Promotores públicos federais ofereceram um acordo judicial para a maioria dos 11 líderes da igreja mórmon formalmente estabelecida como A Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias que estão sendo acusados de cometer fraude contra o programa de “bolsa família” do governo federal americano, além de lavagem de dinheiro.

Jovens da Igreja FSUD. Imagem: Stephanie Sinclair | NYT
De acordo com o acordo judicial oferecido, a maioria dos mórmons acusados confessariam culpa aos crimes, porém evitariam penas de reclusão.
Entenda o caso:
Onze membros da igreja estão enfrentando, desde fevereiro p.p., acusações de fraude e lavagem de dinheiro e de orquestrar um esquema de fraudar o Programa Assistencial de Nutrição Sumplementar, programa federal que auxilia a compra de alimentos por famílias sem renda ou de baixa renda. O esquemna de fraude desviou valores de benefícios federais em montantes ultrapassando USD 12 milhões. Os réus, que incluem o líder de alto escalão Lyle Jeffs, irmão do Profeta Warren Jeffs, filho do Profeta Rulon Jeffs, e Presidente-em-exercício, declararam-se inocentes.
Seu irmão, Warren Jeffs, fora aprisionado e condenado por abuso infantil em conexão com a prática de poligamia. Enquanto isso, Lyle Jeffs, que liderava a Igreja no lugar do Profeta desde sua prisão em 2006, também fora recentemente preso e aguardava juízo, por sua vez pela fraude contra o governo federal. Contudo, Lyle Jeffs encontra-se atualmente fugitivo da lei após fugir de prisão domiciliar em junho p.p. enquanto aguardava julgamento, e relata-se que foi o único réu a quem o acordo não foi oferecido.
De acordo com investigadores federais, a Igreja FSUD estabeleceu uma entidade denominada “Ordem Unida”, cujos membros faziam juramentos de “dedicar todas as suas vidas e os seus bens” à Igreja. Esses, por sua parte, buscavam os benefícios da bolsa alimentar do governo federal para repassá-los para os cofres da Igreja através de supermercados de fachada estabelecidos pela Igreja, onde “compravam” mantimentos sem levar nada. Além disso, membros também compravam mantimentos em supermercados normais, mas tudo era armazenado no armazém do Bispo para uso e distribuição a critério da liderança eclesiástica.
Advogados da Igreja peticionaram pelo arquivamento dessas acusações argumentando que a liberdade religiosa de seus clientes estaria sendo violada, pois a Igreja teria o direito de exigir dedicação religiosa de seus membros de acordo com os ditames de suas crença religiosas. Contudo, tal argumentação foi peremptoriamente rejeitada pelo juiz federal que a ouviu.
Além disso, o governo federal dos EUA havia recomendado expulsar agentes policiais em uma comunidade mórmon, bem como intervenção federal sobre oficiais municipais, devido a acusações de violações de separação Estado-Igreja.

Comunidades de mórmons polígamos se concentram no sul de Utah
De acordo com promotores federais, mórmons dessa comunidade consistentemente optavam por obedecer ordens de seus líderes eclesiásticos em detrimento da Lei Constitucional, com grande prejuízo para os membros da comunidade que não pertecem à Igreja.
“O departamento de polícia da comunidade polígama na fronteira de Utah e o Arizona está infiltrada por uma cultura enraizada de seguir ordens do líder da seita em detrimento dos direitos constitucionais dos não-crentes e deve ser dissolvida.
Agências externas, como xerifes de condado locais precisam lidar com os deveres por causa do controle profundamente enraizado dos marechais da cidade por líderes de uma seita polígama comandada pelo líder encarcerado Warren Jeffs.”
Essas recomendações foram propostas como punição para as cidades após um júri em Phoenix condenou, em março, as cidades por negar moradores não-membros da Igreja acesso a serviços básicos, tais como a proteção da polícia, alvarás de construção e conexões de água encanada.
Procuradores públicos dizem que remédios menos graves, tais como a atribuição de um monitor externo para o departamento, não seria suficiente para mudar a cultura. Eles dizem que 30% dos marechais da cidade ao longo dos últimos 15 anos foram expulsos, incluindo quatro chefes de polícia, desde que o profeta mórmon Warren Jeffs assumiu no início dos anos 2000.
O governo também está pedindo a um juiz para atribuir um monitor independente para vigiar os funcionários municipais em Colorado City no Arizona, e Hildale em Utah, e obter acesso às atas das reuniões das cidades e demais documentos.
Richard Holm, uma testemunha do governo que deixou a seita em 2003, mas que ainda vive na área:
“É exatamente o que precisa acontecer. Trazer à luz do dia todas essas reuniões de conselho da cidade e tudo o que se passa lá, e examinar tudo com olhos abertos e independentes é muito importante.”
Sob a punição proposta pelo governo, Colorado City também iria aprovar um plano para subdividir propriedades. O atraso desse plano tem impedido Utah da reatribuição de propriedades que fazem parte de uma fundação da igreja assumida pelo Estado há mais de uma década atrás, depois de alegações de má gestão.
As cidades negaram as acusações durante o julgamento e disseram que o governo estava perseguindo funcionários da cidade apenas porque desaprova de sua religião. O advogado para Colorado City, Jeff Matura, afirmou que nenhum oficial da cidade foi expulso das agências de policiamento dos estados de Utah ou do Arizona há pelo menos oito anos.
O julgamento marcou um dos esforços mais ousados por parte do governo para enfrentar o que os críticos têm, há muito tempo, chamado de regime corrupto nas duas cidades. O julgamento de sete semanas ofereceu um raro vislumbre das comunidades que durante anos foram envoltas em segredo e são desconfiados do governo e de forasteiros.
Como parte de um acordo de US$ 1,6 milhões, nove pessoas das comunidades receberão cada um US$ 173.000. As cidades e sua companhia de água também irã cadaum pagar uma penalidade civil US$ 55.000.
As cidades foram acusadas de seguir ordens de A Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Durante o julgamento , o Departamento de Justiça afirmou que os funcionários da cidade assistiam o líder do grupo enquanto ele era fugitivo do FBI e recebia ordens de líderes da igreja sobre quem nomear para cargos no governo.Eles afirmaram, ainda, que a polícia local ignorou o esquema de fraude do programa de “bolsa-família” e mesmo os casamentos entre homens e noivas menores de idade.
Explicou o promotor público:
“Dada esta determinada resistência enraizada há décadas para garantir que os seus agentes de aplicação da lei adiram ao Estado de direito, nenhuma medida aquém de dissolução tem uma chance realista de levar os serviços de policiamento dos réus em harmonia com a Constituição.”
Coincidentemente, essas foram as exatas mesmas acusações que atormentavam Joseph Smith, forçando-o a fugir da justiça de Ohio em 1838, a ser preso e fugir da cadeia de Missouri em 1839, e a ser preso e assassinado em Illinois em 1844: Controle religioso dos ofícios públicos municipais, discriminação contra não-membros na comunidade, fraude (em Ohio, com o ilegal Banco de Kirtland), e prática ilegal de poligamia (em Illinois).
Brigham Young continuou com as mesmas práticas de Smith, forçando o Presidente do Estados Unidos a tomar a mesma postura que os promotores públicos estão fazendo com a IFSUD hoje, exceto que, considerando números muito maiores de mórmons sob o comando de Young, ele enviou um contigente do exército norte-americano para assegurar a segurança de oficiais federais e a obediência à lei constitucional no Território de Utah.
Conseguindo fechar um acordo de última hora nos bastidores para evitar confronto armado contra tropas federais, Young e demais líderes da Igreja receberam perdão presidencial de todos os crimes federais cometidos até 1858. Não obstante, Young e sucessores persistiram nas práticas inconstitucionais citadas acima, culminando na cruzada anti-poligamia entre 1861 e 1904 que os forçou, sob pena de ruína financeira, a abandonar esses dois grandes princípios estabelecidos por Smith: poligamia e controle político. Como explicou o então Senador Federal de Idaho, Frederick T. Dubois, em sua autobiografia:
“Aqueles de nós que compreendíamos a situação não nos opunhamos tanto à poligamia quando ao domínio político da Igreja. Sabíamos, porém, que não conseguiríamos explicar àqueles que não tinham contato direto, o que esse domínio político significava. Fizemos uso, consequentemente, da poligamia como nossa grande arma ofensiva e para arregimentar recrutas à nossa causa. Havia uma detestação universal contra poligamia, e conquanto os Mórmons a defendiam abertamente, davam-nos uma arma muito eficaz com a qual atacar.”
Enquanto conflitos com a lei ocorrem repetidas vezes na história mórmon, eles usualmente são acompanhados de aumento no fervor religioso e zelo espiritual. Muitos desses mórmons fundamentalistas¹ estavam aguardando que o Apocalipse ocorresse em abril. O Profeta Mórmon Warren Jeffs havia profetizado a Segunda Vinda para a data de 6 de abril de 2016, quando ele e seu irmão, presos por poligamia e fraude, seriam milagrosamente libertados de suas cadeias. Tonia Tewell, Diretora Fundadora de uma ONG dedicada a ajudar mais de 200 pessoas anualmente a fugir de comunidades Mórmons polígamas, também relatou ter ouvido dessa profecia e de como Jeffs havia enviado-a de sua cela na prisão aos membros da FSUD. Tewell reconta como Jeffs já havia anunciado tais profeciais apocalípticas antes, e especulou que ele usa o medo dos membros de punições espirituais eternas e do fervor escatológico de um fim iminente para manter controle e motivar obediência cega aos líderes e incentivar doações financeiras.
“[Quando você é um membro], você é fiel à Igreja e faz exatamente o que Warren diz porque Warren recebe diretamente de Deus e você quer agradar a Deus… Quando o apocalipse não vem, Warren simplesmente diz que é porque o povo não é digno o suficiente.”
A igreja de Warren Jeffs, é apenas um dos vários grupos mórmons que praticam casamento plural. A maioria dos mórmons fundamentalistas não têm relações com a Igreja FSUD.
Erros de cálculo profético não é uma novidade na história Mórmon. O Profeta Mórmon Wilford Woodruff acreditava na profecias de Joseph Smith, Jr., e Joseph Smith, Sr., que a Segunda Vinda ocorreria em 1891 e durante a sua vida terrena. Essa crença, coincidentemente, norteou as decisões de Woodruff com relação à crise policial que enfrentavam os líderes Mórmons na época, sendo aprisionados por poligamia e fraude. Em 1890, Woodruff e vários Apóstolos, optaram por fingir suspender a prática de poligamia em público e aguardar o “fim dos tempos” e a “redenção da Igreja” no ano seguinte.
Como é comum em profecias escatológicas que não se cumprem, as previsões foram reinterpretadas como condicionais e espiritualizadas, e o Manifesto foi alterado para uma declaração oficial profética ao invés de uma tática calculada para ganhar tempo, obrigando até a publicação de um Segundo Manifesto para demonstrar aos membros o quão oficial deveria ser.
Considerando a persistência dessas características por quase dois séculos até os dias atuais, parece que conflitos com autoridades federais sobre o controle político da governância local por parte de liderança eclesiástica, ancorado no princípio de obediência civil ao Profeta, e crimes constitucionais em nome do Reino de Deus, são inerentes à tradição mórmon. Séculos de história sugerem que tais conflitos apenas aumentam o fervor mórmon pela fé e pela crença em sua missão divina. Como esperar que seria diferente dessa vez?
NOTA
[1] “Mórmon fundamentalista” é um termo amplo que designa mórmons que praticam – ou acreditam que devam praticar – o casamento plural (poliginia), entre outros princípios. A Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias é apenas uma das diversas denominações do movimento mórmon, e em especial, do movimento mórmon fundamentalista. A maior e mais conhecida igreja mórmon, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, aboliu oficialmente a prática do casamento plural em1890, e de facto em 1904, e atualmente excomunga membros que venham a ser praticantes ou simpatizantes do fundamentalismo mórmon.
Vamos exportar o Moro e o Joaquim Barbosa
Engraçado que vocês insistem em dizer que a Igreja FUNDAMENTALISTA “é apenas uma das diversas denominações do movimento mórmon” Me poupem, se contradizem o tempo todo.
Paulo Henrique, por favor não confunda sua ignorância pessoal dos fatos com “contradição” nos outros. Eis uma simples lista de “denominações do movimento mórmon”, ainda longe de ser completa.