Há poucos dias, publicamos a declaração do historiador e apologista Richard Bushman sobre a narrativa oficial da história mórmon não ser verdadeira.

Patriarca e ex-Presidente de Estaca, Editor para a Igreja SUD, e historiador biógrafo de Joseph Smith, Richard Lyman Bushman
Em um serão informal, ele havia sido questionado se acreditava haver espaço no mormonismo para diferentes narrativas históricas ou se a Igreja SUD manter-se-ia atrelada à sua atual narrativa oficial. Bushman respondeu (ênfase nossa):
Eu acho que para a Igreja permanecer forte, ela tem que reconstruir sua narrativa. A narrativa dominante não é verdade. Ela não pode ser sustentada. Assim, a igreja tem que absorver toda essa nova informação [histórica], ou ela vai se basear numa fundação instável, e é isso que ela está tentando fazer. E vai ser uma pressão para um monte de gente, para pessoas mais velhas especialmente, mas eu acho que tem que mudar.
Apesar da tendência recente em publicar fontes antes pouco acessíveis ou mesmo secretas, bem como incluir informações e narrativas que haviam sido marginalizadas em sua história, e até mesmo retirar uma mentira histórica de suas escrituras, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias ainda sustenta e promove algumas narrativas que beiram o ficcional, distorce fatos a fim de adequá-los às suas práticas e doutrinas atuais, e falha grosseiramente em disponibilizar novas informações históricas ao seu público interno. Nesse sentido, a “narrativa dominante” na Igreja, como afirma Bushman, não é verdadeira.
Tal constatação absolutamente não implica em desacreditar ou deixar de acreditar em conceitos subjetivos e abstratos que constituem a fé religiosa em geral, ou a fé mórmon em específico. Não obstante, devido a leituras deficientes e/ou ao desejo de confirmar suas próprias crenças (acerca do mormonismo, ou de Bushman, ou destas Vozes Mórmons), alguns erroneamente atribuíram (a Bushman ou a este site) essa conclusão de natureza espiritual.
Richard Bushman publicou, há dois dias, uma nota em que reafirma suas crenças pessoais no chamado profético de Joseph Smith e nos eventos sobrenaturais por ele narrados, refutando a conclusão infundada e débil de que teria “perdido seu testemunho”.
Eis a nota, traduzida na íntegra (ênfases e links nossos):
19 de julho de 2016
No meio da semana na semana passada comecei a receber notas de agradecimento de pessoas que tinham lido uma afirmação minha sobre a necessidade de reconstrução da narrativa histórica da Igreja. Eu não tinha idéia do que estava acontecendo até que Dan Peterson escreveu sobre um “quiproquó” — a palavra de escolha para a ocasião — nos blogs. Na igreja, no domingo, D. Fletcher me perguntou “você sabia que era o assunto de um quiproquó?”. Um amigo que tinha sido presidente de missão no Brasil me enviou um link para um blog em português. Depois disso, fiquei sabendo que tudo começou com a transcrição de um comentário que fiz em um serão, na casa de Mark England, há pouco mais de um mês, e publicado por John Dehlin.
Vendo alguns dos comentários no blog de Dan Peterson, descobri que algumas pessoas pensaram que eu havia jogado a toalha e finalmente admitido que a estória da Igreja sobre sua origem divina não se sustentava. Outros leram minhas palavras de forma diferente; eu só estava dizendo que havia muitos erros na narrativa padrão que exigem correção.
As reações não deveriam ter me surpreendido. Pessoas tiveram diferentes sobre [a biografia de Joseph Smith] Rough Stone Rolling desde que saiu. Alguns acharam as informações sobre Joseph Smith tão danosas que seu status de profeta foi posto em dúvida. Outros foram gratos em encontrar um profeta que tinha falhas humanas, dando-lhes esperança que poderiam qualificar-se para a inspiração, apesar de suas fraquezas humanas. Os mesmos fatos, reações opostas.
As diferentes respostas me deixam perplexo. Não tenho idéia por que algumas pessoas ficam desconcertadas quando aprendem que a história da igreja não ocorreu como elas tinham sido ensinados na Escola Dominical, enquanto outras se adaptam. Alguns sentem raiva e se sentem traídos; outros têm o prazer de ter uma narrativa mais realista. Um teórico postulou um “sobreposição emocional” que afeta o modo como reagimos à informação. Mas a admissão de que nós mesmos somos seres humanos subjetivos, cujos mecanismos racionais não são totalmente confiáveis, não diminui nosso sentimento de que estamos certos e os nossos semelhantes, enganados.
De fato, eu ainda me encontro ao lado dos crentes em inspiração e acontecimentos divinos — em anjos, placas, traduções, revelações —, enquanto outros vendo os mesmos fatos estão convencidos de que eles desqualificam Joseph Smith inteiramente. Um monte de dor, raiva e alienação vêm dessas disputas. Eu gostaria que pudéssemos encontrar maneiras de ser mais generosos e compreensivos uns com os outros.
Richard Bushman
Bushman reafirma sua posição de que a narrativa histórica da Igreja SUD — a “narrativa dominante” ou “narrativa padrão” — apresenta “muitos erros” e precisa, portanto, “ser reconstruída”, exatamente como havíamos afirmado em nosso artigo anterior.
Embora a nota acima objetive enfatizar suas crenças religiosas, respondendo às conclusões infundadas a seu respeito, ela também reitera sua afirmação original sobre o problema na maneira como a Igreja narra sua história. Segundo Bushman, “a história da igreja não ocorreu como (…) ensinad[a] na Escola Dominical”.
Há treze anos, intelectuais foram elencados por um Apóstolo como inimigos internos da Igreja, tendo ele também afirmado que “[a]lgumas coisas que são verdadeiras [na história mórmon] não são muito úteis”, sugerindo escondê-las pois “[a] verdade não é edificante; ela destrói” e culpando historiadores por esse mal:
“Eu não gosto de historiadores porque eles adoram a verdade.”
Assim como esse Apóstolo, muitos membros da Igreja demonstram dificuldade para compreender a distinção puramente factual e objetiva, e não utilitária ou pragmática, entre “verdade” e “mentira”.
A literal definição de dicionário de “mentira” inclui “antônimo geral [de] verdade” (antônimo significa oposto) e “história falsa”. Por outro lado, a definição de “verdade” é “[c]onformidade da ideia com o objeto, do dito com o feito, do discurso com a realidade”. Se algo “não é verdade”, ela é, por definição, uma mentira, pois não exibe “conformidade… com a realidade”.
Quando alguém tenta argumentar que uma “narrativa” proposta pela Igreja, que obviamente “não é a verdade”, não necessariamente seja uma “mentira”, apenas porque não se sabiam todos os fatos, ou não havia intenção de mentir ou enganar, ela está ignorando a absoluta definição do que é “verdade” e “mentira”, erroneamente atribuindo julgamentos de valores a adjetivos que apenas qualificam méritos factuais e reais, e/ou desonestamente escondendo-se atrás de distinções semânticas que circundam as próprias definições das palavras.
Ademais, qualquer membro da Igreja que opte por esconder-se atrás de tais desonestas semânticas do tipo “não se conheciam os fatos” ou “não havia intenção de mentir para enganar” simplesmente ignora (intencionalmente ou não) a realidade que a Igreja, através de seus líderes, mentiu ativa e publicamente ao esconder ou deturpar os fatos reais diversas vezes e por muitas e muitas décadas, sobre poligamia, racismo, doutrina, suas práticas, suas origens e sua história.
No frigir dos ovos, Richard Bushman, que além de historiador profissional empregado pela Igreja, é um de seus maiores apologistas, admite que muitos aspectos da “narrativa padrão” ensinada oficialmente pela Igreja contém “erros”, “não é verdade”, e “exig[e] correção”. Quando lhe foi exposta a afirmação, que nós publicamos (e que ele admitiu haver chegado à sua atenção) de que sua admissão de “narrativa” que “não é verdade” com “erros”e que “exigem correção” constitui uma admissão de que a Igreja mentiu e mente em sua “narrativa padrão”, ele honestamente negou-se a contradizê-la, limitando-se apenas a compartilhar suas crenças religiosas e convicções pessoais.
Bushman aproveitou a ocasião para elaborar uma narrativa pessoal onde o reconhecimento de tais mentiras oficiais nada mais lhe trouxe a uma fé mais transcendental, a uma experiência religiosa mais espiritual, e a uma aceitação dos fatos verdadeiros mais complexa ou relativista e menos simplista ou literalista.
Cada vez mais o povo exige fatos e só então eles mudam os argumentos, fé não se sustenta em cima dessas mentiras mórmons a vida inteira, um dia as pessoas cansam.
Bushman, sem dúvida nenhuma presta um serviço louvável a comunidade e cultura mórmon. A possibilidade de visualizar a história da igreja por uma ótica que não seja a ótica do currículo oficial SUD que ao meu modo de ver é “infantil” e pouco profundo, já é uma maravilha por si mesmo. Sempre digo a mesma coisa e não tenho medo de parecer repetitivo, nossa história é bela!, incrível repleta de sacrifícios, acertos e muitos erros, como deveria ser como qualquer ação humana é. A roupagem brilhante e formosa que a instituição tenta vestir sua história. empalidece e oculta aquilo que muitos buscam por meio da fé, que é o divino vindo ao encontro de suas profundas necessidades humanas. Quando algo é tão santo, divino, e inalcançável o fiel se desilude e desanima ou o pior e infelizmente o mais corriqueiro na Igreja SUD, veste as roupas da divindade e santidade e se corrompe no mais alto grau de vilania e soberba.
“nossa história é bela!, incrível repleta de sacrifícios, acertos e muitos erros, como deveria ser como qualquer ação humana”
De fato, mas a liderança mórmon prefere passar a imagem de seres impecáveis. Parece que é isso vem de encontro ao que as pessoas estão procurando: o mórmon típico gosta de pensar a história da Igreja à maneira de um conto de fadas, com personagens perfeitinhos em seus papeis. Uma infantilização que a psicanálise explica. Daí o choque e a decepção quando descobrem que seus profetas eram humanos, perfeitamente humanos. Mas geralmente voltam a alimentar sua visão açucarada e odeiam quem ousou abalar seu “testemunho”.
Já os redatores da Bíblia pensaram diferente, e expuseram as imperfeições de seus heróis.
“Os heróis judeus estão longe de serem santos, e a Torá, a Bíblia hebraica, não esconde suas imperfeições.
Nosso patriarca Abraão é descrito como covarde: temendo que os egípcios o matassem para ficar com sua bela mulher, Sara, apresentou-a como irmã. Sara, por sua vez, é retratada como ciumenta, a ponto de expulsar de casa sua escrava Hagar, com quem Abraão tivera um filho.
O mestre Moisés, libertador do nosso povo, é descrito como arrogante e impaciente no episódio em que fez a água jorrar do rochedo, contrariando ordens de Deus.
O rei Davi é caracterizado como infiel e mulherengo.
Os heróis judaicos são humanos. São pessoas que, em algum momento da vida, usaram suas qualidades (senso de justiça, compaixão, coragem) para engrandecer nosso povo. Mas, como cada um de nós, tinham seus defeitos.”
HENRY SOBEL
Acho chato isso dos mórmons nunca usarem a palavra “erram”, eles sempre camuflam e preferem usam a palavra revelação, nunca admitem que aquilo foi um grotesco erro como o caso do banco que poucos meses depois da suposta revelação de Joseph o banco faliu, eles deveriam amadurecer e reconhecer os erros deles mas eles sempre temem enfraquecer o tal “testemunho”.