serviram como Profetas da Igreja entre 1914 e 1978). Smith morreu 70 anos após seu pai, na cidade que ele havia designado como o centro espiritual da Terra, e cumprindo os seus desejos e suas profecias de que seus filhos e netos lhe seguiriam em seu chamado profético.
Referências
Bushman, Richard, Joseph Smith: Rough Stone Rolling, Alfred A. Knopf, 2005.
Hansen, Klaus, Quest for Empire: The Political Kingdom of God and the Council of Fifty in Mormon History, Michigan State University Press, 1967.
Lanies, Roger, Joseph Smith III: Pragmatic Prophet, University of Illinois Press, 1995.
Newell, Linda e Avary, Valeen, Mormon Enigma: Emma Hale Smith, University of Illinois Press, 1994.
Perfeito! Mais um post capitular que pretendo seguir de perto. Pena não termos acesso a essa Igreja no BR. Não conseguirmos qualquer contato com eles. Se eu morasse na região onde dizem ter congregações eu iria tentar encontrar esse povo pra conversar, poderia ser edificante.
Gerson, eles possuem um único ramo aqui em São Paulo na cidade de Poá. Este ramo mantem uma creche pequena e eles costumam ajudar mães solteiras e crianças do bairro onde a capela (uma casa alugada e pequena) está localizada. Eles são bem receptivos a visitantes, mas ficam desconfortáveis com os SUD’s “abelhudos” que vão até eles por curiosidade e com perguntas que a maioria dos membros não sabem responder. De forma geral eles tem reuniões parecidas com evangélicos Batistas, musica gospel, discursos baseados na Biblia (eles não parecem usar o livro de mórmon quase nunca) e só lembram a Igreja Sud quando ordenam alguém a algum oficio,onde notasse a imposição de mãos. O líder deles é um missionário americano idoso, gentil, carismático com sotaque forte e que atualmente está bem doente. Neste caso essa pequena congregação parece-me ao meu ver um equivalente a um pequeno grupo SUD.
Pois é, Primocena, eu gostaria mesmo de conviver um pouco com eles ou ter um contato mais próximo ao menos. Perdemos muito com esse distanciamento. Creio que eles não parecem desejar muito a expansão de proselitismo ao se isolarem tanto assim.
Legal, “vozes”, este é um daqueles post’s enriquecedores em que conseguimos ver o mormonismo de forma mais ampla, além do nosso próprio “umbigo SUD”