Seminário Ensinará Origem Divina do Banimento de Negros

A mais recente publicação oficial para o ensino de adolescentes mórmons classifica a exclusão de negros do sacerdócio e das ordenanças do templo como uma lei temporária inspirada divinamente.

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Amanda e Samuel Chambers, conversos mórmons ainda no Mississippi pré-guerra, chegaram a Salt Lake City em 1870.

O novo manual para professores do Seminário sugere que os alunos situem o banimento racial mórmon (1852-1978) na mesma categoria de outras práticas e eventos, como a redução da idade para jovens saírem em missão, anunciada em 2012, e a realização de reuniões de jejum e testemunho às quintas-feiras, antes de 1896.

O novo manual do Seminário, publicado este ano e ainda sem tradução para o português, traz, para a lição Profetas e Revelação, uma atividade em que o professor deve explicar à turma acerca de dois tipos de leis divinas — aquelas de natureza eterna e aquelas de natureza temporária, ambas dadas por revelação ou inspiração através da hierarquia máxima da Igreja.

Abaixo, traduzimos um trecho da lição:

Escreva o seguinte no quadro:

1. Leis eternas

2. Leis de administração do sacerdócio e gestão da Igreja

Explique que algumas leis que o Senhor revela são eternas, como aquelas associadas ao plano de salvação. Essas leis não mudam. No entanto, o Senhor pode, por vezes, enfatizar certas leis eternas por causa de mudanças sociais e as necessidades de sua Igreja ou do mundo. Escreva no quadro não mudam ao lado de “Leis eternas”.

Saliente que também há leis na Igreja que podem mudar conforme orientação do Senhor por meio de Seus profetas. Essas incluem leis que dirigem a administração pelo sacerdócio do evangelho e suas ordenanças e se relacionam à organização e gestão da Igreja do Senhor e Seu povo. Algumas dessas leis também podem ser referidas como políticas ou práticas da Igreja. Como profetas e apóstolos buscam juntos inspiração e conselho do Senhor, eles podem fazer ajustes para essas leis de acordo com a vontade do Senhor. Essas mudanças permitem que a Igreja se expanda de uma maneira ordenada em todo o mundo e responda a condições e necessidades diferentes na Terra. Escreva no quadro podem mudar ao lado de “Leis de administração do sacerdócio e gestão da Igreja”. (p.34)

A seguir, o professor é instruído a dar um exemplo de lei eterna (fé e arrependimento são necessários para o progresso espiritual) e dois exemplos de leis de administração do sacerdócio e gestão da Igreja (quóruns de setenta nas estacas até a década de 1970, e contribuição igual para missionários, independentemente de onde sirvam, a partir de 1990). Logo após, os alunos devem receber uma folha de atividades para classificar os eventos em uma das duas categorias:

_____ 1. Para todos que são responsáveis, batismo por imersão e confirmação são necessários para entrar no reino de Deus.

_____ 2. Sob a lei de Moisés, apenas os homens da tribo de Levi eram ordenados ao sacerdócio aarônico.

_____ 3. Antes de 1896, as reuniões de jejum e testemunho mensais eram realizadas às quintas, em vez de domingos.

_____ 4. A partir de meados dos anos 1800 até 1978, os homens de ascendência negra africana não eram ordenados ao sacerdócio.

_____ 5. A Primeira Presidência e do Quórum dos Doze Apóstolos reenfatizaram verdades relativas ao casamento e à família quando publicaram “A Família: Uma Proclamação ao Mundo” em 1995.

_____ 6. Em 2012, o Presidente Thomas S. Monson anunciou que a idade mínima para a serviço missionário de tempo integral seria 18 para rapazes e 19 para moças.

_____ 7. Em 2015, a Primeira Presidência e o Quórum dos Doze Apóstolos admoestaram os membros da Igreja a fazerem da correta observância do domingo uma maior prioridade. (p. 35)

Esse conteúdo para alunos entre 14 e 18 anos contradiz recentes posições da Igreja SUD sobre as políticas raciais do seu passado:

  • No início de 2013, um novo cabeçalho para a Declaração Oficial 2 incluiu a referência a negros ordenados ao sacerdócio duante a vida do profeta Joseph Smith e a afirmação de que não havia “uma compreensão clara sobre a origem dessa prática”;
  • Em dezembro do mesmo ano, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias publicou em seu site em inglês um importante ensaio histórico-apologético sobre negros no mormonismo, traduzido um ano depois para o português. Nele, a Igreja reconhece a ordenação de homens negros a ofícios do sacerdócio durante a presidência de Joseph Smith e seu posterior banimento, sob a liderança de Brigham Young.

O ensaio, ao contrário do novo manual do Seminário, não afirma ou sugere uma origem divina para o banimento, mas recorre ao contexto histórico e cultural para explicá-lo:

“A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias foi restaurada em meio a uma cultura racial altamente contenciosa em que os brancos recebiam grande privilégio. Em 1790, o Congresso dos Estados Unidos limitou cidadania à “pessoa(s) branca(s) livre(s).” Ao longo do meio século seguinte, questões de raça dividiram o país — enquanto o trabalho escravo era legal no sul mais agrário, foi eventualmente banido no norte mais populoso. Mesmo assim, a discriminação racial foi difundida no norte, bem como no sul, e muitos estados implementaram leis proibindo o casamento interracial. (…)

Em 1850, o Congresso americano criou o território de Utah, e o Presidente dos Estados Unidos nomeou Brigham Young para a posição de governador territorial. Os sulistas, que haviam se convertido à Igreja e migraram para Utah com seus escravos, abordaram a questão da condição legal da escravidão no território. Em dois discursos feitos diante da legislatura territorial de Utah, em janeiro e fevereiro de 1852, Brigham Young anunciou uma norma restringindo homens afrodescendentes de serem ordenados ao sacerdócio. Ao mesmo tempo, o Presidente Young disse que em algum dia futuro, os membros negros da Igreja “teriam [todos] os privilégios e muito mais“ do que os desfrutados por outros membros.

As justificativas para essa restrição repetiu as ideias generalizadas sobre inferioridade racial que tinha sido usada [sic] para discutir como a legalização de “escravidão” de negros no território de Utah [sic]. De acordo com uma visão, que havia sido promulgada nos Estados Unidos pelo menos na década de 1730, os negros descendiam da mesma linhagem do bíblico Caim, que matou seu irmão Abel. Aqueles que aceitaram essa visão acreditavam que a “maldição de Deus” em Caim foi a marca registrada [sic] de sua pele escura.” [Erros gramaticais no original em português]

Quase dois anos depois, esse e os demais ensaios receberam o respaldo explícito da Primeira Presidência e do Quórum dos Doze. Permanecem, no entanto, de difícil localização no site e sem ser anunciados nas Conferências Gerais ou nas revistas da Igreja. A desobrigação, no ano passado, de um professor da Escola Dominical por utilizar os ensaios, mostra que seu conteúdo ainda é amplamente desconhecido de membros e lideranças locais. Será também desconhecido daqueles que elaboram o currículo do Sistema Educacional da Igreja? E do Conselho Executivo do S.E.I., que inclui três apóstolos e os três membros da Primeira Presidência? Seja como for, a única certeza é que alunos do Seminário formam um público muito maior do que membros que exploram os ensaios do site oficial.

É surpreendente e contraproducente esta falta de consistência interna da Igreja em suas publicações, e que coincide com a substituição no Seminário do estudo de escrituras por uma forma de catequese, criticada até por membros mais ortodoxos. Ao inserir, de forma descontextualizada e leviana, o tema da discriminação racial introduzida por Brigham Young  em uma atividade de aula, a Igreja acaba por privilegiar o folclore e negar a seus membros adolescentes o acesso aos fatos históricos.

4 comentários sobre “Seminário Ensinará Origem Divina do Banimento de Negros

  1. Eu fico me perguntando, por que os mórmons dizem abertamente que a Igreja SUD é a única Igreja verdadeira na face da terra, quando em sua própria estrutura religiosa e nos seus ensinamentos dogmáticos existe essa discriminação racial. Quando Jesus Cristo esteve aqui na terra, Ele não fez distinção de raça, credo, sexo e nem qualquer outro tipo de discriminação. Na verdade, Ele foi testado muitas vezes, e nem por isso Ele fez distinção. Isso foi demonstrado com a mulher pecadora que foi apanhada em adultério, com a mulher que lavou os pés de Jesus e depois enxugou, e com o homem que pediu que salvasse o seu filho que se encontra enfermo, dentre outros vários tipos de milagres. Acho que é próprio do ser humano, fazer discriminação da própria raça humana. Mas isso um dia terá que ter um fim, talvez, quando chegar o juízo final, onde haverá a separação do joio e do trigo.

      • Adriano, a definicao de Igreja para o Senhor nao e a mesma para os homens. No Livro de Mormon aprendemos que a verdadeira Igreja sempre foi definida como um grupo de pessoas que creem em Deus e buscam fazer sua vontade. Foi assim no inicio com Lehi e sua familia; foi assim com os Jareditas, mais tarde no LM foi assim como Mosias e seu povo; depois Abinadi, Alma e aqueles que seguiram Alma nas aguas de Mormon e mesmo na visista de Cristo quando ele apareceu para um grupo de pessoas que nao eram iniquos como os outros Lamanitas e Nefitas. Na nossa dispensacao, o Senhor define novamente sua igreja como sendo aqueles que se arrependem e acreditam nele.

        67 Eis que esta é a minha doutrina: Aquele que se arrepende e vem a mim, esse é a minha igreja.

        68 Aquele que declara mais ou menos do que isso, esse não é meu, mas está contra mim; portanto, ele não é da minha igreja.(D&C 10:67-68)

        No verso 30 da secao 1 o Senhor deixa claro que ele esta se referindo ao grupo coletivamente e nao a um individuo ou uma instituicao em si. Ele abre o capitulo se dirigindo ao povo da igreja e nao a igreja em si. Nos versiculos 67 e 68 da secao 10, ele define a igreja e sua doutrina como sendo justamente o grupo de pessoas ou qualquer pessoa que se arrepende e vem a ele. O mito ou a mentira de que a Igreja ensina de que a verdadeira Igreja seja a corporacao sediada em Salt Lake city nao esta em harmonia com as escrituras.

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